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Estado de Minas PANDEMIA

Esperar imunidade de rebanho '� absurdo e anti�tico', diz l�der de estudo que investiga quantos tiveram covid-19 no Brasil

Estudo da Universidade Federal de Pelotas estima que 3,8% dos brasileiros j� foram infectados; para epidemiologista Pedro Hallal, isso indica que estamos longe de pandemia acabar naturalmente no pa�s.


20/07/2020 08:33 - atualizado 21/07/2020 15:28


Pesquisa apontou que 8 milhões de brasileiros já se infectaram - muito mais do que mostram os números oficiais(foto: Reuters)
Pesquisa apontou que 8 milh�es de brasileiros j� se infectaram - muito mais do que mostram os n�meros oficiais (foto: Reuters)

Um dos maiores j� feitos at� agora no pa�s para descobrir o tamanho real da pandemia do novo coronav�rus concluiu que 3,8% dos brasileiros j� foram infectados.

 

Isso significa que muito mais gente teve covid-19 do que mostram as estat�sticas oficiais, que s�o distorcidas pelo baixo n�mero de testes realizados.

 

Os cientistas do Centro de Pesquisas Epidemiol�gicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fizeram testes para detectar anticorpos contra o coronav�rus em 89.397 pessoas de 133 cidades de v�rios Estados e entrevistas para entender como o v�rus afeta diferentes classes sociais e grupos �tnicos.

A investiga��o indica que o Brasil est� longe de atingir a chamada imunidade de rebanho. Isso ocorre quando uma parcela grande o suficiente da popula��o foi infectada naturalmente e desenvolveu uma defesa contra o v�rus. A doen�a n�o consegue se espalhar, porque a maioria das pessoas � imune. Esse patamar � estimado por especialistas em torno de 60% a 70%.

 

Diante disso, falar em atingir a imunidade de rebanho hoje � "quase uma piada", diz o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da UFPel e coordenador da pesquisa.

"Mirar a imunidade de rebanho como uma pol�tica de sa�de � uma ideia absurda, mal pensada e anti�tica", diz Hallal.

 

Um dos poucos pa�ses a buscar a imunidade de rebanho — e a abrir m�o de medidas dr�sticas de isolamento social — foi a Su�cia, citada pelo presidente Jair Bolsonaro, em maio, como exemplo a ser seguido. O Reino Unido cogitou seguir essa linha, mas as proje��es de que isso levaria a milhares de mortes fizeram o governo recuar. At� agora, em compara��o aos vizinhos n�rdicos, a Su�cia teve at� sete vezes mais mortes e o decl�nio econ�mico foi equivalente ao de quem fechou com�rcios e escolas (j� que habitantes evitaram circular nas ruas). Mas o n�mero de mortes tem ca�do no pa�s, o que reacendeu o debate sobre imunidade coletiva.

8 milh�es

O estudo da UFPel tamb�m indica qual � o tamanho da subnotifica��o de casos no pa�s: 3,8% da popula��o equivale a 8 milh�es de pessoas infectadas at� 24 de junho, quando a pesquisa acabou.

De acordo com o Minist�rio da Sa�de, havia 1,19 milh�o de casos confirmados na mesma data. Ou seja, o n�mero real de pessoas que contra�ram o v�rus seria seis vezes maior.

 

Esse trabalho mostra ainda que foram mais contaminados brasileiros amarelos (2,1%), pretos (2,5%), pardos (3,1%), e ind�genas (5,4%) do que brancos (1,1%) e, que quanto mais pobre � uma pessoa, maior � o risco de ela ter covid-19. Para Hallal, isso indica que a pol�tica de combate � pandemia "fracassou".

 

Uma boa not�cia � que a taxa de letalidade do v�rus no pa�s seria na realidade bem menor, cerca de 1% em vez dos 3,8% calculados hoje com base na rela��o entre casos e mortes oficiais.


Reitor da UFPel, o epidemiologista Pedro Hallal diz que resposta do país ao vírus fracassou(foto: Charles Guerra)
Reitor da UFPel, o epidemiologista Pedro Hallal diz que resposta do pa�s ao v�rus fracassou (foto: Charles Guerra)

A preval�ncia do v�rus varia muito entre as cidades do pa�s, segundo a pesquisa: entre 0% e 26,4% (em Sobral, no Cear�). As regi�es Norte (8%) e Nordeste (5,1%) tiveram proporcionalmente mais testes positivos do que Sudeste (1,1%), Centro-Oeste (0,9%) e Sul (0,4%).

 

� nestas �ltimas duas regi�es que o v�rus mais avan�a hoje, quase cinco meses ap�s o primeiro caso confirmado. A proposta de Hallal para mudar isso n�o � nada popular, como ele reconhece. "� hora de fazer um lockdown rigoroso no Sul e no Centro-Oeste."

 

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

 

BBC News Brasil - O estudo mostrou que taxa nacional de infec��o foi de 3,8%. Com isso, a imunidade de rebanho � poss�vel?

Hallal - A imunidade de rebanho � um conceito mais te�rico do que pr�tico nesta pandemia. Quando tiver uma doen�a que n�o mate ningu�m ou n�o seja grave, talvez a gente possa falar de imunidade de rebanho. Mas, para essa pandemia, falar nisso � quase uma piada.

A imunidade de rebanho s� acontece com uma vacina — que n�o existe — ou quando muita gente adquire naturalmente anticorpos. Se hoje j� morreram mais de 76 mil pessoas, seria �tico esperar contaminar 60% a 70% da popula��o e deixar morrer quase 1 milh�o para ent�o atingir a imunidade de rebanho? � �bvio que n�o. A ideia de mirar a imunidade de rebanho como uma pol�tica de sa�de � absurda, mal pensada e anti�tica.

 

Exceto se algumas teorias que come�aram a surgir nas �ltimas duas semanas estiverem certas. Elas falam da imunidade cruzada, que pessoas que tiveram exposi��o a outros coronav�rus no passado n�o pegam covid-19. Se isso se confirmar, ser� uma not�cia espetacular, porque uma parcela das pessoas teria imunidade porque pegou covid-19 e outra parcela teria imunidade porque j� teve exposi��o a outros coronav�rus. Seria mais poss�vel chegar perto da imunidade de rebanho.

Mas isso ainda � muito incipiente. A gente precisa esperar um pouco mais para saber se a teoria da imunidade cruzada se confirma ou n�o.

 

BBC News Brasil - Alguns estudos recentes apontam que a imunidade de rebanho para a covid-19 poderia ser atingida com percentuais bem menores, entre 10% e 43%.

 

Hallal - Isso � t�o recente quanto a teoria da imunidade cruzada. Todos n�s torcemos para que se confirme, mas ainda n�o podemos ter certeza de que vai. � s� uma teoria ainda.

 

BBC News Brasil - O estudo mostrou que as regi�es do pa�s tem uma preval�ncia do v�rus muito diferente. Por que isso ocorreu?

 

Pedro Hallal - O Brasil � um pa�s muito grande e n�o conseguiu controlar a epidemia em �nica zona. Com a exce��o da China, que isolou bem a �rea onde come�ou a epidemia, todos os pa�ses com dimens�es continentais, como os Estados Unidos, a �ndia e a R�ssia, est�o enfrentando a mesma situa��o.

A epidemia chegou ao Brasil primeiro por S�o Paulo e Rio e pelo Norte, depois foi para o Nordeste. O Centro-Oeste e o Sul ficaram para o fim. Hoje, os n�meros s� est�o aumentando consideravelmente no Centro-Oeste e no Sul. No Norte, j� est� baixando, felizmente. E o Nordeste e o Sudeste est�o pr�ximos de uma estabilidade.


Letalidade do vírus seria de cerca de 1% no país, aponta a pesquisa(foto: AFP)
Letalidade do v�rus seria de cerca de 1% no pa�s, aponta a pesquisa (foto: AFP)

BBC News Brasil - Quais foram as falhas na rea��o do pa�s ao coronav�rus?

 

Hallal - O maior erro foi nunca ter tido uma pol�tica de testagem ampla e maci�a. � um problema grav�ssimo, porque essa pol�tica n�o � para contar quantos doentes temos, � para isolar os positivos e testar seus contatos. Isso o Brasil nunca fez.

 

O segundo erro talvez seja in�dito no mundo. V�rios outros pa�ses tamb�m n�o testaram bem, mas n�o reabriram antes da curva estar caindo. Nenhum outro lugar fez algo t�o equivocado. O Brasil parece que est� desafiando o v�rus, porque a gente reabre as cidades quando estamos no pico ou pr�ximo do pico. Ent�o, � �bvio que o v�rus vai continuar infectando.

 

Se a gente tivesse feito tudo certo, era para estarmos hoje reabrindo uma parte da regi�o Norte, onde j� passou o pior, e com planos bem avan�ados para come�ar a reabrir no Nordeste e no Sudeste, onde a pandemia est� come�ando a diminuir. E estar�amos elaborando planos para o Sul e o Centro-Oeste, focando na assist�ncia da popula��o. Mas a gente basicamente reabriu todas as regi�es ao mesmo tempo.

 

BBC News Brasil - Por que as regi�es Sul e Centro-Oeste n�o conseguiram impedir o avan�o da pandemia, mesmo sendo afetadas depois?

 

Hallal - Elas adotaram pol�ticas para restringir a propaga��o do v�rus no final de mar�o. Ent�o, o v�rus circulou pouco no in�cio, mas elas flexibilizaram a quarentena enquanto a epidemia ainda existe, e o v�rus come�ou a circular mais. � uma explica��o simples, mas tamb�m � triste: o Sul e o Centro-Oeste flexibilizaram quando a curva ainda estava baixa, mas subindo. Esse foi o problema.

 

Mas podem perguntar: ser� ent�o que eles fecharam muito cedo? Diria que n�o, porque, mesmo que esteja subindo a preval�ncia nestas regi�es, ela est� chegando s� agora a 1%. No Norte, est� em 10%. Ent�o, muitas vidas foram preservadas ao adotar o distanciamento cedo.

 

Agora que a epidemia est� bombando no Sul e no Centro-Oeste, � hora de fazer um lockdown rigoroso nestas regi�es para fazer a curva descer. Sei que essa ideia n�o � popular e que muita gente vai me xingar e dizer que eu sou professor universit�rio e tenho o sal�rio garantido, mas a verdade � que todos os outros lugares do mundo fizeram isso quando a situa��o se descontrolou.

 

O que acho que a popula��o brasileira n�o notou ainda � que existe uma luz no fim do t�nel: a Europa ainda segue tendo casos, porque n�o h� vacina, mas n�o teve uma onda nova descontrolada. Isso � a prova de que, se a gente consegue baixar a curva, mesmo que a epidemia volte, ela n�o vai ter a mesma intensidade.

 

BBC News Brasil - Bastaria um lockdown no Sul e Centro-Oeste ou precisaria ser feito em outros lugares?

 

Hallal - H� um momento certo de fazer o lockdown. N�o faria no Norte, porque a curva j� est� descendo. O lockdown � para quando a epidemia est� bombando, quando come�a a lotar as UTIs. Nesta hora, tem que estar tudo fechado. Por isso, as outras regi�es n�o precisam fazer, a n�o ser com exce��o de alguns lugares do Sudeste, como talvez S�o Paulo, que ficam nesse vai e vem preocupante.

 

BBC News Brasil - Uma quarentena mais flex�vel n�o seria suficiente?

 

Hallal - Depende do que entendemos como suficiente. Sempre vai ter mais casos se for quarentena do que se for lockdown. A quest�o � quantos casos o sistema de sa�de consegue comportar e o quanto a gente acha aceit�vel. Neste momento, acho que � hora de fazer lockdown no Sul e o Centro-Oeste.


Sem uma vacina e com a curva ainda ascendente, reabertura foi precipitada, diz Hallal(foto: AFP)
Sem uma vacina e com a curva ainda ascendente, reabertura foi precipitada, diz Hallal (foto: AFP)

BBC News Brasil - Porque em algumas cidades, como S�o Paulo, Manaus e Recife, a preval�ncia do v�rus foi caindo ao longo das fases do estudo?

 

Hallal - H� uma explica��o burocr�tica e a outra, desafiadora cientificamente. A burocr�tica � que foi uma flutua��o amostral, porque v�rias destas quedas est�o dentro da margem de erro do estudo. Mas tem algumas que ficam muito evidentes. Chamam especialmente a aten��o as quedas nas cidades em que a taxa estava muito alta. E isso pode ser por causa da imunidade cruzada ou do tempo que a imunidade dura no organismo — e essa � a hip�tese mais interessante.

 

Alguns estudos apontam que a quantidade de anticorpos de pessoas que se infectaram h� mais de tr�s ou quatro meses come�a a baixar, especialmente em quem teve uma infec��o leve. N�o quer dizer que ela perdeu imunidade. Os estudos mostram que a imunidade se mant�m, mas o n�vel de anticorpos � pequeno para o teste dar positivo. Estamos fazendo estudos espec�ficos nas cidades onde teve essa diminui��o para entender se � isso que aconteceu.

 

BBC News Brasil - Mas isso n�o indica que a preval�ncia nacional apontada pelo estudo pode ser maior?

 

Hallal - Pode, e a� pode ser que estejamos n�o perto, mas um pouco menos longe da imunidade de rebanho. Mas, se estamos em 3,8% hoje e isso realmente for verdade, a taxa seria apenas um pouco maior e ainda estar�amos muito distantes da imunidade de rebanho.

 

BBC News Brasil - O que explica a queda t�o brusca da epidemia em Manaus?

 

Hallal - Essa queda coloca em xeque o que estou dizendo sobre a imunidade de rebanho, porque Manaus n�o fez lockdown. Mas precisamos entender isso com o devido cuidado. Em Manaus, o v�rus chegou muito cedo atrav�s do v�nculo da Zona Franca com a China, e as epidemias costumam ter um limite temporal, que � normalmente de cerca de treze semanas. Essa � uma possibilidade. Outra � que o v�rus circulou e esgotou sua capacidade de infectar. Mas uma terceira explica��o poss�vel, da qual tenho d�vidas, � que seria por causa da imunidade cruzada. A resposta est� entre essas tr�s possibilidades.

 

BBC News Brasil - Ou seja, o caso de Manaus pode indicar que o percentual de infec��o necess�rio para atingir a imunidade de rebanho � menor do que se imaginava?

 

Hallal - Exatamente. Inclusive, h� artigos sobre este assunto que citam isso. Porque Manaus n�o fez uma quarentena rigorosa o suficiente para ter essa queda. Ent�o, pode ser que, seja por causa do passar do tempo ou pela quantidade de suscet�veis, o patamar necess�rio para a imunidade de rebanho tenha sido atingido em Manaus.

 

BBC News Brasil - Qual foi a principal surpresa do estudo?

 

Hallal - A preval�ncia t�o alta no Norte. Teve lugares em que foi acima de 20%. Nas cidades de Breves, Boa Vista, Sobral... S�o n�meros muito altos, que a gente n�o encontrou praticamente em lugar nenhum do mundo.

 

Outro resultado que salta aos olhos � a diferen�a entre a estimativa de casos do estudo e o que aparece na estat�stica oficial. � seis vezes mais. A m�dia est� noticiando que o Brasil chegou a 2 milh�es de casos, mas minha leitura � que o Brasil j� tem entre 10 milh�es e 14 milh�es de casos. A gente se preocupa e se assusta com essa diferen�a gritante.

 

BBC News Brasil - A pesquisa tamb�m mostrou o percentual de assintom�ticos � muito menor do que se pensava. Olhando retrospectivamente, qu�o diferentes deveriam ter sido as estrat�gias adotadas contra a pandemia?

 

Hallal - Esse � um dos resultados mais importantes do estudo. Vou dar o exemplo de um sintoma, que a pesquisa mostrou que 60% das pessoas positivas tiveram: a perda de olfato e paladar. Isso � diferente de tosse, que qualquer pessoa pode ter de vez em quando. A perda de olfato e paladar � um sintoma muito espec�fico.

 

Se a gente soubesse antes que tanta gente ia ter isso, certamente ter�amos montado no pa�s um sistema de vigil�ncia por telefone, nas unidades de sa�de, nos hospitais, ter�amos divulgado mais na m�dia, dizendo que quem sentisse isso fosse imediatamente fazer teste e informasse as dez pessoas com quem mais se teve contato recentemente.

 

Mas tamb�m encontramos a� um percentual de pessoas que n�o relatou nenhum sintoma — de s� 11%. Ou seja, o que se falava, de que a maior parte das pessoas s�o assintom�ticas, est� errado. O que � verdade � que a maior parte das pessoas t�m sintomas leves e n�o precisam ir para o hospital, mas a maioria das pessoas vai ter algum sintoma. E isso poderia ter ajudado desde o come�o a identificar quem est� em risco e mandar testar. Inclusive, se a gente tivesse uma pol�tica ampla de testagem, ela poderia ter mostrado isso. � essa a pol�tica de testagem que a Coreia e outros pa�ses usaram e que deu t�o certo para reduzir a intensidade da pandemia.

 

BBC News Brasil - O estudo tamb�m mostrou que as taxas mais altas est�o nas regi�es mais pobres do pa�s e que tamb�m entre os n�veis socioecon�micos mais baixos.

 

Hallal - Isso � uma caracter�stica brasileira. Chama muita aten��o esse "empobrecimento" da pandemia no Brasil em compara��o com outros pa�ses. O estudo mostra que h� um risco muito maior de infec��o entre os pobres. Nesta parte da popula��o, as fam�lias s�o maiores, e as casas s�o menores. Ent�o, a aglomera��o � maior. E os pobres infelizmente acabam tendo que sair mais para a rua para conseguir dinheiro para se sustentar. Isso � cruel.

 

Todo mundo falava que, quando chegasse nos grupos socioecon�micos mais baixos, a transmiss�o seria maior. Quando o v�rus chegou ao Brasil, pelas pessoas de alto n�vel socioecon�mico, poderia ter sido feita uma pol�tica mais rigorosa de testagem para evitar a dissemina��o. Se o v�rus atingiu as classes socioecon�micas mais baixas, isso mostra um fracasso da pol�tica de sa�de nacional no enfrentamento do v�rus. Os mais vulner�veis acabam sendo os mais expostos a ele. Isso sem falar na quest�o �tnica e racial. Os ind�genas tem cinco vezes mais risco de se infectar em compara��o com os brancos.


Negacionismo de Bolsonaro e trocas no comando do Ministério da Saúde prejudicaram combate à pandemia, diz Hallal(foto: AFP)
Negacionismo de Bolsonaro e trocas no comando do Minist�rio da Sa�de prejudicaram combate � pandemia, diz Hallal (foto: AFP)

BBC News Brasil - E por que isso ocorre?

 

Hallal - H� duas hip�teses. Uma, � que os ind�genas podem ser mais propensos a pegar o v�rus ou t�m menos imunidade cruzada. Mas, na pr�tica, o que acho que est� acontecendo, � que, havendo uma pessoa infectada, h� na forma de organiza��o dos grupos ind�genas mais contato entre as pessoas. Por isso, o v�rus acaba disseminando mais.

 

BBC News Brasil - Isso j� n�o era sabido? N�o deveriam ter sido tomadas medidas para evitar esse efeito?

 

Hallal - Claro que sim. Precisa perguntar para o Minist�rio da Sa�de por que n�o foi feito. Todo mundo sabia que, quando chegasse nas favelas e nos grupos ind�genas, ia ser um caos. Infelizmente, o Brasil n�o conseguiu fazer uma pol�tica de prote��o das popula��es mais vulner�veis.

 

BBC News Brasil - De que forma a instabilidade pol�tica prejudicou o combate � pandemia?

 

Hallal - Talvez o presidente n�o tenha no��o do impacto que ele tem. A maioria das pessoas votou no Bolsonaro. Quando ele fala que � s� uma gripezinha, ele est� dizendo para 50 milh�es de brasileiros para n�o dar bola para esse problema. Essa postura negacionista teve uma influ�ncia, que se soma � falta de pol�ticas claras de sa�de e a termos um Minist�rio da Sa�de em constante transi��o de comando. No momento em que o pa�s mais precisa, n�o temos um ministro da Sa�de.

 

BBC News Brasil - Por que esse estudo � importante para o combate � pandemia?

 

Hallal - Porque temos que conhecer o inimigo que queremos combater. Temos uma doen�a desconhecida sobre a qual sabemos muito pouco, e as estat�sticas oficiais representam s� a ponta de um iceberg. N�o tem como entender o todo com base nelas. Nossa pesquisa permite olhar a parte do iceberg que est� submersa, que s�o a pessoas que n�o est�o buscando o servi�o de sa�de, mas que tamb�m est�o sendo infectadas e infectando outras pessoas.

 

BBC News Brasil - E existe inten��o de dar continuidade � pesquisa?

 

Hallal - Da nossa parte, sim, mas parece que da parte do governo, n�o. Conclu�mos com sucesso as tr�s fases que estavam previstas e apresentamos os resultados. No meio de uma pandemia, o normal seria prosseguir, mas o minist�rio silenciou sobre o assunto. Provavelmente, n�o h� interesse em manter a pesquisa.

 

BBC News Brasil - O minist�rio informou � reportagem que tem interesse em continuar, mas que n�o sabe ainda se ser� com a UFPel.

 

Hallal - N�o temos problema nenhum com isso. S� queremos que deixe de ser discurso e vire realidade. Apresentei os resultados da pesquisa h� mais de 15 dias, e a resposta do minist�rio continua a mesma. Se o minist�rio, por quest�es ideol�gicas, n�o quer prosseguir com a gente, respeitamos, embora seja meio dif�cil de justificar. Porque j� tem uma expertise montada, e somos o grupo de epidemiologia mais reconhecido do pa�s. Mesmo assim, se o minist�rio quiser fazer com outro grupo, n�o h� problema, mas que fa�a. Por enquanto, n�o houve nenhum avan�o, e acho que essa resposta protocolar do governo vai se manter por algum tempo.

 

BBC News Brasil - Por que uma quest�o ideol�gica?

 

Hallal - No ano passado, fiz muitas cr�ticas �s pol�ticas do Minist�rio da Educa��o, que bloqueou recursos or�ament�rios da universidade. Pode ser que o governo entenda que eu sou um reitor desse grupo que eles chamam de comunista, esquerdista. Mas sou um gestor que defende a universidade. Sempre que fui chamado pelo minist�rio —- e, ali�s, fui chamado para fazer essa pesquisa pelo governo atual —, me coloquei � disposi��o.

 

Tratamos o estudo com isen��o e rigor cient�fico, tanto que temos um artigo publicado na Nature e outro que vai ser publicado no Lancet, duas das melhores revistas cient�ficas do mundo. Mas parece que o minist�rio acha que � melhor seguir com o trabalho com uma universidade com a qual eles t�m um v�nculo ideol�gico mais pr�ximo.


(foto: BBC)
(foto: BBC)

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