
O centro de eventos de Itaja� ficou lotado em 7 de julho. Ao longo do dia todo, moradores da cidade de Santa Catarina fizeram fila para levar para casa doses de ivermectina.
A Prefeitura comprou milh�es de comprimidos do rem�dio, que � usado contra parasitas, para distribuir � popula��o como preven��o para a COVID-19, a doen�a causada pelo novo coronav�rus. V�rias cidades do pa�s j� fizeram igual e outras disseram que pretendem fazer o mesmo.
A procura pelo medicamento tamb�m aumentou entre a popula��o em geral. As buscas no Google dispararam. Em algumas farm�cias, ele sumiu das prateleiras. E as fabricantes refor�aram a produ��o para dar conta da demanda.
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Esse interesse parece ter sido resultado de uma s�rie de fatores. Um estudo preliminar feito em laborat�rio teve bons resultados. O acesso a outros rem�dios alardeados como uma suposta cura para a COVID-19 passou a ser controlado.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez men��es � ivermectina, e muitas mensagens circularam no WhatsApp recomendando seu uso "para prevenir o cont�gio".
Al�m disso, alguns m�dicos v�m recomendando, nos consult�rios e na internet, que as pessoas a tomem para evitar ou tratar a COVID-19.
Mas tudo isso parece ignorar um fato simples, mas importante: n�o h� at� agora comprova��o cient�fica de que a ivermectina - ou qualquer outro medicamento - previna ou trate a COVID-19.
"A ivermectina � hoje o que a cloroquina era em mar�o. As pessoas se convenceram de que ela pode ter algum efeito (contra a COVID-19) e foram atr�s de forma descontrolada", diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
'As pessoas est�o desesperadas'
A ivermectina � comercializada desde o in�cio dos anos 1980 para combater verminoses e parasitas, como piolhos, pulgas e carrapatos, em animais e seres humanos.
O medicamento atua no sistema nervoso central dos vermes e parasitas, provocando paralisia, e costuma ser usado em dose �nica.
Stucchi conta que h� mais ou menos seis semanas come�ou a receber mensagens de conhecidos e pacientes em busca de informa��es sobre a medica��o.
"Elas perguntam se devem tomar porque souberam que todo mundo est� tomando. Nunca tinha ouvido falar em pessoas pedindo ivermectina em 40 anos de profiss�o", diz Stucchi.

A infectologista afirma que a grande procura ocorre, em parte, porque � um rem�dio barato e que costuma causar poucos efeitos colaterais. Mas tamb�m atribui isso a colegas de profiss�o que t�m indicado seu uso aos pacientes.
Stucchi cita o caso de uma amiga que foi � dermatologista para renovar receitas de cremes e saiu da consulta com uma receita para ivermectina.
A dermatologista disse que ficava a crit�rio da paciente usar ou n�o, mas que tinha receitado porque se sentia na obriga��o de avisar que acreditava que o medicamento previne a COVID-19.
"N�o sei de onde tiraram isso, porque essa informa��o n�o existe. Acho que � porque as pessoas est�o desesperadas por uma cura e aconteceu um movimento muito bem planejado de divulgar a ivermectina como se ela fosse esse milagre", diz Stucchi.
Estudo preliminar levou � procura por medicamento
Os dados de buscas no Google mostram que a procura pela ivermectina no Brasil deu um salto pela primeira vez no in�cio de abril.
A esta altura, a cloroquina e o antiparasit�rio nitazoxanida, vendido no Brasil sob a marca Annita, eram os mais procurados nas farm�cias contra a COVID-19, mesmo sem efic�cia comprovada.
A cloroquina era h� tempos propagandeada por Bolsonaro como um rem�dio eficaz contra o coronav�rus, e a nitazoxanida seria testada pelo Minist�rio da Ci�ncia, Tecnologia, Inova��es e Comunica��es para o mesmo fim.
O aumento do interesse por eles fez com que ambos passassem a ser controlados, ou seja, comprados s� com receita, o que restringiu o acesso.
Ao mesmo tempo, um estudo indicou que a ivermectina poderia matar o coronav�rus. A pesquisa da Universidade Monash, na Austr�lia, concluiu em testes em laborat�rio que o antiparasit�rio pode neutralizar as propriedades infecciosas do v�rus em 48 horas.
Mas trata-se apenas de uma an�lise preliminar, na qual a subst�ncia foi testada em uma cultura de c�lulas, e ainda h� outros passos fundamentais at� que seja poss�vel verificar se esse efeito tamb�m ocorre em pessoas.
Um bom resultado nesta etapa est� longe de garantir a efic�cia contra o v�rus. Al�m disso, a dose testada no estudo, se usada como medicamento, poderia gerar s�rios danos � sa�de.
A revista Science destacou ser fundamental "uma investiga��o mais aprofundada sobre poss�veis benef�cios (da ivermectina) em humanos" no combate � COVID-19.
"N�o h� nenhuma evid�ncia cient�fica de que funciona, zero, nada", refor�a Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e diretor m�dico do Hospital Universit�rio Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"O que teve foi esse teste in vitro que mostrou que a ivermectina pode ter uma atividade antiviral, mas a dose necess�ria para isso tamb�m mata as c�lulas do organismo. Ent�o, precisar�amos de uma hiperdose, que seria t�xica para n�s, para ela funcionar."
Ivermectina � o mais buscado no Google no Brasil

A procura por ivermectina no Google caiu ao longo de abril e teve um novo pico de buscas em maio, mas nada comparado ao que vem registrando desde o in�cio do m�s passado.
As buscas pelo medicamento cresceram 125% do in�cio de junho at� 20 de julho em compara��o com os 50 dias anteriores, diz o Google.
Nesta mesma �poca, em um v�deo publicado em 8 de junho, o jornalista Alexandre Garcia afirmou estar tomando a iverectina "preventivamente". "N�o vou fazer propaganda nenhuma, n�o estou recomendando, s� vou contar para voc�s, que a gente � amigo, n�?", disse Garcia.
Em 11 de junho, Bolsonaro tamb�m se referiu � ivermectina durante uma transmiss�o pela internet. "Acho que o resultado � at� melhor que a cloroquina, porque mata os vermes todos", afirmou o presidente.
O infectologista Alberto Chebabo acredita que a ivermectina ganhou popularidade conforme cresceram as evid�ncias de que a cloroquina n�o � capaz de combater o coronav�rus.
"Ela � uma droga pouco t�xica, f�cil de tomar e de encontrar, a� virou a bola da vez. Tem um monte de gente usando e recomendando porque todo mundo quer uma bala de prata contra a COVID-19", diz Chebabo.
Os dados do Google apontam na mesma dire��o. A empresa diz que a cloroquina vem perdendo espa�o para a ivermectina nos �ltimos meses. Entre maio e julho, a ivermectina foi tr�s vezes mais buscada do que a cloroquina e � hoje o medicamento em teste contra a COVID-19 mais buscado no Brasil.
De acordo com a empresa, o pa�s � o terceiro pa�s do mundo com mais interesse pela droga, atr�s apenas da Bol�via e do Peru, onde a ivermectina tem sido usada no tratamento da COVID-19.
Milh�es de visualiza��es no YouTube
Tamb�m se multiplicaram na internet defesas do suposto benef�cio do antiparasit�rio contra a COVID-19.
Nas redes sociais e em aplicativos de mensagens, circulam in�meros depoimentos de pessoas que afirmam ter tomado o medicamento e se recuperado da doen�a. Citam at� mesmo protocolos supostamente elaborados por m�dicos contra a COVID-19 que incluem a medica��o.
No YouTube, h� v�deos sobre o assunto que passam de 1 milh�o de visualiza��es. Muitos deles foram publicados no in�cio de junho, quando disparou o interesse pela droga no Brasil.
Os v�deos da m�dica Lucy Kerr, que � especializada em ultrassonografia e uma defensora da ivermectina, est�o entre os mais acessados e compartilhados. Neles, ela ensina "protocolos de tratamento" com a medica��o contra a COVID-19.
Kerr diz que isso � importante para divulgar a efic�cia da ivermectina que n�o � abordada pela "grande m�dia". A m�dica afirma que h� "um monte de estudos" que atestam que a droga funciona contra o coronav�rus.
"Na Rep�blica Dominicana, 1,3 mil pessoas foram tratadas com o medicamento, que garantiu 99% de cura. Est�o saindo estudos observacionais que comprovam 100% de cura com a ivermectina em cinco dias com pacientes internados, mais graves", diz ela.
Mas os estudos observacionais s�o considerados s� uma das etapas do processo de uma pesquisa.
"Eles t�m uma relev�ncia baixa, porque n�o s�o, por exemplo, randomizados (quando participantes s�o definidos de forma aleat�ria). Podem ter muitos vieses. N�o s�o adequados (para atestar a efic�cia de um medicamento)", diz o infectologista Sergio Cimerman, diretor cient�fico da SBI.
A Sociedade Brasileira de Infectologia emitiu, no fim de junho, um alerta contra o compartilhamento na internet de supostos tratamentos para a COVID-19.
A entidade e o Conselho Federal de Medicina dizem que m�dicos n�o devem compartilhar e incentivar o uso de medica��es que n�o t�m comprova��o cient�fica, ainda que possam receitar individualmente esses rem�dios, ressaltando que n�o h� comprova��o.
Kerr defende a ivermectina como preven��o e tratamento dos primeiros sintomas da COVID-19 e afirma n�o estar cometendo irregularidades.
"Temos muitas comprova��es de que funciona. H� relatos extraordin�rios. N�o daria tempo para termos grandes estudos neste momento", diz a m�dica.
O que dizem a Anvisa e o Minist�rio da Sa�de?
Diante do aumento da procura pela ivermectina, a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) divulgou em 9 de julho uma nota em que alertou contra os efeitos colaterais do medicamento e disse que n�o h� provas de sua efic�cia.
"Tamb�m n�o existem dados que indiquem qual seria a dose, posologia ou dura��o de uso adequada para impedir a contamina��o ou reduzir a chance de gravidade da doen�a. Os resultados encontrados in vitro n�o podem ser tomados como verdadeiros in vivo", disse a ag�ncia.
A Anvisa informou ainda que havia ent�o 26 estudos cl�nicos da droga contra o coronav�rus, entre eles apenas um feito no Brasil, pela Universidade Federal de S�o Carlos, que s� deve ser conclu�do em meados do ano que vem.
O documento tamb�m dizia que a Anvisa n�o recomendava seu uso para tratar a doen�a ou como preven��o. Mas a ag�ncia suprimiu esse trecho, bem como um alerta contra os perigos da automedica��o, em uma segunda vers�o da nota publicada no dia seguinte.
O novo comunicado manteve a men��o de que um rem�dio deve ser usado conforme indica a bula, mas acrescentou que n�o h� estudos conclusivos de que a ivermectina n�o funciona contra o coronav�rus.
No dia da publica��o da primeira nota, Bolsonaro voltou a falar sobre a ivermectina ao vivo na internet. O presidente disse que as pessoas que o criticavam por se tratar com cloroquina deveriam "ao menos apresentar uma alternativa".
"Ora, se n�o d� certo a hidroxicloroquina, voc� tem que tomar a ivermectina ou o Annita, que � outro que t� muito comentado por a�, que s�o eficazes no tratamento do coronav�rus", afirmou.
A Anvisa diz que a mudan�a da nota n�o teve rela��o com a opini�o de Bolsonaro e que simplificou o texto para n�o gerar "conclus�es equivocadas". Quando houver estudos cient�ficos conclusivos, "ir� debater se inclui ou n�o a indica��o do medicamento contra a COVID-19".
A BBC News Brasil apurou que de fato n�o teria ocorrido uma interfer�ncia do Planalto neste epis�dio.
A posi��o de Bolsonaro j� era conhecida antes da divulga��o da primeira vers�o. E antes do presidente fazer a transmiss�o, a diretoria da Anvisa j� tinha conclu�do que a nota precisava ser revista, porque a posi��o da ag�ncia teria sido mal interpretada. N�o caberia � ag�ncia recomendar ou n�o o uso de um medicamento, uma atribui��o dos m�dicos e do Minist�rio da Sa�de.
� BBC News Brasil, o Minist�rio da Sa�de disse que "n�o h� orienta��o de uso de Ivermectina para o tratamento da COVID-19".
A pasta afirmou ainda que "at� o momento, n�o h� nenhum medicamento, subst�ncia, vitamina, alimento espec�fico ou vacina que possa prevenir a infec��o pelo coronav�rus ou ser utilizado com 100% de efic�cia no tratamento".
Ivermectina para metade da popula��o

Mesmo sem respaldo cient�fico, cidades brasileiras t�m adotado a ivermectina para tratar pacientes com a COVID-19 ou, supostamente, evitar a infec��o pelo v�rus.
Em Itaja�, onde h� 2,7 mil casos confirmados e 73 mortes pelo novo coronav�rus, o medicamento foi distribu�do para pessoas com ou sem sintomas da COVID-19.
A Prefeitura diz que, para receber o rem�dio, a pessoa precisa passar por uma consulta m�dica e assinar um termo no qual atesta saber que n�o h� provas cient�ficas de que ele funcione contra o coronav�rus.
O prefeito de Itaja�, Volnei Moraston (MDB), que � pediatra, acredita que a ivermectina � a melhor alternativa para a COVID-19 no momento.
"Desde meados de mar�o, quando a pandemia chegou � nossa regi�o, estamos com sucessivas medidas restritivas. Mas ainda assim os casos aumentaram. N�o podemos ficar apenas nas medidas que n�o s�o farmacol�gicas", justifica.
Assim como Kerr, ele cita estudos observacionais e argumenta que "n�o � poss�vel esperar at� que a ci�ncia comprove a efic�cia de uma medica��o."
A Prefeitura estima que, entre os cerca de 200 mil habitantes, metade da popula��o j� recebeu o medicamento.
O Tribunal de Contas de Santa Catarina cobrou o prefeito sobre o gasto de R$ 4,4 milh�es com ivermectina e questionou por que n�o houve licita��o.
Moraston afirma que licita��o n�o foi feita porque h� "uma situa��o de emerg�ncia de sa�de p�blica" e afirma que pagou R$ 5,90 por cada caixa com quatro comprimidos, enquanto, segundo o prefeito, nas farm�cias locais, o pre�o varia entre R$ 15 e R$ 30.
Ele diz que n�o est� prejudicando a popula��o de Itaja� ao distribuir o rem�dio. "Em �ltimo caso, fiz um tratamento antiparasit�rio. Uma vez por ano, � bom que todo cidad�o fa�a", diz.
O prefeito afirma ainda que, enquanto os casos na cidade continuarem aumentando, seguir� distribuindo a ivermectina, mesmo sem provas de que ela funcione.
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