
Nosso comportamento em confinamento social n�o difere muito do de outros animais sociais quando colocados em cativeiro: estar isolado tem um efeito profundo na nossa sa�de f�sica e mental. Por isso a import�ncia em encontrarmos maneiras de brincar, jogar e rir no cotidiano em quarentena.
Os ensinamentos s�o da cientista chilena Isabel Behncke, que de diferentes formas se dedica a estudar as ra�zes da natureza humana e de animais sociais. Ela estudou Biologia em Santiago, Zoologia em Londres e fez p�s-gradua��es em conserva��o biol�gica e antropologia evolutiva, tamb�m no Reino Unido.
Para seu doutorado em primatologia na Universidade de Oxford, passou tr�s anos na selva da Rep�blica Democr�tica do Congo estudando os bonobos, que, ao lado de chimpanz�s, s�o nossos parentes evolutivos vivos mais pr�ximos. Na quarentena, ela se dedica a escrever um livro sobre a experi�ncia.
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Seus estudos nos ajudam a entender por que somos como somos - e os efeitos que a quarentena imposta pela pandemia exercem sobre n�s, como indiv�duos e como esp�cie. E por que sentimos tanta falta de atividades triviais, como almo�ar com colegas de trabalho ou passear?
Precisamos do ar livre
"Passei muitos anos seguindo primatas em seu habitat natural, por exemplo os bonobos no Congo. Mas tamb�m estudei muitos animais em cativeiro, como os pr�prios bonobos, chimpanz�s e papagaios", conta ela � BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC.
"Ent�o conhe�o a diferen�a de sociabilidade de animais sociais inteligentes quando est�o enjaulados versus quando est�o em liberdade. Esse � o grande experimento que estamos vivendo agora. Somos animais inteligentes em cativeiro. E v�rias coisas foram mostradas."

Antes de tudo, explica Behncke, como mam�feros e como primatas, nos constitu�mos em movimento e ao ar livre. "Ter que estar fechados em poucos metros quadrados sem movimento f�sico e sem estar ao sol � muito, muito dif�cil."
"Acho que, para alguns de n�s, (...) a pandemia nos lembrou de que somos parte, e n�o � parte da natureza, e que ser um animal da mesma esp�cie � uma for�a muito democr�tica, porque o v�rus ataca a todos", opina.
Animais enjaulados t�m comportamentos repetitivos
Mas existe tamb�m uma quest�o relacionada ao nosso comportamento social.
"Somos primatas sociais e estarmos isolados tem um efeito profundo em nossa sa�de f�sica e mental. Quando observamos os animais enjaulados, sejam cet�ceos (baleias e golfinhos), cavalos, elefantes, papagaios, primatas ou grandes predadores, o que vemos s�o os chamados comportamentos repetitivos, como se co�ar at� provocar les�es ou dar voltas nas jaulas", explica.
"E talvez voc� se pergunte: como identifico o que � um comportamento repetitivo causado pelo estresse, versus movimentos que possam ter outras causas? Em geral n�o variam muito e n�o t�m uma fun��o."
"Ent�o, quando vejo como come�amos a fazer scroll nas redes sociais, sem interagir, simplesmente de maneira passiva, repetitiva, o que observo s�o humanos em cativeiro. N�o � muito diferente dos papagaios enjaulados, que come�am a arrancar as (pr�prias) penas."

Para Behncke, "h� um sofrimento muito verdadeiro, muito profundo, dos animais sociais que s�o privados de est�mulos sociais e de movimento".
Al�m disso, a especialista explica que nossa sociedade, assim como a de chimpanz�s, bonobos e elefantes, tem um componente altamente complexo, chamado pelos cientistas de fiss�o-fus�o.
"Voc� acorda de manh� e interage com seu n�cleo familiar. Da� sai e interage com um grupo de trabalho. Na hora do almo�o, interage com outro subgrupo e � tarde se re�ne com amigos. No fundo, voc� tem uma comunidade maior e da� voc� se fissiona, se separa em pequenos grupos, que se separam e se voltam a juntar", explica a pesquisadora.
"Agora n�o estamos podendo exercitar essa sociabilidade de fiss�o-fus�o, natural para os seres humanos. E as pessoas enclausuradas com seu grupo familiar e com outras pessoas tamb�m est�o sofrendo, porque h� mais conflito nessas rela��es."
N�o � diferente de o que ela observava em bonobos em cativeiro.
"Eles s�o famosos por serem s�mios muito tolerantes, n�o praticam homic�dios ou infantic�dios, previnem e resolvem conflitos por meio de brincadeiras e do sexo. S�o chamados de os 'hippies da floresta'. Em cativeiro, quando chegava a comida, por exemplo, aumentava o estresse e, assim, aumentava o sexo. Mas, na natureza, havia muito menos sexo. Depois percebi que era porque se podia exercitar a fiss�o-fus�o, diminuindo os conflitos ao se separar em subgrupos."
"Como somos humanos, achamos que tudo se soluciona conversando, mas h� mecanismos ainda mais antigos, mais animais, de dissipa��o de conflitos, como ir embora. � como quando voc� briga com seu irm�o durante o almo�o de fam�lia, mas, quando volta na semana seguinte, isso j� n�o importa tanto. O estar enjaulado n�o permite fazer isso, e o estresse � muito forte."
Brincar e festejar

A chilena explica que jogos, atividades e brincadeiras s�o um exerc�cio antigo e universal praticado por seres imaturos (ou seja, as crias) de mam�feros e p�ssaros. Mas tem efeito crucial na popula��o em geral, principalmente em tempos de quarentena - desde montar quebra-cabe�as e dar risada at� cozinhar algo por prazer s�o atividades que trazem grandes benef�cios.
"Isso � muito importante para a sa�de f�sica e mental, para a resili�ncia e para a criatividade", explica Behncke.
"Mas a brincadeira � uma conduta sens�vel ao medo. Quando aumenta o estresse, aumenta a resposta fisiol�gica, que por sua vez tende a diminuir e suprimir o jogo. Por isso, temos que prestar aten��o � frequ�ncia com a qual estamos dando risada, se na pandemia podemos encontrar maneiras de rir todos os dias, falar por videochamada com algu�m que te divirta, ler literatura, ver com�dias."
� preciso fazer o que for necess�rio, diz ela, "para manter a brincadeira na vida, sobretudo em tempos nos quais � mais dif�cil faz�-lo, por medo ou incerteza".
"Mas h� outro ponto. Diferentemente de outros animais, n�s humanos desenvolvemos rituais sociais, como ir a shows, missa, sair para dan�ar ou a bares. Os rituais coletivos s�o muito importantes porque sincronizam os grupos: eu me movo contigo, rio contigo, canto contigo e forjo um la�o contigo. Pense nos gritos (das torcidas) de futebol no est�dio."
"Tudo isso est� desaparecido com o v�rus, e � um experimento impressionante. N�o s� n�o temos os rituais coletivos, como estamos vivendo um trauma coletivo. Por isso acho que vamos precisar voltar a restaurantes e pubs, ao est�dio, a shows e a dan�ar nas festas."
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