
"Ser realista", "administrar expectativas" e "humildade" s�o algumas das ideias que Paul Offit est� tentando refor�ar no debate global sobre vacinas contra o novo coronav�rus.
O cientista americano n�o apenas fala com base em sua experi�ncia como diretor do Centro de Educa��o de Vacinas do Hospital Infantil da Filad�lfia, mas tamb�m � luz do longo caminho que percorreu para criar, junto com outros dois colegas, uma vacina contra o rotav�rus, a causa mais comum de diarreia grave em crian�as e beb�s em todo o mundo.
Em meio � pandemia da COVID-19, que infectou mais de 17 milh�es e causou mais de 670 mil mortes em dezenas de pa�ses, � dif�cil n�o se empolgar ao ouvir not�cias de um novo avan�o na busca por uma vacina.
Mas Offit, professor de vacinologia, pediatria e especialista em imunologia, alerta: "Precisamos ser realistas. Em circunst�ncias normais, quando as empresas fazem uma vacina, elas n�o divulgam comunicados na imprensa sobre os ensaios cl�nicos de fase 1, nem estudos de pequena escala de doses da fase 1. Nem fazem isso com estudos envolvendo 45 pessoas".
"Em vez disso, eles esperam at� chegar aos ensaios da fase 3, o grande e aprofundado estudo cl�nico
controlado por placebo, que � quando eles podem, de fato, comentar se a vacina funciona", disse � BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC.
"Agora mesmo n�o temos evid�ncias de que essas vacinas das quais est�o falando funcionam. Apenas sabemos que elas parecem promissoras."
"Devemos nos acalmar e esperar at� termos mais informa��es antes de bater no peito e falar qu�o maravilhosas essas vacinas s�o".
Offit tamb�m � um dos membros do comit� criado pelos Institutos Nacionais de Sa�de (NIH, por sua sigla em ingl�s), conhecido como Acelerando as Interven��es Terap�uticas e Vacinas da COVID-19 (Activ).
Segundo o NIH, trata-se de uma associa��o p�blico-privada que busca estabelecer uma estrat�gia de pesquisa que priorize e acelere o desenvolvimento dos tratamentos e vacinas mais promissores para combater a COVID-19 e que re�na ag�ncias de diferentes naturezas - por exemplo, o Departamento de Sa�de, os Centros de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) e a Administra��o de Alimentos e Medicamentos (FDA), entre outros, al�m da Ag�ncia Europeia de Medicamentos (EMA), "representantes da academia, organiza��es filantr�picas e v�rias empresas biofarmac�uticas".
'Vida curta'
Cientistas e empresas farmac�uticas de v�rios pa�ses est�o correndo contra o rel�gio e a toda velocidade para desenvolver uma vacina contra a COVID-19.

Nesse contexto, o especialista disse que "precisamos administrar as expectativas".
"Acho que, se tivermos sorte, poderemos ter as vacinas at� meados do pr�ximo ano", diz ele.
"� prov�vel que essas vacinas possam induzir imunidade", mas ele alerta que a prote��o pode ter
"vida curta e incompleta".
"Por 'incompleta', quero dizer que as vacinas talvez possam prevenir os casos moderados ou graves, mas n�o impedirem os casos leves."
E elas tamb�m podem n�o ser capazes de proteger contra infec��es que n�o desencadeiam sintomas.
A prote��o contra a COVID-19 que se manifesta de forma moderada ou grave pode ajudar a prevenir hospitaliza��es e mais mortes, ele explica. Por�m, o v�rus pode continuar causando sintomas leves em algumas pessoas e, em certo ponto, causar infec��es.
"Acho que a prote��o pode durar apenas seis, nove meses, um ano, e isso exigir� que as pessoas recebam um refor�o no ano seguinte."
A import�ncia da fase 3
Segundo Offit, em termos de seguran�a, os ensaios cl�nicos de fase 3 est�o planejados para serem realizados em aproximadamente 30 mil pessoas.
Levando em conta esse cen�rio, a vacina seria administrada em cerca de 20 mil pessoas e as outras 10 mil receberiam placebo.

Com o resultado dos testes das 20 mil pessoas, assegura o especialista, poderia ser garantido que a vacina n�o teria potencialmente nenhum efeito colateral grave raro e seria um passo fundamental para decidir se a aprovaria.
"Mas 20 mil pessoas n�o s�o 20 milh�es. Quando voc� vacina dezenas de milh�es ou centenas de milh�es de pessoas pode descobrir s�rios efeitos adversos que desconhecia."
Por isso � crucial que sistemas e mecanismos estejam em funcionamento para que quaisquer problemas possam ser detectados e corrigidos rapidamente.
"Voc� n�o quer sacrificar a seguran�a por conta da velocidade e n�o o faremos se n�o testarmos (a vacina) em pelo menos 20 mil pessoas antes de aprov�-la", diz ele.
Dessa forma, o risco pode ser atenuado at� certo ponto.
Pulando etapas
Existe algum risco de que algumas etapas do processo geralmente seguido sejam puladas no desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19?
"O tempo m�dio necess�rio para fabricar uma vacina � de 15 a 20 anos", ele responde.

E evoca sua experi�ncia com a vacina contra o rotav�rus, que ele desenvolveu com Fred Clark e Stanley Plotkin, conhecida como RotaTeq, "que � aprovada para uso desde 2006", de acordo com o CDC dos Estados Unidos.
"A vacina que fizemos no Hospital Infantil (da Filad�lfia) levou aproximadamente 25 anos. (Na �poca) n�o era algo incomum", acrescenta.
"Agora, estamos tentando fazer uma vacina em um ano e meio. Necessariamente, haver� etapas que ser�o ignoradas ou interrompidas."
Mas isso n�o � obrigatoriamente algo negativo. "Quando os ensaios cl�nicos da fase 3 forem conclu�dos, considero que estaremos bem."
Offit se refere aos planos anunciados por alguns pesquisadores para testar vacinas em testes envolvendo 30 mil volunt�rios.
"Isso nos dar� tanta informa��o quanto voc� normalmente teria no processo (convencional) de (desenvolver) uma vacina."
� poss�vel que algumas etapas iniciais sejam puladas, mas se os testes da fase 3 mostrarem dados convincentes, "estaremos, pelo menos, t�o informados quanto normalmente estar�amos sobre uma vacina", em termos de seguran�a e efic�cia.
Testes em animais
Segundo o professor, nem sempre � essencial testar vacinas em animais.

"Com nossa vacina, passamos 10 anos trabalhando com modelos animais para tentar demonstrar conceitualmente quais animais, de fato, a vacina protegia."
E ele cita uma frase recorrente entre pesquisadores de vacinas: "Os ratos mentem e os macacos exageram".
"Voc� nunca saber� realmente se algo � eficaz at� aplicar nas pessoas."

'N�o sabemos'
Offit disse que � importante que as empresas parem de dizer quando a vacina "sair�", porque elas realmente n�o sabem.
"Devemos ser humildes sobre o quanto n�o sabemos", insiste.
"Quando este coronav�rus surgiu em Wuhan pela primeira vez em novembro de 2019, (...) acho que as pessoas pensavam que ele agiria como o v�rus da Mers ou da Sars, mas n�o foi assim."
Tamb�m pensaram que se comportaria como os outros coronav�rus humanos, o que tamb�m n�o aconteceu.
Este v�rus, explica o m�dico, "faz uma s�rie de coisas que nenhum desses v�rus faz: se se propaga facilmente durante os meses de ver�o, afeta o funcionamento dos vasos sangu�neos e causa uma variedade de inflama��es, chamadas vasculites", para citar dois exemplos.
Tamb�m pode levar a uma doen�a incomum em crian�as chamada MIS-C (s�ndrome inflamat�ria multissist�mica), "a qual, at� onde eu sei, nunca demonstrou ser causada por um v�rus".
"Isso nos surpreende e � apenas o come�o. Acho que haver� mais surpresas em breve, porque � um v�rus dif�cil de caracterizar, de prever."
E a comunidade cient�fica est� tentando venc�-lo de maneiras diferentes.
Uma delas � atrav�s de v�rias estrat�gias de vacina��o, "que nunca foram usadas antes e com as quais n�o temos experi�ncia, mas das quais tenho certeza de que tamb�m aprenderemos".
"Acho que devemos ser humildes o suficiente para perceber que no pr�ximo ano ou nos pr�ximos dois anos aprenderemos algumas coisas que gostar�amos de saber agora."
Torn�-la universal
O especialista, que tamb�m � autor de v�rios livros, acredita que h� uma alta probabilidade de que a vacina em desenvolvimento necessite de duas doses.

Torn�-la universal ser� um desafio sem precedentes, n�o apenas pelo n�mero de doses necess�rias, mas tamb�m porque cada regi�o do planeta ter� seu pr�prio ritmo de produ��o.
Offit usa os Estados Unidos como exemplo.
"Se for administrada apenas a grupos de alto risco e for uma vacina de duas doses, ser�o necess�rias 250 milh�es de doses", estima ele.
"Francamente, acho que essas vacinas ser�o lan�adas lentamente durante um per�odo de anos antes que possamos realmente imunizar um n�mero crucial de pessoas."
E se considerarmos que a resposta imune pode ter vida curta, "doses de refor�o devem ser oferecidas, o que se traduz em mais doses".
A experi�ncia do rotav�rus frente ao coronav�rus
O m�dico explica que a primeira vez que o rotav�rus foi conhecido foi na d�cada de 1940 - identificado como causador de doen�as em animais mam�feros.
"Descobrimos que os rotav�rus causavam doen�as em humanos no in�cio dos anos 70."

A primeira vacina contra rotav�rus estava dispon�vel em 1998, mas ficou no mercado por apenas 10 meses porque os cientistas a vincularam a um problema intestinal chamado invagina��o intestinal, que poderia ter consequ�ncias fatais.
"Era um v�rus com o qual t�nhamos d�cadas de experi�ncia. No entanto, ficamos surpresos com a descoberta da obstru��o intestinal."
"Agora, estamos diante de um v�rus com o qual temos menos de um ano de experi�ncia e ele j� nos surpreendeu."
"Acho justo dizer que pode haver mais surpresas � nossa frente e acho que as pessoas devem estar mais conscientes disso."
Ele faz uma �ltima reflex�o: "Esperamos que o progresso aconte�a sem custo, que milagres aconte�am, assumimos que n�o h� curva de aprendizado, mas sempre existe".

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