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O que aprendi como volunt�rio da vacina de Oxford

Um dos volunt�rios de um dos testes cl�nicos mais avan�ados de vacina contra a COVID-19, o da Universidade de Oxford, conta como tem sido experi�ncia de participar do estudo


03/08/2020 07:24 - atualizado 03/08/2020 11:31


A Universidade de Oxford possui uma das mais promissoras vacinas contra covid-19, mas não é a única(foto: Getty Images)
A Universidade de Oxford possui uma das mais promissoras vacinas contra covid-19, mas n�o � a �nica (foto: Getty Images)

A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford (Reino Unido) contra a covid-19 at� agora produziu resultados descritos como "promissores". Richard Fisher � um dos volunt�rios que foram inoculados com esta vacina experimental. Confira abaixo o relato feito por ele.

Estou na sala de espera de um hospital e minha respira��o deixa meus �culos emba�ados por causa da m�scara de prote��o. Minutos antes, corri pela rua em um dia muito �mido para evitar chegar atrasado para o compromisso. M�dicos e enfermeiros me deixaram para tr�s com seus passos apressados — %u200B%u200Be isso me fez notar que minha condi��o f�sica n�o � l� essas coisas.

A �ltima vez que estive no Hospital St. George, no sul de Londres, foi para o nascimento da minha filha. Agora, a situa��o � muito diferente. Sinto atrav�s da minha m�scara o cheiro do alvejante usado para limpar o ch�o. O assento ao meu lado � coberto com fita adesiva para manter a dist�ncia f�sica.

Dois funcion�rios do hospital, com m�scaras e equipamentos de prote��o pessoal, aproximam-se com uma placa que diz: "Teste de vacina". Parecem taxistas aguardando passageiros na �rea de chegada de um aeroporto.

O cartaz � para mim. Eu os sigo devagar, como em uma prociss�o, dois metros atr�s, enquanto eles conversam.

Estou aqui para avaliar se posso ser volunt�rio em um dos ensaios de vacina ChAdOx1 nCoV-19. Nas pr�ximas semanas, vou saber como � participar de um dos mais promissores esfor�os para combater a pandemia.

De todos os testes de poss�veis vacinas para a covid-10, o de Oxford � um dos mais avan�ados.

Em 20 de julho, os pesquisadores da universidade brit�nica anunciaram resultados iniciais promissores, com base em um estudo com 1.077 pessoas. A vacina, de acordo com esses dados, � segura e gera uma resposta do sistema imunol�gico.

"Ainda h� muito trabalho a ser feito... Mas esses resultados iniciais s�o promissores", disse Sarah Gilbert, a cientista que liderou o ensaio.

Os resultados finais ser�o conhecidos apenas na fase 3 do ensaio cl�nico — milhares de volunt�rios v�o participar desse est�gio no Reino Unido, no Brasil e na �frica do Sul.

� para essa fase de larga escala que me ofereci para ser volunt�rio.


A vacina de Oxford usa uma versão atenuada de um vírus da gripe que infecta chimpanzés(foto: Getty Images)
A vacina de Oxford usa uma vers�o atenuada de um v�rus da gripe que infecta chimpanz�s (foto: Getty Images)

Avalia��o

Minha jornada aqui come�ou em uma noite de maio, quando vi um tu�te de um fil�sofo da Universidade de Oxford sobre um teste para uma vacina. Ele se ofereceu.

Enquanto minha esposa dormia ao meu lado, decidi preencher o formul�rio de voluntariado no site da universidade, e esqueci do assunto.

Algumas semanas depois, aqui estou eu, em uma sala de neurologia agora destinada ao teste de vacina, quando vejo um dos cientistas de Oxford, Matthew Snape, em uma tela explicando a base cient�fica dos testes e poss�veis efeitos colaterais.

No total, haver� 10 mil volunt�rios, divididos de maneira aleat�ria em dois grupos, diz Snape. Um receber� uma vacina que n�o oferece prote��o contra o novo coronav�rus e outro ser� inoculado com a vacina de Oxford.

A vacina usa uma vers�o leve de um v�rus da gripe que infecta chimpanz�s.

� uma t�cnica na qual os cientistas de Oxford estavam trabalhando antes da pandemia para combater a S�ndrome Respirat�ria do Oriente M�dio (Mers) e a ebola. � por isso que eles conseguiram avan�ar t�o rapidamente quando reorganizaram seu trabalho em resposta � covid-19.

Snape explica como eles desenvolveram a vacina. Primeiro, eles pegaram o v�rus que ataca os chimpanz�s e o modificaram geneticamente para que n�o possa se desenvolver em seres humanos.

Eles ent�o incorporaram genes que criam prote�nas a partir do v�rus covid-19, chamadas glicoprote�nas. Os cientistas esperam que essas prote�nas gerem a resposta de imunidade necess�ria para derrotar o novo coronav�rus.

O grupo que n�o receber esta vacina ser� inoculado com outra vers�o chamada MenACWY (tamb�m Nimenrix ou Menveo), que � usada no combate a meningite e sepse.


'Ainda há muito trabalho a fazer', disse Sarah Gilbert, a cientista que liderou o estudo de Oxford(foto: Getty Images)
'Ainda h� muito trabalho a fazer', disse Sarah Gilbert, a cientista que liderou o estudo de Oxford (foto: Getty Images)

Esta � a vacina "controle" que permitir� fazer compara��es com os efeitos da outra.

Os cientistas escolheram uma vacina em vez de um placebo in�cuo para o grupo de controle por um motivo claro: garantir que todos os volunt�rios experimentem os efeitos colaterais de uma inocula��o e n�o possam deduzir em que grupo est�o.

A vacina MenACWY � usada em adolescentes no Reino Unido desde 2015. Tamb�m � oferecida a quem viaja para �reas com alto risco de infec��o, como a �frica Subsaariana. E a Ar�bia Saudita exige certificados de vacina��o MenACWY de todos os participantes da peregrina��o anual � Meca.

Depois de assistir ao v�deo, perguntaram-me sobre detalhes da minha hist�ria m�dica ou quaisquer sintomas anteriores de covid-19. Os cientistas tiraram amostras de sangue e eu tive que assinar um documento que estipula v�rias obriga��es: por exemplo, vou permitir que fotos do meu bra�o inoculado sejam publicadas. Tamb�m n�o posso doar sangue. As mulheres devem se comprometer a usar m�todos contraceptivos durante o estudo.


Em 20 de julho, os pesquisadores de Oxford anunciaram resultados iniciais 'promissores', mas os testes foram feitos em apenas 1.077 pessoas(foto: Getty Images)
Em 20 de julho, os pesquisadores de Oxford anunciaram resultados iniciais 'promissores', mas os testes foram feitos em apenas 1.077 pessoas (foto: Getty Images)

Cheguei em casa me sentindo mais informado, mas tamb�m um pouco mais nervoso do que antes.

Como em qualquer ensaio cl�nico, os volunt�rios devem estar cientes dos poss�veis efeitos colaterais, dos mais leves (n�useas, dores de cabe�a etc) aos mais graves (como a s�ndrome de Guillain-Barr�, que pode causar paralisia e ser fatal).

Eu sei que os riscos s�o pequenos, mas devo confessar que a leitura da lista de poss�veis efeitos colaterais � angustiante.

Tamb�m nos informaram sobre "possibilidades te�ricas" de que a vacina agravaria os sintomas da covid-19.

Alguns estudos observam que os animais que receberam vacinas experimentais para S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (Sars) apresentaram aumento da inflama��o nos pulm�es. Algo semelhante ocorreu em ensaios feitos em ratos com vacinas experimentais para Mers.

Mas esses efeitos n�o foram observados em testes com animais da vacina de Oxford.

Sei que milhares de pessoas j� foram vacinadas nas fases anteriores do ensaio e n�o sofreram consequ�ncias graves, como confirmado pelo estudo publicado na revista cient�fica The Lancet em 20 de julho (e quero deixar absolutamente claro que nenhum dos poss�veis efeitos colaterais justifica os argumentos infundados do movimento antivacina).


'O órgão regulador é quem vai decidir se a vacina é segura e se será usada com o público', disse John Bell, professor de medicina da Universidade de Oxford.(foto: Getty Images)
'O �rg�o regulador � quem vai decidir se a vacina � segura e se ser� usada com o p�blico', disse John Bell, professor de medicina da Universidade de Oxford. (foto: Getty Images)

Dia de vacina��o

Uma semana depois, em 3 de julho, retornei � mesma sala do Hospital St George, onde fiz minha primeira avalia��o. Deveria ser o dia da inocula��o, mas minha grande preocupa��o � com a possibilidade de ser posto pra fora do teste.

A m�dica Eva Galiza saiu da sala h� 10 minutos e ainda n�o voltou. Pouco antes, ela explicou que era o �ltimo dia do ensaio cl�nico no St George e que a equipe estava ficando sem vacinas.

Galiza � pesquisadora em vacinas pedi�tricas. Para garantir resultados confi�veis %u200B%u200Bdo estudo, m�dicos e volunt�rios desconhecem se a vacina injetada � contra o coronav�rus ou a vacina de controle.

Quando Galiza sai da sala, fico sozinho com meus pensamentos. Na Inglaterra, onde eu moro, � o dia em que muitas regras de confinamento foram abrandadas e as lojas, de barbearias a bares, j� podem reabrir.

Penso em amigos e familiares em outras partes do mundo, cada um experimentando diferentes est�gios dessa pandemia. Enquanto alguns pa�ses comemoram o controle de infec��es, outros continuam em uma curva ascendente no n�mero de mortes.


O teste da vacina em Oxford foi ampliado para incluir milhares de voluntários no Brasil e na África do Sul.(foto: Getty Images)
O teste da vacina em Oxford foi ampliado para incluir milhares de volunt�rios no Brasil e na �frica do Sul. (foto: Getty Images)

No ano passado eu morava em Massachusetts, nos Estados Unidos. No dia da minha consulta em St. George, as not�cias que vinham dos Estados Unidos eram bem desencorajadoras, com mais de 40 mil novos casos de infec��o em 24 horas.

Tamb�m ouvi os �ltimos e altos n�meros de infec��es e mortes no Brasil, para onde um amigo e sua esposa voltaram recentemente.

Os surtos no Brasil s�o a raz�o pela qual os pesquisadores de Oxford expandiram seus ensaios para incluir volunt�rios no Rio de Janeiro, S�o Paulo e outro local no norte do pa�s. Eles tamb�m v�o adicionar volunt�rios na �frica do Sul.

A triste verdade � que � menos prov�vel que um volunt�rio como eu, no Reino Unido, ajude os cientistas a determinar a efic�cia da vacina. Aqui, pelo menos por enquanto, estou menos exposto a uma poss�vel infec��o do que algu�m no Brasil ou na �frica do Sul, onde a pandemia continua a se espalhar. Para o bem de todos, alguns dos 10 mil volunt�rios do teste precisar�o entrar em contato com o v�rus.

Quando Galiza retorna ao quarto, ela carrega um frasco na m�o. N�o consigo ver seu rosto atr�s da m�scara, mas seus olhos sorriem. Ap�s semanas de espera e depois de uma breve inocula��o, a vacina finalmente circula no meu sangue.


Os Correios britânicos instalaram caixas de correio prioritárias para o envio de amostras de voluntários e testes da covid-19(foto: Richard Fisher)
Os Correios brit�nicos instalaram caixas de correio priorit�rias para o envio de amostras de volunt�rios e testes da covid-19 (foto: Richard Fisher)

H� 50% de chance de eu ter recebido a vacina Oxford para coronav�rus e 50% de ter sido a vacina controle, e n�o saberei qual delas eu tinha at� o final do estudo.

Cotonetes e esperas

Ap�s a inocula��o, chegou o est�gio da longa expectativa. Todos os volunt�rios foram divididos em pequenos grupos para monitorar poss�veis sintomas.

Para mim, o pr�ximo passo vem sete dias depois — e n�o � exatamente algo que me anima.

Tenho de esfregar minhas am�gdalas com um cotonete por 10 segundos, sem tocar na l�ngua ou dentes — uma tarefa nada f�cil — e depois colocar o mesmo cotonete no nariz e introduzi-lo at� onde der. Li que, se voc� fizer isso corretamente, deve sentir que est� praticamente "escovando o c�rebro". Acho que essa imagem � um pouco exagerada, mas devo confessar que esse teste n�o � algo agrad�vel.

Depois de coletar a amostra, preciso colocar o cotonete em um pl�stico fechado dentro de uma caixa selada que diz: "subst�ncia biol�gica da categoria B". Ent�o, essa caixa � enviada, pelo correio, usando uma caixa postal de remessa priorit�ria.

Essa caixa postal foi introduzida recentemente para facilitar o teste do covid-19. Alguns dias depois, recebi uma mensagem de texto informando que meu teste para o coronav�rus havia dado negativo.

Toda vez que fa�o um teste, tenho de preencher um formul�rio com perguntas sobre meu comportamento na semana anterior. Eu usei transporte p�blico? Com quantas pessoas que n�o moram em minha casa eu passei por mais de 5 horas?

Vou repetir essa rotina semanal por pelo menos quatro meses. E eles v�o tirar amostras de meu sangue no hospital at� o final do pr�ximo ano.

Essa etapa longa e necess�ria � aquela que muitas pessoas, incluindo v�rios pol�ticos, n�o entendem. Voc� n�o pode investir grandes somas de dinheiro para acelerar esse processo.

A vacina de Oxford j� mostrou resultados promissores, mas apenas em mil pessoas. A aprova��o do uso de uma vacina para milh�es de pessoas requer um n�vel de confian�a que s� pode ser obtido com paci�ncia e muito mais dados.

Alguns profissionais de sa�de se lembrar�o de v�rios casos tr�gicos. Em 1976, por exemplo, devido ao medo de um novo surto de influenza A (H1N1) ou gripe su�na, o governo dos EUA acelerou os testes de novas vacinas e milh�es de pessoas foram inoculadas.

A temida pandemia nunca chegou, mas estima-se que 30 pessoas morreram devido a efeitos colaterais adversos. Esses erros podem ter contribu�do para o crescimento do movimento antivacina.

As autoridades de sa�de com compet�ncia para aprovar ou rejeitar vacinas promissoras t�m uma enorme responsabilidade em suas m�os. Como disse o cientista John Bell, professor de medicina da Universidade de Oxford, em um programa da BBC, n�o podemos ter o luxo de esperar pelas evid�ncias definitivas que normalmente seriam necess�rias em ensaios cl�nicos desse tipo.


Um voluntário recebe a vacina de Oxford na África do Sul. Confirmar a eficácia da vacina na prevenção de infecções requer testá-la em países com um número alto de casos, como o Brasil(foto: Getty Images)
Um volunt�rio recebe a vacina de Oxford na �frica do Sul. Confirmar a efic�cia da vacina na preven��o de infec��es requer test�-la em pa�ses com um n�mero alto de casos, como o Brasil (foto: Getty Images)

"A tarefa mais dif�cil � a do �rg�o regulador que ter� que decidir se a vacina � segura e ser� usada com o p�blico. Se a resposta for sim, haver� uma fila de tr�s bilh�es de pessoas que desejam a vacina. Eu n�o gostaria de ter esse emprego", afirmou Bell.

Outro fator importante � que a vacina aprovada pode n�o ser a panaceia que muitos esperam, capaz de acabar com a doen�a. Em outras palavras, a vacina pode n�o matar completamente o v�rus, mas apenas mitigar seus efeitos.

Essa prote��o � valiosa, mas, aconte�a o que acontecer com os testes, devemos aceitar que esse � um problema de longo prazo e que o v�rus pode ficar conosco para sempre.

No meu caso particular, pensar que h� 50% de chance de eu ter recebido uma vacina para o coronav�rus me d� alguma tranquilidade, mas isso n�o vai fazer eu mudar meu comportamento. Os pesquisadores explicaram isso claramente.

At� que tenhamos certeza de que existe uma vacina eficaz, continuarei a respeitar as regras de distanciamento para proteger minha esposa, minha filha, o resto da minha fam�lia, meus amigos e todos que encontrar na rua.

Tenho o prazer de ter a oportunidade de desempenhar um papel muito pequeno, juntamente com 10 mil outros volunt�rios do estudo.

A rapidez com que os cientistas de Oxford reagiram � crise e seu grande compromisso me impressionam.

Antes da pandemia, muitos desses m�dicos e pesquisadores trabalhavam em diferentes campos relacionados ao desenvolvimento de vacinas, incentivados por sua curiosidade ou por uma miss�o individual. Eles nunca pensaram que as expectativas de bilh�es de pessoas iriam depender deles.

Talvez os testes com a vacina de Oxford n�o deem os resultados que muitos esperam. Pode ser que ele definitivamente n�o atenda aos requisitos de seguran�a e efic�cia necess�rios para combater a pandemia.

Mas � assim que a ci�ncia funciona, em um desenvolvimento coletivo de longo prazo que pode ter resultados negativos. Nunca apreciei a import�ncia desse processo tanto quanto agora.


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