
"A principal li��o (da pandemia de covid-19) � que ela nos lembra que a vida � incerta e que se ficarmos esperando, diante da incerteza, chegaremos tarde demais", reflete Margaret Heffernan.
A incerteza e nossa postura em rela��o a ela � justamente um dos assuntos aos quais a pesquisadora americana tem se dedicado nos �ltimos anos.
Heffernan, que j� foi foi CEO de cinco empresas, � professora na Escola da Gest�o da Universidade de Bath na Inglaterra e autora de seis livros.
O mais recente, Uncharted: How to map the future ("Inexplorado: Como tra�ar o mapa do futuro", em tradu��o livre) foi publicado no in�cio de 2020 e, em fevereiro, inclu�do pelo jornal brit�nico Financial Times na lista de livros recomendados do m�s.
"Ele se op�e � nossa obsess�o com a 'ci�ncia' da predi��o", dizia a publica��o. A autora tem um livro publicado no Brasil — O poder das pequenas mudan�as (Editora Ala�de).
Ainda que seja tentador para muitos especialistas fazer previs�es sobre o futuro, Heffernan defende que � preciso "abra�ar" e aceitar a incerteza para desenvolver resili�ncia.
"N�o podemos esperar o plano perfeito", afirmou � BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC.
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
BBC - H� um ano, em uma palestra dada em um TedTalk, voc� falava sobre as habilidades humanas das quais precisamos em um mundo imprevis�vel. Dificilmente algu�m conseguiria prever o que aconteceria com o mundo neste momento, em meio � pandemia de covid-19. Nesse contexto t�o particular, de quais habilidades necessitamos?
Margaret Heffernan - As habilidades t�m a ver com a imagina��o, a capacidade de pensar em diferentes resultados para a pandemia.
Tamb�m precisamos nos adaptar. Muitas pessoas que est�o vendo seus trabalhos desaparecerem devem estar pensando no que mais poderiam fazer: "Como adapto minhas habilidades a este mundo novo?"
Tamb�m precisamos cada vez mais de habilidades para colaborar: "Como posso trabalhar com outras pessoas para ajud�-las a me ajudar?"
Um dos aspectos cruciais do momento em que vivemos � que as pessoas percebam que precisamos nos ajudar uns aos outros. N�o � o momento para sermos ego�stas ou egoc�ntricos, mas para pensarmos que, se todos estamos sendo afetados pela pandemia, como podemos nos ajudar a enfrent�-la?
Estou falando de imaginar, se adaptar, colaborar.
BBC - A senhora j� falou que precisamos de menos habilidades tecnol�gicas e mais "habilidades humanas bagun�adas". Acredita que tenhamos superestimado a capacidade da tecnologia de resolver problemas?
Heffernan - Sim, e em muito, penso, porque nos disseram que esper�ssemos a resposta para tudo da tecnologia. Acho que agora estamos aprendendo que n�o � assim.
A tecnologia n�o conseguiu prever esta pandemia e nem poderia, porque as pandemias s�o intrinsecamente imprevis�veis.
A tecnologia tamb�m n�o consegue nos ajudar com nossos sentimentos — s� vamos conseguir isso se nos aproximarmos de outros humanos.
Ela pode nos ajudar a procurar trabalho, mas n�o vai nos dar a energia ou o otimismo de que necessitamos (para conseguir a vaga).
Quanto mais dependemos dela para saber e conhecer as coisas, menos criativos e habilidosos nos tornamos.
Depender da tecnologia pode nos ajudar logisticamente, mas n�o alimenta nossas almas, nossa criatividade, n�o d� sentido �s coisas que fazemos, s� nos d� informa��es.

BBC - Para algumas pessoas, tamb�m d� uma sensa��o de seguran�a.
Heffernan - Sim, e assim nos tornamos viciados na certeza.
Gostamos de pensar que sabemos tudo o que vai acontecer e, quanto mais nos acostumamos com isso, acho que nos tornamos menos flex�veis e menos adapt�veis diante de algo inesperado.
Quando o inesperado chega, n�o sabemos como reagir porque h� muito tempo n�o t�nhamos que lidar com algo assim.
Me impressiona o fato de que muitas das empresas com as quais trabalho est�o funcionando exatamente da mesma maneira.
Com exce��o de algumas poucas modifica��es, a hierarquia � a mesma, a estrat�gia � a mesma. E h� uma imensa sensa��o de perda por terem de retardar os planos: "N�o vamos poder fazer o que achamos que far�amos".
H� outras, um segundo grupo de companhias, que, diante do golpe imposto pela pandemia, disseram: "Ok, tudo � diferente agora. Vamos come�ar novamente, sob uma nova perspectiva".
Essas s�o empresas mais corajosas e mais imaginativas, que t�m mais energia porque est�o pensando no que podem alcan�ar neste novo futuro, e n�o presas no passado.

BBC - A senhora j� afirmou que os executivos do Vale do Sil�cio n�o apenas est�o armazenando nossa diversidade econ�mica e cultural, mas tamb�m nos levando a ter uma defini��o de vida limitada e empobrecida. O que quis dizer com isso? Tem algo a ver com o que fala sobre nosso af� em rela��o � certeza?
Heffernan - Acredito que, com seus aplicativos, dispositivos e softwares, o Vale do Sil�cio nos est� ensinando coisas como: n�o saia sem um mapa, n�o fa�a nada que n�o consiga prever.
Nos tornamos muito dependentes dessa previsibilidade, � como se tentar coisas novas nos assustasse.
Tamb�m nos acostumamos a saber tudo antes de come�ar uma atividade. � uma esp�cie de temor de fazer algo sem ter alguma garantia de que trar� resultado.
Mas agora, com a pandemia, a economia e o clima, estamos em um ponto em que n�o temos mais tempo para procurar pensar no "resultado previs�vel perfeito".
Precisamos usar nossa imagina��o para ver o que � melhor, tentar, aprender; tentar outra vez e aprender mais e continuar fazendo isso � medida que avan�amos — e n�o esperar at� que tenhamos tudo esquematizado em teoria antes de buscar energia e coragem para colocar qualquer coisa em pr�tica.
BBC - Como podemos recuperar a f� nas nossas habilidades humanas quando os dispositivos tecnol�gicos acabaram se tornando, de certa forma, fundamentais em muitas de nossas sociedades?
Heffernan - Considero que em nossa vida pessoal e profissional algo � muito importante: fazer experimentos.
Quer dizer, em vez de esperar pelo "resultado previs�vel perfeito", tentar fazer as coisas e aprender com o processo. Tentar e aprender.
Fazer experimentos, tanto no �mbito pessoal quanto no trabalho, d� esperan�a �s pessoas. Elas sentem que est�o aprendendo algo novo, que s�o capazes de contribuir e isso muda a forma como avaliam seu pr�prio potencial.
Quando se come�a a experimentar, mudar as coisas, voc� redescobre que � capaz de fazer coisas maravilhosas e de causar um impacto real na sua comunidade, na sua cidade ou no seu pa�s.
Mas, se voc� permanece sentado, pensando sobre isso, esperando, desenvolve o que acredito ser uma impot�ncia aprendida, na qual se perde a capacidade de pensar e agir por si mesmo.
E, quando chegamos a esse ponto, realmente temos um problema.
BBC - Milhares de pessoas na Am�rica Latina e no mundo j� morreram por causa da atual crise sanit�ria, outras milh�es est�o doentes, muitas perderam o emprego. Que maneira de pensar pode nos ajudar diante desse cen�rio?
Heffernan - � uma situa��o muito dif�cil, porque estamos no meio de uma crise — a pandemia —, de uma segunda crise — a econ�mica —, e de uma terceira — a clim�tica.
Creio que o que temos que fazer � pensar olhando para o futuro e refletir: que tipo de economia esse futuro pede — e claramente ser� uma economia verde.
Depois desse primeiro choque, n�o podemos mais fingir que a crise clim�tica n�o existe e n�o podemos continuar pensando que continuaremos construindo a economia com base nos combust�veis f�sseis e com o n�vel de consumo de recursos naturais semelhante ao dos �ltimos anos.
N�s, minha gera��o, nossa gera��o criou esta crise, e somos a gera��o que precisa repar�-la.
E a �nica solu��o � reconhecer que necessitamos mudar cada parte da nossa economia para que seja verde.
Nas novas tecnologias e ind�strias que v�o aparecer vamos encontrar crescimento econ�mico, mas ele vai ser bastante diferente, e n�o poder� estar baseado em combust�veis f�sseis e na explora��o de recursos naturais n�o renov�veis.
BBC - Qual foi, para a senhora, a principal li��o deixada at� agora pela pandemia?
Heffernan - A principal li��o � que ela nos lembra que a vida � incerta e que se ficarmos esperando, diante da incerteza, chegaremos tarde demais
O que temos que fazer � unir nossos esfor�os para pensar, aprender e imaginar e agir mesmo diante da incerteza.
Porque o que acontece com o futuro � que ele � algo que constru�mos ou que passa pela gente. E creio que temos as habilidades intelectuais, sociais e imaginativas de que necessitamos para fazer o futuro que queremos.