Pela primeira vez na hist�ria, a China desbancou o Brasil como o maior parceiro comercial da Argentina.
O fato in�dito ocorreu, quase desapercebido, em setembro e outubro de 2019, quando o pa�s vizinho exportou US$ 74 milh�es a mais para o pa�s asi�tico do que para o mercado brasileiro. Em outubro, a diferen�a a favor da China foi menor, US$ 37 milh�es.
Na �poca, pelo quase empate, os n�meros n�o chamaram aten��o. Fato que ocorre agora, depois de os chineses terem ultrapassado os brasileiros tr�s meses seguidos, abril, maio e junho, e por um volume maior. Em abril, a Argentina exportou US$ 509 milh�es para a China, principalmente em soja e carne bovina, um aumento de 50,6% em rela��o ao mesmo per�odo de 2019.
J� para o Brasil, as vendas totalizaram US$ 393 milh�es, enquanto no mesmo m�s de 2019 tinham totalizado US$ 907 milh�es, queda de quase dois ter�os, segundo dados do Instituto Nacional de Estat�stica da Argentina (Indec).
No mesmo per�odo, a Argentina importou mais do Brasil do que da China, mas os chineses encerraram o m�s com saldo positivo de US$ 98 milh�es no com�rcio bilateral, enquanto que o Brasil teve d�ficit de US$ 132 milh�es.
Mas como a China conseguiu desbancar o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina?
A pandemia do coronav�rus, que desacelerou e at� mesmo paralisou a ind�stria, � um dos principais motivos que explicam essa mudan�a, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
O setor industrial, especialmente o segmento automotivo, representa pelo menos 40% do interc�mbio comercial entre Brasil e Argentina.
Por outro lado, a produ��o e exporta��o de gr�os n�o sofreu o mesmo impacto e continua sendo o pilar das exporta��es da Argentina e de outros pa�ses da regi�o para a China.
Ainda assim, apesar das circunst�ncias atuais, n�o h� d�vida de que Argentina e China v�m consolidando seus la�os, ao passo que as rela��es do pa�s vizinho com o Brasil vivem um esfriamento, acrescentam os especialistas.
'ArgenChina'
A aproxima��o da Argentina com a China vai al�m do com�rcio.
Exemplos disso s�o um observat�rio espacial chin�s para miss�es � Lua, instalado na prov�ncia argentina de Neuqu�n, na Patag�nia, no sul do pa�s, e a produ��o chinesa de porcos em grande escala na Argentina, para consumo na China.
Tamanha a import�ncia da China para a Argentina que a revista Not�cias, de Buenos Aires, ilustrou em sua capa uma reportagem com o t�tulo "ArgenChina (unindo os nomes dos dois pa�ses), as novas rela��es carnais" (a express�o antes era usada para definir a aproxima��o da Argentina com os Estados Unidos). Nela, o presidente Alberto Fern�ndez aparece, numa fotomontagem, usando um chap�u chin�s.
Enquanto isso, a rela��o comercial entre Argentina e Brasil vem minguando. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, nunca falou com o presidente argentino, Alberto Fern�ndez, desde sua posse, h� oito meses um fato in�dito na rela��o entre os dois pa�ses em 35 anos.
O sil�ncio entre os l�deres gerou especula��es sobre at� que ponto esse distanciamento pol�tico, somado � nova onda de queixas contra barreiras comercias argentinas aos produtos brasileiros, podem estar prejudicando as rela��es entre os dois vizinhos.
"A rela��o com a China tem que ser vista sob v�rios �ngulos. Econ�mico, pol�tico, estrat�gico. Fica a impress�o que diante das caracter�sticas de Bolsonaro, a China poderia estar buscando um segundo ator na regi�o", diz o professor de rela��es econ�micas internacionais Ra�l Ochoa, da Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), de Buenos Aires, � BBC News Brasil.
Segundo ele, o Brasil poderia ter sido o territ�rio natural, por suas dimens�es, para a produ��o de porcos que a China hoje planeja desenvolver na Argentina.
"Claramente, a China n�o quer ficar centralizada num s� pa�s", diz Ochoa.
Marcelo Elizondo, da consultoria DNI, vai al�m, e diz que a China n�o est� de olho apenas na Argentina como alternativa ao Brasil "porque precisa de todos, desde os min�rios do Peru aos peixes do Chile, por exemplo".

Sem dilema
A China � o principal parceiro comercial do Brasil. Na pandemia, autoridades do Brasil fizeram cr�ticas aos chineses, levando opositores do governo a criticarem a postura de "alinhamento" ao discurso do presidente Donald Trump, como afirmou um ex-ministro brasileiro das Rela��es Exteriores, que falou sob condi��o do anonimato.
Em um encontro recente, promovido pela organiza��o empresarial americana Council of Americas, S�rgio Amaral, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, disse que, por suas dimens�es e interesses pr�prios, o Brasil "n�o pode cair no dilema de ter que escolher entre a China e os Estados Unidos e deve se relacionar com os dois".
Segundo dados e previs�es da Comiss�o Econ�mica para a Am�rica Latina e Caribe (Cepal), divulgados no in�cio de agosto, as exporta��es regionais para a China devem ter uma queda, neste ano, muito menor do que a para os Estados Unidos e dentro da pr�pria regi�o. Enquanto para os EUA, a retra��o prevista � de 32% e para a regi�o, de 28%, para a China, o �ndice seria de "apenas 4%", destacou a Cepal.
'Tempor�ria'
"O que est� acontecendo � conjuntural. Grande parte do com�rcio entre o Brasil e a Argentina � baseado em autom�veis. Este setor, que representa cerca de 40% da balan�a comercial entre os dois pa�ses, esteve praticamente parado, aqui na Argentina, como medida de preven��o (nas f�bricas) contra o coronav�rus. � medida que as atividades sejam retomadas, a participa��o do Brasil como parceiro comercial vai se recuperar", diz Eva Bamio, da consultoria econ�mica Abeceb.
Na avalia��o de Elizondo, apesar da pandemia, as exporta��es prim�rias (n�o industriais) est�o aumentando de maneira geral e t�m como principal destino a �sia.
"As pessoas continuam comprando alimentos, mas deixaram de comprar autom�veis, por exemplo. Outro motivo � que a recupera��o das economias asi�ticas foi mais r�pida. E o mesmo n�o ocorre com o Brasil e tamb�m com a Argentina. Mas acho que a China passar o Brasil � algo tempor�rio", diz Elizondo.
Bamio observou ainda que os insumos m�dicos enviados pela China � Argentina (al�m de outros pa�ses da Am�rica Latina) tamb�m pesaram nos resultados da balan�a comercial.
"A China foi o primeiro pa�s a ter o coronav�rus e a fechar seu com�rcio no in�cio do ano, mas, a partir da sua reabertura, esse quadro mudou, ela voltou a receber importa��es e o fato refletiu tamb�m nas exporta��es da Argentina", diz Bamio.
O gigante asi�tico passou a ganhar destaque na pauta de exporta��es da Argentina e outros pa�ses da Am�rica Latina com o ciclo das commodities, como observa o economista Santiago Taboada, da consultoria OJF&Associados.
"Em termos anuais, o Brasil continua sendo o principal parceiro comercial da Argentina, mas essa posi��o depender� do que acontecer� com as duas economias neste ano", ressalva Taboada.
Al�m da ind�stria automotiva, que n�o produziu um �nico autom�vel em abril na primeira etapa da quarentena nacional , a Argentina fabrica insumos ligados a este e outros setores que tamb�m estiveram paralisados, como o de pl�sticos.
Desvaloriza��o do real
Outro fator apontado para a perda de espa�o do Brasil para a China no com�rcio argentino foi a desvaloriza��o do real, assinala o economista Mat�as Rajnerman, da consultoria Ecolatina, fundada pelo ex-ministro da Economia do pa�s, Roberto Lavagna.
"O impacto da covid-19 na atividade do gigante da Am�rica do Sul e a desvaloriza��o de sua moeda, que passou de cerca de R$ 4 (em rela��o ao d�lar), no fim de 2019, para R$ 5,6 atualmente (+30%), contrastaram com a recupera��o, mesmo que fraca, do pa�s mais populoso do mundo (a China)", destaca.
A rela��o entre os dois pa�ses costuma ser pontuada ainda pelas cr�ticas, do lado brasileiro, principalmente, contra as medidas que dificultam a fluidez dos desembarques de produtos brasileiros na Argentina. Na semana passada, entretanto, ap�s se reunir com o presidente Bolsonaro, em Bras�lia, o novo embaixador da Argentina no pa�s, Daniel Scioli, disse, em entrevista ao jornal La Naci�n, de Buenos Aires, que "esse assunto j� foi resolvido".
Quando questionado sobre a queda no com�rcio bilateral em cerca de 30%, Scioli disse que vai trabalhar para que "o incremento do com�rcio seja de forma sustent�vel em quantidade e em qualidade".
Explora��o aeroespacial

H� poucos dias, a Argentina ratificou um acordo assinado em 2014, durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, para a instala��o de uma "esta��o terrestre de seguimento, comando e aquisi��o de dados", na prov�ncia de Neuqu�n, "para as miss�es chinesas de explora��o interplanet�ria no marco do Programa Chin�s de Explora��o da Lua".
Os dois pa�ses dizem querer trabalhar juntos para o desenvolvimento de tecnologia espacial, com fins pac�ficos e benef�cios m�tuos.
No m�s passado, a Conae informou que participa da miss�o chinesa que lan�ou uma sonda a Marte em julho, da base de Hainan, no sul do pa�s asi�tico.
Central nuclear
Em entrevista � BBC News Brasil, o ex-embaixador da Argentina na China, Diego Guelar, contou que a Argentina e a China fizeram um acordo para a constru��o de uma central nuclear na prov�ncia de Buenos Aires que envolver� cerca de US$ 8 bilh�es de investimentos chineses.
Com essa base nuclear, os dois pa�ses pretendem gerar energia para a Argentina e vender produtos ligados ao setor para a Am�rica Latina. Procurado, o Minist�rio da Produ��o, respons�vel pelo setor, n�o respondeu �s perguntas da BBC News Brasil at� o fechamento dessa reportagem.
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