O texto foi corrigido �s 13h02 do dia 22 de setembro de 2020.
Sob intenso escrut�nio mundial por seu desempenho na condu��o do Brasil durante a pandemia de coronav�rus e pelas queimadas na Amaz�nia e no Pantanal, ainda mais intensas do que em 2019, o presidente Jair Bolsonaro abrir� na pr�xima ter�a-feira (22/09), a 75� Assembleia Geral da Organiza��o das Na��es Unidas.
Em um discurso gravado ainda na semana passada, ele deve defender que o pa�s n�o s� teve um bom desempenho dom�stico na crise sanit�ria como garantiu a seguran�a alimentar de um bilh�o de pessoas ao redor do mundo gra�as ao agroneg�cio nacional, alvo real daqueles que criticam a atual gest�o ambiental brasileira, segundo a interpreta��o do governo.
Condu��o da pandemia
Com mais de 4,5 milh�es de infectados e 135 mil mortos por covid-19, o governo brasileiro adotou postura contr�ria a medidas de isolamento social e ao uso de m�scara, recomendados pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), e advogou por tratamentos � doen�a sem comprova��o cient�fica, como a hidroxicloroquina.
Mas a recente tend�ncia de queda no n�mero de novos cont�gios e mortes no pa�s deve dar a Bolsonaro subs�dios para argumentar que a situa��o do Brasil parece sob controle.
Ele tamb�m deve dizer que gra�as � sua resist�ncia em determinar a paralisa��o das atividades econ�micas e ao aux�lio-emergencial de R$ 600 mensais recebido por mais de 60 milh�es de brasileiros, o chamado "coronavoucher", a economia brasileira seguiu em funcionamento e as perspectivas de recess�o do pa�s n�o s�o t�o severas quanto as de outras na��es emergentes, como a �ndia.
O impacto do aux�lio no bolso de parcela relevante da popula��o � apontado por especialistas como uma das explica��es para as taxas de popularidade atuais do presidente, que chegou a estudar meios para tornar permanente ao menos parte do programa.
"Bolsonaro vai defender sua atua��o na pandemia e sugerir que as cr�ticas a ela eram mera persegui��o pol�tica", afirma a professora de rela��es internacionais Elaini da Silva, da PUC-SP.
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Meio ambiente, ind�genas e agroneg�cio
O presidente deve lembrar ainda que, mesmo diante da crise, o Brasil cumpriu um papel pelo qual merece respeito internacional: forneceu alimentos para uma s�rie de pa�ses no mundo. O presidente tem dito que se tivesse continuado a fazer demarca��es de terra ind�gena, essa produ��o n�o seria poss�vel.
"A ONU queria que n�s pass�ssemos de 14% para 20% de territ�rio demarcado. Falei-lhes: 'N�o'. N�s n�o podemos sufocar aquilo que n�s temos aqui que tem nos garantido a nossa seguran�a alimentar bem como a de mais de um bilh�o de habitantes do mundo", afirmou Bolsonaro em discurso na sexta-feira, 18, em Sinop (MT).
No ano passado, para contrapor acusa��es de que desrespeitava os direitos dos povos ind�genas, Bolsonaro levou ao plen�rio da Assembleia Geral a jovem lideran�a ind�gena Ysani Kalapalo, que hoje se diz decepcionada com o presidente. E em seu discurso, atacou o l�der ind�gena caiap� Raoni Metuktire, a quem acusou de ser manipulado por ONGs e governos estrangeiros com interesses escusos na Amaz�nia.
Durante a pandemia, a tens�o entre governo e os ind�genas se intensificou. A Organiza��o Panamericana de Sa�de (OPAS), bra�o da OMS nas Am�ricas, afirmou que as popula��es nativas t�m sido cinco vezes mais atingidas do que a m�dia da popula��o brasileira. E em relat�rio lan�ado em agosto, o relator especial da ONU sobre direitos humanos e subst�ncias e res�duos t�xicos, Baskut Tuncak, afirmou que "no Brasil, as comunidades Yanomami encaram uma crise existencial e sanit�ria pelo contato com mineradores ilegais".
Bolsonaro deve ainda dizer que as queimadas s�o processos naturais e que tem acontecido n�o s� no Brasil, como nos Estados Unidos e na �frica. E que o agroneg�cio brasileiro � eficiente e n�o t�m responsabilidade pela devasta��o. Como j� fez no discurso na ONU no ano passado, Bolsonaro acusar� os cr�ticos de ter motiva��o protecionista. A pauta ambiental seria apenas uma desculpa para que pa�ses europeus fechassem seus mercados para produtos brasileiros.
H� cinco dias, Alemanha, Reino Unido, Fran�a, It�lia, Dinamarca, Noruega, Pa�ses Baixos e B�lgica assinaram uma carta aberta endere�ada ao vice presidente Hamilton Mour�o em que se dizem "profundamente preocupados" com o desmatamento da Amaz�nia que "tem crescido em n�veis alarmantes".
Quase 20% do Pantanal j� foi destru�do por inc�ndios. J� na Amaz�nia, as queimadas cresceram 28% em julho. Mour�o tem dito que o Brasil reconhece que h� um problema, mas que n�o aceita interpreta��es "simplistas" do fato. Membros do alto escal�o do Itamaraty que conversaram com a BBC News Brasil anteveem ao menos um momento de constrangimento brasileiro no evento.
Os diplomatas esperam ataques diretos ao pa�s durante uma sess�o da c�pula de l�deres em biodiversidade. O chanceler Ernesto Ara�jo foi o escalado para rebater, em v�deo de 3 minutos, �s poss�veis cr�ticas.
L�deres online
Pela primeira vez em seus 75 anos, a ONU n�o ver� os discursos dos chefes de Estado ao vivo e presencialmente em sua sede em Nova York (EUA). Primeiro grande epicentro da pandemia em territ�rio americano, Nova York enfrentou um extenso per�odo de quarentena que tem sido relaxado gradualmente.
Ainda assim, a ONU tem mantido boa parte de suas atividades diplom�ticas em modo remoto. Apenas vota��es de resolu��es em que n�o h� consenso t�m sido feitas por um integrante de cada delega��o em plen�rio a organiza��o chegou a cogitar a possibilidade de vota��o online, mas pa�ses como a R�ssia se opuseram por considerar haver risco de hackeamento.
E embora o presidente americano Donald Trump e ao menos uma dezena de outros l�deres estrangeiros tenham expressado interesse de ir pessoalmente fazer o discurso, a organiza��o da Assembleia Geral deixou claro que nenhuma autoridade seria dispensada de cumprir um r�gido isolamento de 14 dias antes de poder se apresentar no p�lpito, o que desencorajou os mandat�rios.
Normalmente apinhado de representantes, dessa vez o plen�rio da ONU ter� apenas um representante da delega��o fixa de cada pa�s, respons�vel por apresentar o discurso de seu chefe de Estado antes da entrada do v�deo.
Menos agressividade
Integrantes do Itamaraty acreditam que o discurso do presidente ser� menos agressivo dessa vez do que no ano passado, quando ele quebrou o protocolo para afrontar nominalmente cidad�os de seu pr�prio pa�s, como Raoni, e afirmou que sua elei��o salvar� o Brasil do socialismo. Alguns motivos explicam essa leitura. Naquele momento, poucos meses ap�s a posse, argumentam os diplomatas, Bolsonaro precisava "marcar uma posi��o", "reposicionar o Brasil".
Agora � diferente. Nos �ltimos dois meses, o presidente tem adotado uma estrat�gia de comunica��o mais moderada e menos verborr�gica em suas falas p�blicas. Al�m disso, o pr�prio fato de o discurso ter sido gravado pressup�e a possibilidade de ensaio e de edi��o e evita mudan�as de tom de �ltimo minuto, como aconteceu em 2019.
"Eu apostaria em uma atitude mais defensiva e menos virulenta. Digamos que um repeteco com menos brilho at� porque ningu�m deve dar muita import�ncia ao discurso dele", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.
Para a professora de rela��es internacionais Elaini da Silva, as a��es de pol�tica internacional do governo no �ltimo ano, quando o Brasil passou a mostrar um alinhamento ideol�gico consistente com os Estados Unidos, acabaram por levar a um certo isolamento do pa�s que devem tirar relev�ncia do discurso de Bolsonaro.
"Pode haver at� uma certa curiosidade antropol�gica das outras delega��es. Mas tanto pela pandemia quanto pelas queimadas, o Brasil erodiu a autoridade que teria para falar aos outros pa�ses a partir de sua experi�ncia, queimou muito 'soft power'", afirma Silva, mencionando um conceito da diplomacia que se refere � capacidade de influ�ncia cultural e ideol�gica de um pa�s sobre os demais.
Trump
O discurso de Bolsonaro pode ser ainda eclipsado pelo de Donald Trump. Concorrendo � reelei��o em menos de 50 dias, o republicano n�o deve desperdi�ar a oportunidade de se dirigir diretamente ao eleitorado americano em seu discurso na Assembleia Geral da ONU.
Cr�tico ao multilateralismo, Trump tem atuado para fragilizar organismos internacionais como a pr�pria ONU e, com mais intensidade, a OMS e a Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC). No caso da OMS, o governo americano iniciou a retirada formal do pa�s dos quadros da organiza��o e n�o participa do cons�rcio de mais de 70 pa�ses para o desenvolvimento de uma vacina contra covid-19.
Trump acusa a OMS, a OMC e a pr�pria ONU de terem sido ao menos parcialmente sequestradas pelos interesses chineses. No caso da OMS, o governo americano afirma que a organiza��o foi "leniente"e "corrupta" na maneira como conduziu a crise do coronav�rus, protegendo a China, que teria escondido a gravidade do v�rus.
Entre diferentes delega��es em Nova York existe a tens�o de que em seu discurso na Assembleia, Trump possa amea�ar cortar fundos da ONU ou at� algum tipo de retirada americana da organiza��o. Essa poderia ser uma jogada pol�tica com resson�ncia em seu eleitorado. Trump afirma ser defensor dos Estados Unidos em primeiro lugar e explora uma certa confus�o no p�blico em geral sobre o que s�o organismos multilaterais e como eles lidam com a China, cuja avers�o � hoje prevalente tanto entre republicanos quanto entre democratas.
O presidente americano ainda n�o definiu se far� seu discurso de forma gravada ou em transmiss�o online ao vivo.
"Se for ao vivo, as pessoas podem tratar como algo dito no improviso e n�o levar t�o a s�rio. Mas se ele disser isso em um v�deo gravado, com um roteiro, � muito mais dif�cil retroceder ou ignorar ", disse Richard Gowan, Diretor do Grupo de Crises Internacionais da ONU ao site americano Pol�tico.
� tamb�m incerto se em seu pr�prio discurso Bolsonaro far� alguma men��o � tentativa de reelei��o de Trump, a qual apoia. Reservadamente, um embaixador brasileiro afirmou que qualquer men��o seria totalmente n�o recomendada, especialmente porque Trump aparece em desvantagem nas pesquisas eleitorais e pode vir a perder para o democrata Joe Biden.
Um coment�rio sobre prefer�ncia por Trump em um evento de alto n�vel como a Assembleia Geral deixaria o Brasil marcado para estabelecer relacionamento com um novo governo americano, caso Biden ven�a.
"Mas a gente sabe como o Bolsonaro �. No apoio com o Macri, ele foi at� o fim, mesmo quando j� estava claro que ele ia perder a presid�ncia argentina", diz o embaixador.
*A vers�o anterior deste texto continha um dado incorreto sobre o desmatamento da Amaz�nia. A informa��o correta � que houve aumento de 28% nas queimadas no bioma no m�s de julho de 2020 em rela��o a 2019, segundo o Inpe, e n�o 12% no acumulado do ano, como dizia o texto.
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