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Estado de Minas

'Incidente Cutter': a trag�dia nos EUA dos anos 1950 que resultou em vacinas mais seguras

Lotes defeituosos de vacina contra p�lio levaram ao que foi provavelmente o pior desastre biol�gico da hist�ria dos EUA.


05/10/2020 07:30 - atualizado 05/10/2020 08:07

Alguns lotes de vacina contra pólio fabricados pelos laboratórios Cutter eram defeituosos(foto: Getty Images)
Alguns lotes de vacina contra p�lio fabricados pelos laborat�rios Cutter eram defeituosos (foto: Getty Images)

Os americanos foram saudados com uma boa not�cia em abril de 1955: as autoridades de sa�de anunciaram que a primeira vacina contra a poliomielite (tamb�m conhecida como p�lio ou paralisia infantil) estava pronta para ser utilizada.

No fim da d�cada de 1940, cerca de 35 mil pessoas se tornavam paral�ticas a cada ano nos Estados Unidos em decorr�ncia dos surtos de p�lio.

Nos anos 1950, a doen�a ainda estava em circula��o, sendo na �poca respons�vel por entre 13 mil e 20 mil casos de paralisia anualmente, de acordo com o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as dos EUA (CDC, na sigla em ingl�s).

Todo ver�o, �poca em que o cont�gio era maior, os pais trancavam seus filhos em casa para evitar que contra�ssem o v�rus.

"As pessoas foram colocadas em quarentena, assim como est� acontecendo agora, piscinas e cinemas eram fechados, as crian�as n�o sa�am para jogar bola, n�o brincavam com os amigos", explica � BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC, Michael Kinch, autor do livro Between hope and fear ("Entre a esperan�a e o medo", em tradu��o livre), que conta a hist�ria das vacinas.

"As crian�as com paralisia, em cadeiras de rodas ou de muletas, eram um lembrete constante do medo da doen�a", acrescenta.

�s vezes, o transporte e o com�rcio entre as cidades afetadas pela p�lio tamb�m eram restringidos.

Por isso, a chegada da vacina foi recebida com um grande al�vio.

No entanto, apenas um m�s ap�s seu lan�amento, aconteceu o que ficaria conhecido na hist�ria como "incidente Cutter", for�ando o programa de imuniza��o a ser suspenso por alguns meses.

Esse epis�dio foi fundamental para melhorar os sistemas de fabrica��o e a regulamenta��o governamental sobre as vacinas. Mas, antes disso, causou uma grande trag�dia.

Vacina eficaz

A poliomielite � uma doen�a viral que afeta o sistema nervoso e pode causar paralisia, atingindo principalmente crian�as com menos de 5 anos.

O incidente Cutter ajudou a melhorar a regulamentação das vacinas nos EUA(foto: Getty Images)
O incidente Cutter ajudou a melhorar a regulamenta��o das vacinas nos EUA (foto: Getty Images)

Atualmente, � considerada erradicada em quase todo o mundo, gra�as a programas de vacina��o em massa a doen�a persiste apenas no Paquist�o e no Afeganist�o.

Em 1935, os cientistas come�aram a tentar desenvolver uma vacina contra a p�lio. At� que, em 1953, o cientista americano Jonas Salk conseguiu criar uma vacina a partir de cepas inativadas do v�rus causador da infec��o, o poliov�rus.

As cepas foram inativadas por meio da aplica��o de formalde�do em culturas do v�rus desenvolvidas em c�lulas de rim de macaco.

Em 1954, foi realizado um amplo teste cl�nico da vacina de Salk, que envolveu cerca de 1,8 milh�o de crian�as nos Estados Unidos, Canad� e Finl�ndia.

Foi "o maior teste cl�nico de uma droga ou vacina na hist�ria da medicina", de acordo com a Ag�ncia Americana de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em ingl�s).

Os resultados foram positivos, e as autoridades americanas anunciaram em abril de 1955 que a vacina tinha apresentado uma efic�cia de 80% a 90%.

Assim que a vacina foi aprovada, seis laborat�rios foram licenciados para produzi-la. Entre eles, o Cutter Laboratories, na Calif�rnia.

Lotes defeituosos

A empresa farmac�utica lan�ou 380 mil doses do produto no mercado, mas alguns lotes eram defeituosos: continham acidentalmente cepas ativas do v�rus.

A partir de 1955, a incidência de pólio nos EUA caiu drasticamente(foto: Getty Images)
A partir de 1955, a incid�ncia de p�lio nos EUA caiu drasticamente (foto: Getty Images)

Como resultado, foram confirmados mais de 260 casos de p�lio com e sem paralisia associados � vacina e a transmiss�es comunit�rias a partir de crian�as vacinadas, de acordo com o FDA.

Este n�mero n�o inclu�a, no entanto, o restante das pessoas que relataram outros sintomas da infec��o.

De acordo com o m�dico Paul Offit, autor do livro The Cutter Incident - How America`s First Polio Vaccine Led to the Growing Vaccine Crisis ("Incidente Cutter: Como a primeira vacina contra p�lio levou � crescente crise das vacinas", em tradu��o livre), cerca de 40 mil crian�as vacinadas desenvolveram dor de cabe�a, rigidez na nuca, fraqueza muscular e febre (sintomas de p�lio); aproximadamente 164 crian�as ficaram paralisadas; e 10 morreram.

A maioria apresentou paralisia nos bra�os (onde havia tomado a vacina), apesar de a doen�a paralisar as pernas, detalha Offit no livro.

Diante do surto, em maio de 1955, as autoridades de sa�de p�blica dos EUA recomendaram "a suspens�o de todas as vacina��es contra p�lio at� que fosse conclu�da uma vistoria minuciosa em cada f�brica e uma revis�o dos procedimentos para testar a seguran�a da vacina", de acordo com o FDA.

Embora tenha havido outros incidentes com vacinas antes e depois deste epis�dio, Offit afirmou � BBC News Mundo que o incidente Cutter "foi provavelmente o pior desastre biol�gico da hist�ria dos EUA".

Mas, no outono de 1955, o programa de vacina��o foi retomado.

"As pessoas naquela �poca n�o questionavam tanto as coisas quanto agora, elas confiavam mais nas autoridades", diz Kinch � BBC News Mundo.

Al�m disso, "elas tinham mais medo da p�lio".

A vacina��o deu resultado, e a incid�ncia de p�lio nos EUA "caiu drasticamente" a partir de 1955. A doen�a foi erradicada nacionalmente em 1979.

A vacina a partir do v�rus inativado, criada por Salk, continua a ser usada nos EUA, enquanto outros pa�ses utilizam uma vacina que � administrada por via oral, chamada popularmente de "gotinha".

O que deu errado com as vacinas?

O livro de Offit aponta v�rios fatores que levaram as vacinas do Cutter Laboratories a conter cepas ativas do v�rus, dando origem ao surto de p�lio.

O incidente Cutter foi provavelmente o pior desastre biológico da história dos EUA(foto: Getty Images)
O incidente Cutter foi provavelmente o pior desastre biol�gico da hist�ria dos EUA (foto: Getty Images)

O laborat�rio havia usado a cepa mais agressiva do poliov�rus para fabricar a vacina e filtros defeituosos para separar o v�rus do tecido dos macacos em que foram cultivados e esse tecido poderia conter mol�culas ativas do v�rus.

Al�m disso, os testes de seguran�a exigidos pelo governo e que foram cumpridos pelo Cutter Laboratories eram inadequados.

O laborat�rio tampouco tinha certeza de quanto tempo levaria para inativar o v�rus com formalde�do.

"Ningu�m demonstrou mais desd�m pelas teorias de desativa��o de Salk do que os laborat�rios Cutter. Salk tinha um procedimento para desativar o v�rus. Mas os Cutter n�o sabiam se estavam seguindo as teorias dele ou n�o. Acho que eles n�o tinham experi�ncia interna para fazer isso, embora outros laborat�rios tivessem", sugere Offit � BBC News Mundo.

Outro problema foi que, quando os laborat�rios Cutter come�aram a fabricar a vacina, n�o havia nenhum requisito de "consist�ncia". Ou seja, n�o havia mais a obriga��o vigente no teste cl�nico de produzir pelo menos 11 lotes consecutivos da vacina que passassem nos testes de seguran�a.

Em seu livro, Offit observa que nove de 27 lotes da vacina dos laborat�rios Cutter falharam nos testes de seguran�a. Mas o laborat�rio tampouco avisou as autoridades que teve problemas para desativar o v�rus.

O laborat�rio Wyeth tamb�m fabricou vacinas defeituosas, mas em menor escala do que o Cutter, e deixou 11 crian�as com paralisia.

"Os Cutter fizeram muitas coisas erradas e tampouco tinham a experi�ncia interna que outros laborat�rios tinham", escreveu Offit no livro. "Como consequ�ncia, produziram uma vacina muito mais perigosa do que qualquer outra vacina nos EUA ou no mundo."

No entanto, "Cutter culpou Salk por desenvolver um processo que era inconsistente e responsabilizou o governo federal por estabelecer padr�es de fabrica��o e testes inadequados", acrescentou Offit na publica��o.

Como o incidente ajudou a tornar as vacinas seguras?

Na �poca do incidente Cutter, a regulamenta��o das vacinas nos EUA cabia ao Laborat�rio de Controle Biol�gico, parte do Instituto Nacional de Microbiologia, que por sua vez fazia parte do Instituto Nacional de Sa�de (NIH, na sigla em ingl�s).

Milhares de crianças desenvolveram sintomas de poliomielite após tomarem a vacina fabricada pelos laboratórios Cutter(foto: Getty Images)
Milhares de crian�as desenvolveram sintomas de poliomielite ap�s tomarem a vacina fabricada pelos laborat�rios Cutter (foto: Getty Images)

Ap�s o incidente, em junho de 1955, foi criada a Divis�o de Padr�es Biol�gicos (DBS, na sigla em ingl�s), que n�o era mais uma �rea subordinada, mas sim um �rg�o independente dentro do NIH, segundo informa��es enviadas � BBC News Mundo pelo FDA.

Atualmente, o DBS � o Centro de Avalia��o e Pesquisa Biol�gica e faz parte do FDA.

Offit destaca em seu livro outros "legados" do incidente, como possibilitar a cria��o de uma "regulamenta��o federal eficaz de vacinas".

"O governo federal abriu uma investiga��o imediata dos processos de fabrica��o e teste de todas as empresas e descobriu que os regulamentos e diretrizes eram inadequados", diz um trecho da publica��o.

"Foram desenvolvidos procedimentos melhores para filtra��o, armazenamento e testes de seguran�a, e uma vacina segura contra a poliomielite foi fabricada em poucos meses", acrescenta o autor.

O n�mero de profissionais que regulamentam vacinas nos EUA tamb�m aumentou, e a "consist�ncia" (obriga��o de produzir um n�mero m�nimo de lotes eficazes consecutivos), requisito implementado a partir do incidente Cutter, � exigida at� hoje para todos os fabricantes de vacina.

O que podemos aprender com o incidente?

Kinch concorda que o incidente Cutter � "uma li��o".

"Acho que a pressa � uma das preocupa��es com a vacina atual, ou que a gente acabe em uma situa��o como a do incidente Cutter, ent�o � uma li��o muito importante", diz.

"Devemos aprender com esse epis�dio a n�o apressar a vacina contra covid-19, at� que realmente entendamos como fabric�-la com seguran�a", acrescenta Kinch.

Al�m disso, Offit lembra que "hoje sabemos muito mais sobre como produzir vacinas em massa" e h� mais regulamenta��es ele acredita, portanto, que "o FDA supervisionar� adequadamente as vacinas" contra covid-19.

"A vacina contra covid-19 n�o poderia chegar perto do que aconteceu com aquela vacina. A cepa usada para a vacina contra p�lio era a mais virulenta", diz Offit � BBC News Mundo.

"As estrat�gias que estamos usando n�o s�o perigosas. Certamente haver� uma curva de aprendizado e um custo humano, mas n�o imagino que chegue perto do custo humano que tivemos na d�cada de 1950", avalia.


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