
A pandemia chegou quando a advogada N�dia Silva, de Goi�s, estava em seu segundo m�s de licen�a-maternidade. M�e solo (embora receba pens�o do pai da crian�a), ela pretendia juntar um m�s de f�rias � licen�a e aproveitar o per�odo para encontrar um ber��rio para deixar o beb� quando voltasse ao trabalho. O plano n�o deu certo: os ber��rios continuam fechados, e a empresa exigiu a volta dela sem conceder as f�rias.
A analista de contratos tentou equilibrar tudo - cuidados com o beb�, trabalho em tempo integral em home office e cuidados com a casa -, mas a situa��o ficou insustent�vel."�s vezes eu acordava �s 4h da manh� para terminar meu trabalho antes de o beb� acordar. E tamb�m fazia todo o trabalho dom�stico", conta � BBC News Brasil. "Dois meses depois, pedi para a empresa um novo arranjo e um aumento, para eu poder pagar uma bab�. Acho que eles acharam que eu n�o valia tudo isso. A generosidade deles foi de me demitir, o que pelo menos me deu uma indeniza��o."
No momento, N�dia n�o enxerga formas de voltar ao mercado de trabalho. "N�o tenho muito apoio na fam�lia para cuidar do beb�, n�o tenho perspectivas de haver creche e ber��rio com seguran�a agora. � dif�cil, porque eu me esforcei bastante, trabalhava dia e noite, com uma sobrecarga emocional enorme. Voc� se sente desvalorizada como mulher e como m�e."
Sinuca
Em Santa Catarina, Ta�s (os sobrenomes de algumas entrevistadas ser�o omitidos para proteger sua identidade) est� h� um m�s em seu novo emprego, que aceitou por lhe permitir trabalhar remotamente enquanto cuida dos filhos menores, de 8 e 12 anos. Mas agora a empresa planeja voltar ao trabalho presencial, colocando Ta�s - que tamb�m � m�e solo - em uma sinuca de bico.
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"O que eu vou fazer com as crian�as? Passei por todo o treinamento no trabalho, mas neste m�s n�o tenho como voltar (para um escrit�rio)", diz � BBC News Brasil, temendo ser for�ada a abrir m�o do novo emprego em plena pandemia - e poucos meses depois de ter sido demitida de um cargo anterior em outra empresa. O motivo da demiss�o: os chefes viram mensagens de texto que ela havia mandado a colegas, questionando a pol�tica da empresa de n�o migrar para o teletrabalho no in�cio da quarentena.
Agora, diz ela, "as minhas d�vidas est�o crescendo, e o valor da pens�o das crian�as � baixo. D� o nervosismo de precisar trabalhar, mas como vou deixar as crian�as? N�o posso botar a responsabilidade em cima do meu filho mais velho. �bvio que vou escolher ficar com eles em vez do emprego".
Marcella, moradora da Grande S�o Paulo, n�o tem filhos, mas se comoveu, ainda em mar�o, ao descobrir que uma colega de trabalho estava tendo de deixar os filhos de 5 e 7 anos sozinhos em casa porque a empresa delas, uma multinacional de presta��o de servi�os, n�o criou uma pol�tica de teletrabalho em um momento em que as escolas j� haviam fechado as portas. Mas, quando Marcella discutiu o caso com uma superior, ouviu apenas: "n�o posso fazer nada".

"Fiquei desesperada com aquilo. Eu estava em uma situa��o privilegiada porque n�o tinha filhos, mas pensei nas mulheres m�es. Comecei a ficar muito mal, sem conseguir dormir", conta.
Ao denunciar o caso ao setor de compliance da empresa e questionar seu chefe a respeito do caso, Marcella diz que foi demitida, sob a justificativa de "corte de gastos na pandemia".
"Estou procurando emprego remotamente, tentando encontrar um lugar menos pior no mundo corporativo", afirma.
A colega m�e, Marcella soube mais tarde, continuou trabalhando presencialmente e precisou contratar uma pessoa para cuidar dos filhos.
'Retrocesso de 30 anos na participa��o feminina'
Os exemplos acima encontram respaldo nos n�meros: embora a pandemia tenha provocado desemprego em massa e bagun�ado arranjos profissionais de modo generalizado, as mulheres - e as m�es de crian�as pequenas, em especial - est�o entre os grupos mais afetados, ao serem colocadas em situa��es-limite nas empresas ou por simplesmente n�o encontrarem formas de conciliar o trabalho com o cuidado com os filhos.
No segundo trimestre de 2020, o desemprego medido pela pesquisa Pnad Cont�nua, do IBGE, foi de 12% entre homens e 14,9% entre mulheres. A mesma pesquisa mostrou, em junho, que 7 milh�es de mulheres haviam deixado o mercado de trabalho na �ltima quinzena de mar�o, contra 5 milh�es de homens.
E an�lises mais detalhadas dos dados hist�ricos mostram um retrocesso de tr�s d�cadas da presen�a profissional feminina, segundo o pesquisador do Ipea Marcos Hecksher.
Em dados cedidos inicialmente para o G1, ele identificou que, durante a pandemia, a participa��o das mulheres no mercado de trabalho, que vinha aumentando gradativamente, voltou para o n�vel observado em 1990.
S� no subgrupo de mulheres com filhos de at� dez anos, a participa��o delas no mercado caiu de 58,3% no segundo trimestre de 2019, para 50,6% no segundo trimestre de 2020. Na pr�tica, s� a metade delas, portanto, est� no mercado profissional.
"Historicamente, o n�vel de desemprego � maior e a participa��o no mercado � menor entre as mulheres, mas vinha ocorrendo uma lenta converg�ncia para o n�vel dos homens", explica Hecksher � BBC News Brasil.
"S� que a pandemia os afastou de novo. Os homens foram impactados, mas elas foram ainda mais. Demos um salto de 30 anos para tr�s na participa��o feminina. N�o levaremos outros 30 anos para recuperar isso, mas tampouco ser� algo r�pido."
Os custos disso n�o ser�o sentidos apenas por elas, mas por toda a economia brasileira, prossegue o pesquisador.

Isso porque a entrada das mulheres no mercado foi crucial para aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) - o somat�rio dos bens e servi�os produzidos no pa�s.
Invisibilidade do trabalho n�o remunerado
E por que elas est�o sendo mais afetadas do que os homens?
As diferen�as s�o estruturais e em grande parte ligadas ao trabalho n�o remunerado de cuidados com os filhos, diz Hecksher. "Temos estudos no Ipea que mostram que, quando a mulher fica gr�vida, ela muitas vezes para de trabalhar e tamb�m de estudar. E com o pai n�o acontece nada. Quando o filho nasce, as m�es em geral voltam aos poucos ao mercado de trabalho, mas ficam mais do que eles na informalidade. Isso � hist�rico, porque se atribui muito mais os cuidados dos filhos �s mulheres".
� o caso, por exemplo, de V�nia Suster Sampaio, de Santo Andr� (SP), m�e solo de tr�s filhos. Ela j� sabe que sua �rea de trabalho - produ��o de eventos - ser� uma das �ltimas a voltar � normalidade presencial quando a pandemia arrefecer.
Sem renda fixa desde mar�o, ela n�o conta com pens�o aliment�cia regular. O fato de uma das filhas estar finalizando o tratamento de c�ncer (e portanto, ser do grupo de risco) tamb�m dificulta que ela saia de casa para procurar outros tipos de emprego.
"Preciso voltar ao ritmo de antes, ao meu valor de sal�rio, ou n�o sei o que vai ser", conta V�nia, que tem contado com o aux�lio emergencial do governo, com trabalhos freelance e com a ajuda de conhecidos. "Al�m da tens�o de n�o ter emprego, � o dia inteiro recebendo liga��o de cobran�a (de pagamentos atrasados)."
'Situa��o insustent�vel e desumana'
O problema n�o se limita ao Brasil. Um levantamento da Universidade de Cambridge com dados do mercado de trabalho de EUA, Reino Unido e Alemanha durante a pandemia apontou que "mulheres e trabalhadores sem diploma t�m chance significativamente maior de ter perdido seu emprego" em rela��o a outros grupos. O estudo nota que "entre a popula��o que trabalha de casa, as mulheres passam significativamente mais tempo (ocupando-se) da educa��o e dos cuidados das crian�as".
A pandemia escancarou um problema que antes era individual: o desequil�brio nos cuidados com as crian�as e a invisibilidade dessas tarefas perante o mercado de trabalho, afirma Ma�ra Liguori, diretora da Think Eva, organiza��o de defesa dos direitos femininos que presta consultoria a empresas na promo��o da igualdade de g�nero.
"Existe uma situa��o insustent�vel e desumana para as mulheres com crian�as, com efeitos duradouros", diz Liguori, uma vez que a intera��o de qualidade com adultos � crucial para a forma��o do c�rebro e das habilidades emocionais das crian�as, sobretudo as pequenas.
"Muitos dizem 'ah, n�o tenho culpa que ela quis engravidar'. Mas imagine como seria um mundo em que as mulheres n�o cuidassem mais das crian�as? A gente esquece da import�ncia desse trabalho de construir o futuro (da sociedade). Se queremos adultos saud�veis, precisamos que essa conversa saia do �mbito individual e v� para o coletivo."
Para N�dia Silva, a advogada que perdeu o emprego por n�o conseguir concili�-lo com o filho pequeno, a sensa��o � de que "as pessoas n�o veem o papel social da m�e".
"Vigora um discurso de que a mulher vale menos", opina. "A empresa poderia ter negociado comigo. Seria o papel social dela. A gente acha importante n�o maltratar animal e reciclar lixo, mas n�o acha importante ajudar uma m�e a criar um filho?"

Mais empregos com menores jornadas?
Ao mesmo tempo, como trazer de volta mais mulheres para o mercado? Hecksher, do Ipea, defende que essa quest�o seja inclu�da no debate em torno de quanto imposto os empregadores devem pagar ao contratar funcion�rios em regime CLT.
Vigora, at� o fim deste ano, a desonera��o da folha em 17 setores da economia, e a prorroga��o desse benef�cio � motivo de disputa entre o governo federal e o Congresso.
Hecksher � parte de um grupo de estudiosos que prop�e que essa desonera��o seja estendida para outros setores (no caso de novas contrata��es, e n�o de contratos j� vigentes), mas aplicada apenas para jornadas de trabalho mais curtas.
"O objetivo � tornar mais barato que um empregador contrate duas pessoas por 20 horas semanais do que um funcion�rio por 40 horas semanais", diz ele.
"Com isso, conectamos mais gente ao mercado de trabalho formal. Isso tende a beneficiar mais as mulheres, que com mais frequ�ncia do que os homens (aderem) a jornadas parciais. Com isso, tamb�m dar�amos um benef�cio �s empresas por chamar algu�m que est� sem trabalho, em vez de concentrar mais trabalho em menos gente."
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O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
V�deo: Por que voc� n�o deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.V�deo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronav�rus?
Como se prevenir?
A recomenda��o � evitar aglomera��es, ficar longe de quem apresenta sintomas de infec��o respirat�ria, lavar as m�os com frequ�ncia, tossir com o antebra�o em frente � boca e frequentemente fazer o uso de �gua e sab�o para lavar as m�os ou �lcool em gel ap�s ter contato com superf�cies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.V�deo: Flexibiliza��o do isolamento n�o � 'liberou geral'; saiba por qu�
Quais os sintomas do coronav�rus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas g�stricos
- Diarreia
Em casos graves, as v�timas apresentam:
- Pneumonia
- S�ndrome respirat�ria aguda severa
- Insufici�ncia renal
V�deo explica por que voc� deve 'aprender a tossir'
Mitos e verdades sobre o v�rus
Nas redes sociais, a propaga��o da COVID-19 espalhou tamb�m boatos sobre como o v�rus Sars-CoV-2 � transmitido. E outras d�vidas foram surgindo: O �lcool em gel � capaz de matar o v�rus? O coronav�rus � letal em um n�vel preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar v�rias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS n�o teria condi��es de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um m�dico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronav�rus.Coronav�rus e atividades ao ar livre: v�deo mostra o que diz a ci�ncia
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