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Estado de Minas LONGE DA M�E

A emocionante carta de uma filha aos m�dicos e enfermeiros que cuidavam da m�e com com suspeita de COVID-19

Filha mora em outro estado e decidiu escrever aos profissionais de sa�de que acompanhavam o caso da m�e, em Manaus (AM)


16/10/2020 13:58 - atualizado 16/10/2020 14:34

Idaliani Mendonça ao lado de Francisca Dantas: filha afirma que fez apelo a profissionais de saúde como forma de tentar ajudar a mãe(foto: Arquivo pessoal)
Idaliani Mendon�a ao lado de Francisca Dantas: filha afirma que fez apelo a profissionais de sa�de como forma de tentar ajudar a m�e (foto: Arquivo pessoal)

"Caro m�dico e doce e amada enfermeira. Espero, do fundo do meu cora��o, que esteja tudo bem com voc�s! Voc�s n�o me conhecem ainda, mas eu precisei achar alguma forma de me comunicar."

 

 

 

O trecho acima inicia a carta enviada por Idaliani Mendon�a, de 39 anos, a profissionais de sa�de que cuidavam de sua m�e, a dona de casa Francisca Maria Dantas, 57, que foi internada em abril em uma unidade de sa�de de Manaus (AM), com suspeita de COVID-19.

Na �poca, a capital amazonense enfrentava uma explos�o de casos de COVID-19 — foi uma das primeiras cidades brasileiras duramente afetadas pelo coronav�rus.

Longe da m�e, Idaliani, que mora com o marido e os dois filhos em Itaja� (SC), quis achar uma forma de fazer algo por Francisca. Por isso, escreveu a carta aos profissionais de sa�de.

"A minha m�e sempre foi muito presente na vida dos filhos. Eu n�o poderia abandon�-la naquele momento", diz Idaliani � BBC News Brasil.

O apelo enviado pela filha aos profissionais de sa�de que cuidavam de Francisca causou como��o. "O m�dico ficou muito emocionado quando leu", diz a ca�ula da fam�lia, Lindomara Dantas, de 33 anos, respons�vel por levar a carta da irm�.

O pedido aos profissionais de sa�de

Francisca, tamb�m conhecida como dona Chiquinha, era definida pelos parentes como uma pessoa apaixonada pela fam�lia. Uma das grandes preocupa��es dela era estar perto dos quatro filhos — somente Idaliani, que � engenheira de qualidade e atualmente trabalha em uma ind�stria no Sul do pa�s, n�o mora em Manaus.

Por volta da segunda semana de abril, Francisca apresentou os primeiros problemas de sa�de, como dificuldades respirat�rias e cansa�o. Os parentes pensaram que pudesse se tratar de um mal-estar comum. Dias depois, a situa��o piorou e ela foi levada ao hospital. "Medicaram a minha m�e e depois a liberaram", diz Idaliani.

Os filhos passaram a desconfiar que Francisca pudesse ter sido infectada pelo coronav�rus, pois Manaus passava por um per�odo de forte propaga��o do v�rus.

Francisca teve muita falta de ar em 19 de abril e foi levada a uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da regi�o. A dona de casa foi considerada uma paciente com suspeita de COVID-19 e ficou internada.

No dia seguinte, foi encaminhada ao Hospital de Campanha do campus da Universidade Nilton Lins, em Manaus, criado para atender pacientes com o coronav�rus.

As filhas contam que a dona de casa foi intubada logo que chegou ao hospital. A situa��o de Francisca era considerada grave e altamente suspeita para a COVID-19. Ela n�o tinha doen�a pr�-existente, mas a fam�lia acredita que o sobrepeso dela pode ter agravado a situa��o.


Lindomara (no colo), a filha caçula de Francisca, com a mãe e Idaliani(foto: Arquivo pessoal)
Lindomara (no colo), a filha ca�ula de Francisca, com a m�e e Idaliani (foto: Arquivo pessoal)

Em Itaja�, Idaliani acompanhava apreensiva o caso da m�e. Em Manaus, somente a irm� ca�ula dela podia ir ao hospital em busca de not�cias de Francisca.

"Nossos outros dois irm�os n�o podiam sair, por serem do grupo de risco. A minha irm� mais velha tem asma (apontada por entidades m�dicas como fator que pode agravar o quadro da COVID-19) e o meu irm�o estava fraco, se recuperando de uma tuberculose", explica Idaliani.

As filhas da dona de casa contam que chegaram a passar dois dias sem not�cias sobre ela no hospital. "Escrevi a carta tamb�m como forma de obtermos informa��es sobre a nossa m�e e para termos a certeza de que ela estaria recebendo um bom acompanhamento", conta Idaliani.

Na carta, entregue em 24 de abril, a filha se apresentou, citou o nome da m�e e agradeceu os esfor�os dos profissionais de sa�de em meio � pandemia. "Espero que consigam um tempinho para ler esta carta, porque eu entendo como deve estar a rotina dentro do hospital", escreveu.

"Infelizmente, minha m�e � mais uma v�tima desse v�rus (...) Neste momento, ela est� sob os cuidados de voc�s h� cerca de cinco dias. Intubada e bravamente lutando pela vida. Pe�o encarecidamente que olhem por ela, orem por ela", acrescentou Idaliani, no texto encaminhado aos profissionais de sa�de.

A filha justificou, na carta, que escreveu aquele apelo por morar em outro Estado e estar impossibilitada de viajar, em raz�o das limita��es de voos no pa�s — nos primeiros meses da pandemia, as companhias a�reas reduziram drasticamente suas atividades.

"Eu sinto que Deus me diz que nossa m�e est� em boas m�os, que s�o as suas e, principalmente, a Dele. Sei que voc�s s�o crist�os. Sei tamb�m que t�m fam�lia e que podem ser t�o v�timas como muitos est�o sendo em Manaus. Mas pe�o encarecidamente que olhem por nossa m�e. Nos d� not�cias", escreveu Idaliani, que � cat�lica.

"Imploro que digam ao ouvido dela que estamos orando fortemente por sua recupera��o, mas que neste momento n�o podemos estar a� dentro cuidando dela, como muitas vezes ela cuidou de n�s quando estivemos doentes, e que sentimos muito por isso", completou a filha. Ela ainda pediu, na carta, que os profissionais de sa�de dissessem para a m�e lutar e resistir � doen�a, para sair logo do hospital.

No fim do texto, Idaliani salientou que acreditava que a m�e logo melhoraria e agradeceria aos enfermeiros e m�dicos. "Cuidem da nossa m�ezinha, que � um ser de luz. Assim que tudo isso passar, voc�s ter�o a honra de conhecer uma pessoa de Deus", concluiu.


Francisca (ao centro) com os quatro filhos: Lindomara, Isabel, Idaliani e Fábio(foto: Arquivo pessoal)
Francisca (ao centro) com os quatro filhos: Lindomara, Isabel, Idaliani e F�bio (foto: Arquivo pessoal)

Ap�s a carta

Para entregar a carta escrita pela irm�, a filha ca�ula de Francisca teve a ajuda de uma conhecida, que � assistente social. Ap�s o texto ser levado ao m�dico e � enfermeira, Lindomara ainda passou cerca de duas horas na unidade de sa�de, � espera de respostas sobre a m�e.

"Fiquei na expectativa de receber algum boletim sobre ela. Em certo momento, o m�dico, muito simp�tico, me chamou. Ele disse que minha m�e estava reagindo bem � intuba��o. Ele havia lido a nossa carta e ficou muito emocionado, porque a gente entregou a vida da nossa m�e nas m�os deles", diz Lindomara.

Nos dias seguintes, contam as irm�s, elas passaram a receber informa��es atualizadas sobre o estado de sa�de da m�e. "A cada dia, ela parecia estar melhor. T�nhamos muita esperan�a de que ela conseguiria se recuperar", relata Idaliani.

Em 28 de abril, Francisca teve uma parada card�aca, chegou a ser reanimada, mas morreu em seguida. Lindomara soube da not�cia no per�odo da tarde, quando foi ao hospital em busca de informa��es sobre a m�e. "Foi um momento muito triste. A minha irm� ca�ula estava no hospital, desesperada. Ela logo me ligou e me contou. Quando eu soube, gritei de desespero", emociona-se Idaliani.

Por ter morrido com suspeita de coronav�rus, Francisca n�o teve vel�rio e foi enterrada em caix�o lacrado, conforme determina a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), para evitar a propaga��o do v�rus.

Os familiares de Francisca afirmam que n�o t�m d�vidas de que ela morreu em decorr�ncia da COVID-19.

"Desde que ela foi internada, os m�dicos falaram que ela tinha os sintomas da COVID, tanto que ela foi encaminhada ao hospital de campanha. Em todas as informa��es que recebemos dos m�dicos, constava que ela estava com essa doen�a", relata Idaliani.

"Deram at� hidroxicloroquina para ela, por acreditarem que ela estava com a COVID", acrescenta.

Os parentes afirmam n�o saber como a dona de casa pode ter sido infectada. "Ela era muito cautelosa e n�o sa�a na rua. Morria de medo de pegar o v�rus e falava para as pessoas n�o sa�rem sem m�scaras. Como Manaus vivia o auge de casos na �poca, � dif�cil saber como ela pode ter pegado", diz Idaliani.

Francisca morava com a filha ca�ula, que relata ter tido sintomas semelhantes aos de um quadro leve de COVID-19.

A vida sem a m�e


Dona de casa não resistiu às complicações e morreu em 28 de abril(foto: Arquivo pessoal)
Dona de casa n�o resistiu �s complica��es e morreu em 28 de abril (foto: Arquivo pessoal)

Mais de cinco meses depois da perda da m�e, Idaliani avalia que a carta foi muito importante para ela e para os irm�os. "Acredito que naquele texto consegui demonstrar a minha presen�a como filha, mesmo que distante. N�o achava justo que a minha m�e, que a vida toda cuidou de mim e dos meus irm�os, se sentisse sozinha naquele momento, sem not�cias nossas", declara.

Dias ap�s o Brasil passar de 150 mil mortos pela COVID-19, Idaliani lamenta como muitos t�m lidado com o v�rus. Ela se mostra preocupada com a situa��o no Amazonas, que registrou, at� a ter�a-feira (13/10), mais de 147,8 mil casos da doen�a e 4,2 mil mortes, conforme o Minist�rio da Sa�de.

Os registros de COVID-19 voltaram a subir recentemente em Manaus, que havia tido uma queda dr�stica de casos ap�s ser duramente afetada pelo coronav�rus entre abril e junho — mas autoridades dizem que n�o � poss�vel falar, ao menos por enquanto, em uma segunda onda.

"A situa��o (da pandemia) n�o est� resolvida. As pessoas precisam se cuidar, por elas e pelos outros", afirma Idaliani. H� duas semanas, ela perdeu um amigo que morava em Manaus, em decorr�ncia de complica��es causadas pela COVID-19. "Era um v�rus que ningu�m esperava", comenta Idaliani.

Sem notifica��o

Apesar da suspeita da fam�lia e at� dos m�dicos, a morte de Francisca n�o foi notificada como um caso de coronav�rus. Na certid�o de �bito consta que ela faleceu em raz�o de uma pneumonia n�o especificada.

Em nota � BBC News Brasil, a Funda��o de Vigil�ncia em Sa�de do Amazonas (FVS) afirma que a dona de casa "fez coleta e realizou o exame de PCR (teste molecular) dentro do prazo da janela de detec��o do v�rus, com resultado negativo para COVID-19".

A Secretaria de Estado de Sa�de do Amazonas diz, em nota, que "em caso de d�vidas quanto ao diagn�stico recebido, a fam�lia pode solicitar informa��es junto � Ouvidoria da Secretaria de Sa�de".

No in�cio de outubro, 345 mortes em Manaus, entre abril e maio, foram reclassificadas para COVID-19. Isso ocorreu ap�s novas defini��es do Minist�rio da Sa�de, que passou a considerar situa��es como tomografia de pulm�es, que apontem problemas semelhantes aos causados pelo coronav�rus, ou contato pr�ximo com um infectado pelo v�rus, que tenha sido diagnosticado em exame laboratorial, como novos crit�rios para atestar que uma pessoa com sintomas est� com a doen�a.

Nos primeiros meses da pandemia, como no per�odo em que Francisca morreu, somente os exames laboratoriais eram considerados crit�rios para comprovar a COVID-19.

Desta forma, segundo especialistas, muitas pessoas infectadas pelo v�rus podem ter dado falsos negativos e logo foram descartadas como poss�veis casos de coronav�rus.

A fam�lia de Francisca acredita que o exame feito por ela enquanto estava internada pode ter dado um falso negativo. Agora, os parentes planejam solicitar uma nova avalia��o do caso dela, por meio dos exames e tomografias feitos enquanto ela estava no hospital, para descobrir se a dona de casa realmente foi v�tima da COVID-19. "Nada vai trazer a nossa m�e de volta, mas queremos ter essa resposta", declara Idaliani.

"A nossa m�e tinha v�rios planos e tinha uma boa sa�de at� apresentar os primeiros sintomas. Em 2020, ela iria recome�ar a vida, ap�s a morte do meu padrasto, no fim do ano passado. Quando ela come�ou a se estabilizar emocionalmente, n�o deu certo. O destino pregou uma pe�a na gente e a levou", acrescenta.


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