
Os quase 160 mil mortos at� agora pela COVID-19 no Brasil eram filhos, pais, m�es e av�s. Mas tamb�m eram professores, m�dicos, enfermeiros, engenheiros, prestadores de servi�os ou aposentados pensionistas, por exemplo — em outras palavras, pessoas que que contribu�am para o sustento de suas fam�lias e para movimentar a economia do pa�s.
Um levantamento preliminar rec�m-publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre, da FGV) tra�a hip�teses para esmiu�ar justamente o quanto o Brasil perdeu — e deixou de ganhar — com as vidas que est�o se esvaindo na pandemia.
As 63,2 mil pessoas entre 20 e 69 anos (ou seja, em idade produtiva) que haviam morrido de covid-19 at� 6 de outubro tinham rendimentos mensais estimados em R$ 108,6 milh�es. Por ano, elas geravam em renda estimados R$ 1,3 bilh�o.
Soma-se a isso o quanto provavelmente ganhavam do Estado, em m�dia, as 72,3 mil pessoas com mais de 70 anos que morreram at� 6 de outubro. Considerando a aposentadoria m�dia de R$ 1,8 mil, elas recebiam por m�s, juntas, estimados R$ 138,3 milh�es. Em um ano, isso equivale a R$ 1,7 bilh�o.
- Uso desenfreado de antibi�ticos na pandemia pode levar a 'apag�o' contra bact�rias resistentes
- Infla��o para fam�lias mais pobres � 10 vezes maior que para mais ricas em 2020
Os pesquisadores Claudio Considera e Marcel Balassiano fizeram as estimativas cruzando dados do Portal da Transpar�ncia do Registro Civil, que traz informa��es sobre as pessoas mortas na pandemia, com a Pesquisa Nacional Por Amostras de Domic�lios Cont�nua (Pnad Cont�nua, de 2018, do IBGE), que tra�a um panorama de n�vel de educa��o e renda da popula��o brasileira.
"Essa trag�dia j� alcan�a todos n�s social ou individualmente. Esse � seu lado humano", escrevem os pesquisadores no estudo.
"Mas h� outro lado: essas pessoas vitimadas tinham um certo conhecimento, certas habilidades adquiridas ao longo da vida, que utilizando e transmitindo para os colegas poderiam, por muito tempo ainda, contribuir para gerar renda para si, para eventuais dependentes e, portanto, para o pa�s. Eles far�o falta."
Considera e Balassiano estimaram, tamb�m, o quanto as pessoas em idade produtiva ainda poderiam, em teoria, gerar de renda para o pa�s, levando-se em conta a expectativa de vida nacional.
Calcularam que as pessoas entre 20 e 69 anos poderiam ter tido a chance de gerar, juntas, mais R$ 36,1 bilh�es ao longo de sua vida, caso elas tivessem sobrevivido � pandemia.

"O presidente fala que todo mundo vai morrer mais cedo ou mais tarde (em refer�ncia � fala, de Jair Bolsonaro, de que "a morte � o destino de todo mundo", ao comentar os mortos pela pandemia em mais de uma ocasi�o). Isso � uma besteira", afirma Claudio Considera � BBC News Brasil.
"Ele ignora um aspecto, que � essa perda de habilidades que de certa forma � irrepar�vel. Para o pa�s, cada morte � uma perda de capital e de capacidade de gerar renda. Se uma m�quina deixa de produzir, voc� pode rapidamente colocar outra no lugar, ela n�o tem que aprender nada. Uma vida n�o tem substitui��o imediata, e talvez n�o tenha mesmo (nunca)."
O custo das trag�dias sociais ao Brasil e ao mundo
Esse conhecimento e essas habilidades intang�veis que as pessoas acumulam ao longo de sua vida profissional s�o chamados por economistas de capital humano.
E uma de suas principais vari�veis � a educa��o, tanto a formal (anos de estudo) quanto a pr�tica (ou seja, a experi�ncia adquirida durante o trabalho), que impactam enormemente a capacidade produtiva — por isso que o Brasil, com seu hist�rico de problemas na educa��o, � considerado globalmente como um pa�s de n�vel mediano em acumula��o de capital humano.
E isso nos prejudica tanto no �mbito individual quanto nacional.
"O capital humano permite �s pessoas ter ci�ncia de seu potencial como membros produtivos da sociedade", afirma o Banco Mundial, institui��o que mede anualmente o capital humano m�dio dos pa�ses.
"Mais capital humano est� associado a uma renda mais alta das pessoas, a mais ganhos para os pa�ses e a uma coes�o mais forte da sociedade. � uma for�a central no crescimento sustent�vel e na redu��o da pobreza."
Para os pesquisadores do Ibre, o mesmo racioc�nio da perda de capital humano decorrente da pandemia poderia ser aplicado (e calculado) para outras mortes potencialmente evit�veis, resultado de outras trag�dias brasileiras — como os alt�ssimos �ndices de homic�dios e as mortes decorrentes de acidentes de tr�nsito do pa�s.

S� no ano passado, o Brasil teve 47.773 mortes violentas intencionais, segundo o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica, divulgado neste m�s de outubro.
As mortes no tr�nsito, embora em queda, foram 30.371 no ano passado.
Esses dois n�meros, juntos, equivalem a quase um Maracan� lotado de pessoas mortas a cada ano.
Em 2016, o Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) calculou que os homic�dios de jovens custavam ao Brasil R$ 150 bilh�es por ano.
"Cada vida � �nica, e �bvio que isso � muito mais importante do que a quest�o econ�mica", afirma o pesquisador Marcel Balassiano � BBC News Brasil.
"(Mas) todas as trag�dias que ocorrem sempre t�m uma perda de capital humano com impacto econ�mico no curto prazo e para o resto da vida — de o quanto essas pessoas poderiam produzir."
A mesma l�gica vale para outros pa�ses que perderam capital humano, seja na pandemia ou em guerras e eventos tr�gicos.
Considera cita, por exemplo, os 6 milh�es de mortos no Holocausto. "Pense em quantos eventuais pr�mios Nobel estariam ali, quantas pessoas que poderiam ter contribu�do para o bem da humanidade, ou na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais. S�o perdas tamb�m do ponto de vista econ�mico."
Fragilidade da m�o de obra
Considera e Balassiano fazem a ressalva de que, na atual crise econ�mica do Brasil, muitas das v�timas fatais do coronav�rus talvez estivessem entre os mais de 65 milh�es de brasileiros que, segundo dados de 2019, j� viviam em situa��o vulner�vel no mercado de trabalho e possivelmente sofreriam precariza��o profissional ainda mais intensa por causa da pandemia. Muitos talvez estivessem desempregados.
Isso n�o muda, por�m, o fato de que suas habilidades e conhecimentos foram precocemente perdidos.

Do ponto de vista dos aposentados — que, embora talvez n�o gerassem mais renda e dependessem do Estado para sustentar a si e a parentes —, os economistas apontam que "algumas das mortes (na pandemia) levar�o a pagamento de pens�o. (...) Do lado fiscal, se de um lado temos os aposentados que deixar�o de pesar no INSS, do outro (haver�) mais pens�es em alguns casos. Pesquisas futuras para quantificar esse efeito fiscal ficam como sugest�es".
Ambos os pesquisadores ressaltam que seu levantamento � preliminar, com o objetivo de, mais do que estabelecer um c�lculo definitivo sobre a perda de capital humano na pandemia, "provocar um debate e falar disso mais qualitativamente do que quantitativamente".
Um desafio global
O problema, claro, � compartilhado pelo restante do mundo, em meio �s disrup��es socioecon�micas provocadas pelo coronav�rus. Em relat�rio de setembro, o Banco Mundial afirmou que a pandemia "amea�a reverter muitos dos ganhos recentes" na melhoria do capital humano global.
Para voltar a promover o ac�mulo de capital humano, o Banco sugere que os pa�ses n�o apenas deem apoio �s comunidades mais vulner�veis, como voltem seus olhares � educa��o: desde investir em est�mulos cognitivos para as crian�as menores (na fase em que seu c�rebro est� no auge do desenvolvimento) at� promover habilidades nas crian�as mais velhas e adolescentes.
Isso tudo no cen�rio desafiador da volta �s aulas presenciais, ainda sob a amea�a do cont�gio pelo coronav�rus, que demanda conciliar os esfor�os da educa��o � dist�ncia com "recursos personalizados de ensino e aprendizagem, urgentemente necess�rios principalmente para compensar (as oportunidades de aprendizado) perdidas pelas crian�as em situa��o de desvantagem".
E, mesmo antes da pandemia, a desigualdade social j� impedia muitos jovens de atingirem seu pleno potencial de capital humano. Agora, o desafio � ainda maior, diz o relat�rio do Banco Mundial.
"No mundo, uma crian�a nascida pouco antes da chegada da covid-19 teria como expectativa, em m�dia, alcan�ar apenas 56% de sua produtividade potencial como trabalhadora futura. (Porque) os abismos em capital humano continuam especialmente profundos em pa�ses de baixa renda e os que s�o afetados pela viol�ncia, conflitos armados e fragilidade institucional."
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!