Em 20 de janeiro de 2020, pouco se sabia sobre o Sars-Cov-2. As informa��es oficiais indicavam que apenas duas pessoas haviam morrido de uma doen�a respirat�ria ainda misteriosa, causada por um novo coronav�rus surgido em um mercado de animais em Wuhan, na China. Apesar disso, o geneticista Sharon Moalem parecia saber o que estava por vir. Naquele dia, em sua conta no Twitter, ele publicou: "Por que mais homens v�o sucumbir � rec�m-descoberta S�ndrome Respirat�ria Aguda de Wuhan?"
Moalem � um canadense de 43 anos radicado em Nova York. Dono de uma fala confiante e uma carreira de duas d�cadas dedicada ao estudo de condi��es gen�ticas raras, ele presumia com relativa certeza que a doen�a decorrente do v�rus causaria uma letalidade desproporcional entre homens e mulheres. Ele estava certo.
Embora a falta de testes, de informa��es padronizadas e a preocupa��o com a subnotifica��o de mortes impe�am uma dimens�o real sobre como o sexo est� se saindo como um fator de risco para a covid-19, informa��es coletadas at� 2 de novembro pela plataforma Global Health 50/50, um banco de dados internacional voltado � igualdade de g�nero na sa�de, mostram que 57,2% dos 36.805 que morreram pela covid-19 na It�lia eram do sexo masculino. No Equador, eles eram 66,4% dos 12.181 �bitos. No M�xico, 64% dos 89.171 mortos.
E h� pa�ses onde mais que o dobro de homens morreu em consequ�ncia da doen�a. � o caso do Peru, onde 69,4% dos 34.187 que morreram eram homens.
Mesmo onde os dados de g�nero e sexo s�o parciais, como no Brasil, a incid�ncia de morte em raz�o do v�rus era maior em homens - 57,8%. Os dados da Global Health 50/50, no entanto, sugerem taxas de infec��o semelhantes em pessoas de ambos os sexos. Ent�o por que uma propor��o significativamente maior de homens n�o resiste � doen�a?
"Eu diria que esse � o velho normal", opinou o dem�grafo e pesquisador Jos� Eust�quio Alves. "As mulheres sempre demonstraram uma maior taxa de sobreviv�ncia a longo prazo. A covid-19 s� refor�a isso", acrescentou ele, que desde abril mant�m um di�rio na internet sobre tend�ncias e n�meros da pandemia.
Cabe lembrar: em m�dia, no mundo, nascem cerca de 105 homens para cada 100 mulheres. O sexo feminino, no entanto, � mais propenso a completar o primeiro anivers�rio e os anos seguintes. Ou seja, morrem mais meninos do que meninas nos primeiros anos de vida. N�o h� uma raz�o clara para o fen�meno, segundo a OMS.
A partir do in�cio da idade adulta, as mulheres come�am a ser maioria na sociedade e passam a viver mais do que os homens em praticamente qualquer lugar do mundo. A expectativa de vida para elas �, em m�dia, de seis a oito anos maior. Al�m disso, para cada homem com um s�culo de vida, h� quatro mulheres. E das pessoas que chegam aos 110 anos de idade, mais de 95% s�o do sexo feminino.
Os cientistas tamb�m constataram que as mulheres t�m um sistema imunol�gico mais forte do que os homens, veem o mundo com maior variedade de cores e correm menos risco de desenvolver determinados tipos de c�ncer. E, caso tenham a doen�a, suas chances de responder positivamente ao tratamento s�o maiores. Um levantamento do Instituto Nacional de Sa�de dos EUA (NIH, na sigla em ingl�s) mostrou que homens brancos, negros, hisp�nicos, asi�ticos, ind�genas todo grupo masculino tende a ser mais vulner�vel ao c�ncer quando comparado aos pares femininos.
Outras evid�ncias sugerem, ainda, que mulheres s�o mais resistentes a desenvolver doen�as cardiovasculares, defici�ncias e certas infec��es virais.
Por exemplo: estudos mostram que os homens foram desproporcionalmente afetados tanto na Gripe Espanhola de 1918 quanto no surto da S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (Sars), em 2003. Uma an�lise realizada na regi�o de Hong Kong apontou que a maioria (57%) das 299 pessoas que sucumbiram � Sars eram homens, n�o mulheres.
� semelhan�a da atual pandemia, a Sars tamb�m era causada por um coronav�rus (Sars-Cov) surgido em um mercado de animais na China. A epidemia, no entanto, durou aproximadamente seis meses, alcan�ou 29 pa�ses e, ao todo, matou quase 800 das cerca de oito mil pessoas que contra�ram a doen�a. J� a pandemia do Sars-Cov-2, que tem produzido uma nova onda de infectados, atingiu praticamente todos os pa�ses. Pelo menos 55 milh�es de pessoas foram infectadas ao redor do mundo. Destas, 1,3 milh�o morreram.
Os alvos preferidos do Sars-Cov-2
� medida que os n�meros cresciam, desde o in�cio da pandemia, evid�ncias mostravam que alguns grupos eram mais vulner�veis � covid-19. Idosos, por exemplo, correm em m�dia um risco cinco vezes maior de desenvolverem quadros graves e morrerem devido � covid-19. Um relat�rio da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), divulgado em maio, mostrou que pessoas acima de 60 anos representaram 80% das mortes na China e 95% das que morreram na Europa. No Brasil, pessoas com mais de 60 anos representavam 69% dos �bitos.
Fatores biol�gicos provavelmente colaboram para isso.
Altera��es no sistema imunol�gico, naturais da idade, fazem com que idosos tenham pulm�es e mucosas mais fracas. Al�m disso, as vacinas tomadas na juventude j� n�o surtem os efeitos de outrora. Portanto, h� menos anticorpos no organismo.
Acrescente esse contexto aos fatores sociais: como se engasgam e aspiram mais, eles levam a m�o � boca com mais frequ�ncia, correndo mais risco de cont�gio. E ainda v�o a hospitais e unidades de sa�de com mais regularidade especialistas afirmam que consultas m�dicas n�o urgentes, mas necess�rias, colocam os idosos em risco desnecess�rio.
Doen�as pr�-existentes tamb�m s�o um fator de risco � covid-19. Obesidade, press�o alta, diabetes e doen�as cardiovasculares s�o comuns em idosos, mas tamb�m atingem uma parcela significativa de adultos de meia-idade.
Essas condi��es, por�m, n�o afetam todos igualmente. Entre pobres e ricos com comorbidades, a balan�a da morte tende a pender para os desvalidos pois os ricos, em tese, desfrutam de uma s�rie de vantagens como melhores dietas, condi��es de moradia, de trabalho e de acesso aos servi�os de sa�de. Presume-se que a disparidade se repita nas comunidades negras no Brasil, tr�s em cada quatro pessoas que constituem os 10% mais pobres s�o negros, segundo a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Ra�a no Brasil, divulgada pelo IBGE em 2019.
� dif�cil encontrar dados confi�veis sobre a demografia racial do v�rus. Mas uma nota t�cnica assinada por 14 pesquisadores da PUC-RJ, no come�o de junho, indicou que mais da metade dos negros (54,8%) que se internaram em hospitais no Brasil para tratar casos de S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (SRAG), com confirma��o de covid-19, morreran. Entre brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%. O estudo foi feito com base em 29.933 casos encerrados de covid-19 (com �bito ou recupera��o), a partir dos dados divulgados pelo Minist�rio da Sa�de.
Nos Estados Unidos, algumas estat�sticas apontam que at� 23% das mortes relatadas por covid-19 s�o de pessoas negras, embora elas representem aproximadamente 13% da popula��o. Outro levantamento afirma que a taxa de morte de negros � 2,4 vezes superior � dos brancos, embora haja comunidades americanas onde at� sete negros morrem para cada pessoa de pele branca.
E quanto � taxa de letalidade maior entre homens?
Isso provavelmente reflete uma combina��o de diversos fatores.
Ganha for�a, contudo, a ideia de uma suposta fragilidade biol�gica do sexo masculino. Um dos principais defensores dessa teoria � Sharon Maolem, o geneticista que previu o fen�meno em janeiro. A afirma��o vem na esteira do lan�amento de The Better Half: On the Genetic Superiority of Women (A melhor metade: sobre a superioridade gen�tica das mulheres). Trata-se do quinto livro do autor, lan�ado em abril, cuja vers�o em portugu�s ser� publicada no Brasil em 2021 pela editora Cultrix.
A obra � resultado de uma extensa pesquisa encerrada no ano passado. Nela, Moalem apresenta evid�ncias de que as caracter�sticas biol�gicas s�o determinantes � not�vel resili�ncia feminina - adicionando um importante ingrediente � teoria cl�ssica, que costuma atribuir o prod�gio a fatores sociais, como comportamento, costumes e h�bitos de vida.

Em geral, mulheres v�o com mais regularidade ao m�dico, fumam menos e lavam as m�os com mais frequ�ncia. Em contrataste, os homens tratam menos das comorbidades cr�nicas, t�m um comportamento mais arriscado e s�o menos caprichosos. Observando assim, a conduta, de fato, torna o homem mais propenso a desenvolver uma s�ndrome respirat�ria. E a morrer mais cedo.
Mas Sharon Moalem vai al�m. Para ele, a depend�ncia excessiva de explica��es comportamentais cegou a medicina para outra importante realidade: a diferen�a gen�tica entre os sexos.
Em um artigo de opini�o no The New York Times, intitulado "Por que tantos homens morrem de coronav�rus?", o geneticista admite que algumas explica��es comportamentais "s�o quase certamente v�lidas". No entanto, tamb�m afirma que a maior taxa de mortes entre homens por Covid-19 "pode ser uma demonstra��o oportuna e de alto perfil" da gen�tica feminina.
O poderio do cromossomo X
Para compreender a diferen�a biol�gica entre homens e mulheres � preciso considerar que o DNA humano � um conjunto de instru��es gen�ticas, situado no n�cleo celular e cercado por 46 cromossomos. Esses cromossomos s�o organizados em 22 pares que recombinam tanto o DNA do pai quanto o da m�e. Eles compartilham 99% da disposi��o gen�tica heredit�ria, mas com milhares de pequenas diferen�as que explicam a varia��o entre as caracter�sticas das pessoas.
H� ainda o par 23, dos cromossomos sexuais. Na maioria das circunst�ncias, a f�mea humana tem dois cromossomos X um do pai e outro, da m�e. J� o homem tem apenas um cromossomo X, herdado da m�e, emparelhado com um cromossomo Y, de seu pai.
O cromossomo X � estruturalmente maior e mais complexo do que o cromossomo Y. O primeiro � dotado de aproximadamente 1.150 genes, longas sequ�ncias do DNA que produzem prote�nas essenciais ao funcionamento das c�lulas.
O cromossomo Y, por sua vez, tem entre 60 e 70 genes. Significa que os cromossomos sexuais masculinos t�m praticamente a metade da diversidade gen�tica das mulheres, com seus dois X.
Essa popula��o gen�tica em dobro poderia permitir que as mulheres produzissem duas vezes mais prote�nas relacionadas a esses genes do que os homens. Mas n�o � o que acontece. Para o ciclo da vida, as c�lulas femininas selecionam apenas um cromossomo X. O segundo � aleatoriamente desligado ou desativado, um processo conhecido como inativa��o do X.
Os primeiros ind�cios sobre a inativa��o do cromossomo X remontam � d�cada de 1950.
Umaa importante descoberta foi que a inativa��o se dava no est�gio de blastocisto, quando o embri�o alcan�a a parede do �tero e as c�lulas come�am a ganhar fun��es espec�ficas na forma��o do organismo do feto.
Ocorre que essas evid�ncias provinham unicamente de experimentos com camundongos.
"Conhecemos bastante sobre a inativa��o do cromossomo X em roedores por causa da relativa facilidade de se estudar os embri�es e da capacidade de modificar o genoma deles", explicou a geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora titular do Instituto de Bioci�ncias da Universidade de S�o Paulo (IB-USP). "Mas em seres humanos o conhecimento � mais limitado."
Nos �ltimos anos, por�m, a descoberta de c�lulas-tronco embrion�rias e o surgimento de uma t�cnica de mapeamento de DNA capaz de sequenciar com precis�o e integralmente o genoma de uma �nica c�lula permitiu identificar o momento em que determinados genes se tornam ativos. Foi o que Pereira e mais duas colegas analisaram a partir de 2013.
Elas examinaram o material de pesquisadores da China e da Su�cia sequ�ncias de RNA, material gen�tico mais flex�vel do que o DNA, de c�lulas isoladas de embri�es humanos. E descobriram algo inesperado. "Verificamos que a inativa��o do cromossomo X se dava no in�cio da embriog�nese humana, antes de o embri�o se fixar � parede do �tero, em um est�gio anterior ao dos embri�es de camundongos", afirmou.
Isso revela que o processo de desativa��o do X come�a cinco ou seis dias ap�s o espermatozoide (feminino, por assim dizer) fecundar o �vulo. O resultado do estudo foi publicado em 2017 no peri�dico Scientific Reports.
Al�m de oferecer uma nova tese ao in�cio da inativa��o do X, a pesquisa brasileira refor�ou um entendimento de longa data que o mecanismo de sele��o do cromossomo sexual ocorre de forma aleat�ria em cada c�lula.
Isso � vantajoso �s mulheres. Afinal, o organismo feminino pode escolher entre dois cromossomos X, de maneira a compensar uma c�lula defeituosa. Nos homens, n�o h� esse tipo compensa��o, pois n�o h� alternativa.
A fuga de inativa��o do X
No mesmo ano em que as cientistas da USP identificaram o momento de inativa��o do X, pesquisadores do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Helsinque, na Finl�ndia, publicaram na revista Nature um estudo que refor�a outra teoria crescente: a de que o cromossomo silenciado nas mulheres, na verdade, n�o est� totalmente adormecido.
A ci�ncia come�ou a suspeitar disso entre as d�cadas de 1970 e 1980, quando algumas pesquisas indicaram a express�o de alguns genes supostamente inativos. Presumia-se, por�m, que essa express�o causava um efeito m�nimo na biologia da mulher. Foi s� nos �ltimos 15 anos que esse entendimento mudou, � medida que os pesquisadores identificavam e catalogavam os genes "fugitivos".
O que o estudo finland�s concluiu � que cerca de 23% da variedade de genes do cromossomo sexual silenciado n�o s� estavam ativas como acess�veis �s c�lulas femininas. S�o genes que raramente atingem 100% dos n�veis de express�o, como no cromossomo ativo; a m�dia fica em torno de 10%. Mas o processo de express�o, chamado pelos pesquisadores de "fuga de inativa��o do X", � suficiente para fazer uma diferen�a biol�gica inclusive porque parte desses genes est� relacionado � resposta imunol�gica.
Em outras palavras, � como se o cromossomo inativo atuasse como uma esp�cie backup: uma c�pia de seguran�a, com centenas de genes � disposi��o do organismo para enfrentar situa��es estressantes como o c�ncer, a fome ou a infec��o por um v�rus mortal.
A bi�loga computacional Taru Tukiainen, que liderou o estudo, acredita que h� ainda mais genes fugitivos para encontrar em diferentes tipos de c�lulas, tecidos, indiv�duos e pessoas de diferentes idades. "Estamos apenas dando o primeiro passo para realmente entender toda a complexidade desse fen�meno", disse Tukiainen � revista The Scientist.
Para o geneticista Sharon Maolem, entretanto, a descoberta � suficiente para dar um novo sentido � maneira como entendemos a rea��o do organismo humano. Falando sobre os genes que escapavam da inativa��o, ele comentou em um e-mail � BBC News Brasil: "Isso significa uma boa pot�ncia gen�tica dentro de cada uma das c�lulas da mulher".
Moalem afirma que o estudo d� significado �s evid�ncias hist�ricas, que demonstram que as mulheres sempre viveram mais, mas tamb�m �s pr�prias experi�ncias especialmente as de quando ele dava expediente em uma UTI neonatal, dez anos atr�s.

Cabe dizer: existem muitas raz�es para rec�m-nascidos passarem dias dentro de uma incubadora transl�cida, cheios de fios conectados ao corpo e sob o escrut�nio de m�dicos e enfermeiros.
A prematuridade � a principal delas. Um beb� que nasce com menos de 37 semanas de gesta��o ainda n�o tem o c�rebro e os pulm�es totalmente desenvolvidos. Min�scula e indefesa, a crian�a permanece na UTI at� atingir a completa estatura do organismo uma enorme luta estando longe da prote��o do �tero materno, exposto ao frio e a trilh�es de micr�bios.
O que Moalem identificou de forma emp�rica, � �poca, � que meninos eram mais suscet�veis a infec��es e � morte, em virtude de doen�as correlatas. "Observar a vantagem de sobreviv�ncia feminina ocorrendo em uma idade t�o jovem foi muito impactante", diz Sharon Moalem. Ele s� n�o sabia exatamente por que aquilo acontecia. A partir da conclus�o dos pesquisadores da Universidade de Helsinque, Moalem passou a considerar que o fen�meno estivesse ligado ao fato de as meninas terem dois cromossomos X. O que permitiria, desde muito cedo, acessarem mais vers�es dos mesmos genes para resolver quaisquer desafios e traumas biol�gicos.
Estudos mais objetivos, contudo, sugerem que o amadurecimento do pulm�o fetal ocorre mais precocemente no sexo feminino. Isso reduz as chances das rec�m-nascidas desenvolverem problemas respirat�rios que est�o entre as principais causas de morte no per�odo neonatal.
Estima-se que, entre os beb�s prematuros que nascem antes das 32 semanas de gesta��o, o risco de morrer � de 9% para meninos e de 6% para as meninas. Outras pesquisas mostram que a tend�ncia se repete em crian�as de praticamente todas as faixas de peso ao nascer, e independentemente da idade gestacional.
O Brasil n�o disp�e de dados oficiais sobre o tema, segundo a vice-diretora da Associa��o Brasileira da Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Beb�s Prematuros (Prematuridade). Aline Hennemann, por�m, disse � BBC News Brasil que "como enfermeira neonatal e com a minha experi�ncia beira-leito, esses estudos recentes se confirmam: as meninas t�m uma incid�ncia menor de mortalidade ao nascer do que os meninos".
Horm�nios e enzimas
Apesar de sedutora, a narrativa do cromossomo X, sozinha, n�o explica por completo a resist�ncia feminina. "A gen�tica desempenha um papel importante, mas outros fatores externos certamente contribuem", diz Zoe Xirocostas, uma jovem cientista de 24 anos que faz p�s-doutorado na Universidade de Nova Gales do Sul, na Austr�lia.
Em mar�o, Xirocostas e os colegas publicaram na revista Biology Letters o resultado de uma an�lise sobre a vida �til no reino animal. O conjunto de dados incluiu toda sorte de informa��es sobre a longevidade de humanos, outros mam�feros e aves, como tamb�m de r�pteis, peixes, anf�bios, aracn�deos, baratas, gafanhotos, besouros, borboletas e mariposas.
"Ao analisar essa ampla gama de esp�cies, descobrimos que o sexo heterogam�tico (os homens, no caso dos humanos) tende a morrer 17,6% mais cedo que o sexo homogam�tico (as mulheres, no caso dos humanos)", diz a pesquisadora.
As diferen�as hormonais tamb�m podem fazer diferen�a, segundo Xirocostas. Pesquisas apontam que n�veis mais altos de testosterona, o horm�nio sexual masculino, estimulam comportamentos de risco. Al�m disso, a testosterona pode ativar um grupo de genes presentes nas c�lulas de defesa que enfraquecem a resposta do sistema imunol�gico. Por isso um agente estranho, como o Sars-Cov-2, tem facilidade para abrir terreno no organismo masculino.
J� o estrog�nio, o horm�nio feminino, cont�m propriedades anti-inflamat�rias. Ele ajuda no reparo dos tel�meros, as tampas que protegem as extremidades dos cromossomos. Os tel�meros est�o diretamente ligados ao envelhecimento. Quando eles se desgastam, as c�lulas param de se reproduzir. Essa, portanto, pode ser outra justificativa para a longevidade feminina.
O estrog�nio ainda estimula uma resposta imunol�gica mais vigorosa.
Isso ficou evidente na pandemia do novo coronav�rus. Em grande parte, gestantes infectadas pelo Sars-Cov-2 tiveram sintomas leves da doen�a embora fa�am parte do grupo de risco. Isso pode estar atrelado ao fato de as gr�vidas terem, naturalmente, n�veis de estrog�nio e de progesterona mais altos durantes a gravidez.

Se for assim, contudo, a explica��o n�o funciona para as mulheres idosas que continuam tendo um desempenho melhor do que os homens idosos no combate � covid-19, apesar dos n�veis de horm�nio nas mulheres despencarem ap�s a menopausa. De toda a forma, a ci�ncia vem investigando o potencial do horm�nio feminino no combate � doen�a tratando, inclusive, pacientes masculinos com estrog�nio e progesterona.
Uma outra explica��o biol�gica para o coronav�rus matar mais homens do que mulheres pode envolver uma prote�na conhecida como enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2, na sigla em ingl�s).
Essencial � regula��o da press�o arterial, a ACE2 tamb�m age como uma das portas de entrada do novo coronav�rus nas c�lulas humanas. � como se ela fosse uma fechadura. O v�rus � uma chave que se encaixa nela e, a partir dali, ganha acesso ao n�cleo da c�lula.
Acontece que essa enzima tem dois lados. Ao mesmo tempo que facilita a a��o do v�rus, ela tamb�m possui um grande componente anti-inflamat�rio. E a ACE2 se expressa pelo cromossomo X. Assim, as mulheres tendem a apresentar uma quantidade duplicada dessa enzima. Elas seriam mais suscet�veis aos ataques do coronav�rus, mas as altas barreiras anti-inflamat�rias impediriam o desenvolvimento de manifesta��es graves da doen�a. Ou seja, o v�rus pode entrar, mas n�o consegue esculhambar tanto com o organismo delas.
Por outro lado, a teoria da ACE2 ainda carece de mais estudos. Uma pesquisa da Sociedade Europeia de Cardiologia encontrou um maior �ndice de ACE2 no plasma sangu�neo dos homens. E os especialistas especulam que essa possa ser a raz�o da maior mortalidade causada pelo coronav�rus entre o p�blico masculino. A miss�o, ao que parece, � entender qual das duas faces da enzima � mais atuante no intrincado mecanismo de letalidade da covid-19.
Mas, afinal, sexo � fator de risco?
Desde que os primeiros casos surgiram, no fim do ano passado, a doen�a causada pelo novo coronav�rus demonstrou ser bem mais do que respirat�ria. Descobriu-se que a covid-19 pode afetar n�o apenas os pulm�es como tamb�m o sistema circulat�rio, o cora��o, os rins e at� mesmo os sentidos, como o olfato e o paladar. A raz�o para boa parte desses efeitos � um enigma.
Muito mais se descobrir� a respeito da covid-19 s� neste ano, mais de 73 mil artigos cient�ficos citaram a doen�a, segundo o banco de dados Pubmed. Inclusive sobre como diferen�as biol�gicas acontecem ao longo da doen�a.
O que h�, por ora, s�o correla��es e possibilidades. Para determinar se o sexo � um fator de risco seria necess�rio um estudo amplo, come�ando pelo sequenciamento do genoma de pessoas que desenvolveram quadro leve da doen�a e de indiv�duos que tiveram quadro grave. Os cientistas, ent�o, tentariam encontrar variantes gen�ticas que pudessem influenciar a gravidade da doen�a.
Al�m disso, seria preciso considerar outros fatores n�o-gen�ticos vari�veis como idade, condi��es de sa�de pr�-existentes, h�bitos de vida, condi��o socioecon�mica. Os dados precisariam vir de fontes confi�veis e leg�timas, como registros hospitalares ou do governo, e englobar um longo per�odo de tempo e pa�ses diferentes. � um esfor�o t�o �rduo, custoso e demorado, que beira a utopia.
Mesmo que a hip�tese gen�tica fosse confirmada, seria imposs�vel ignorar a teoria cl�ssica atrelada aos fatores comportamentais. O dem�grafo Jos� Eust�quio Alves ressalta que os homens, em geral, seguem mais expostos aos riscos de cont�gio e tratam menos das comorbidades cr�nicas. O que o leva a crer que as diferen�as de rea��es ao v�rus (e a outras mazelas) provavelmente refletem uma combina��o de diversos fatores.
"Explicar a letalidade do v�rus s� pela biologia seria interessante, mas limitada", comentou Alves. "Quando se trata de mortalidade, os fatores biol�gicos explicam menos do que os fatores sociais."

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