Praias lotadas. Baladas. Festas em fam�lia. Reuni�es entre amigos. Transporte p�blico cheio. Estes s�o alguns dos fatores listados por especialistas para justificar o recente avan�o do novo coronav�rus no Rio de Janeiro.
O Estado vive um dos seus piores per�odos desde o in�cio da pandemia de covid-19. Hospitais est�o sobrecarregados e centenas de pacientes infectados pelo coronav�rus aguardam leitos. Para especialistas, a expectativa � de que a situa��o piore ainda mais nas pr�ximas semanas.
"O Rio de Janeiro nunca teve controle completo da transmiss�o do v�rus. O Estado foi flexibilizando as medidas de isolamento social quando os casos ainda estavam em alta. As pessoas voltaram a se reunir, fazer encontros, os bares voltaram a ficar lotados e houve muitos eventos com aglomera��o", diz o infectologista Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e diretor do Hospital Universit�rio Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
At� a manh� da sexta-feira (10/12), o Rio de Janeiro registrou 381.644 casos e 23.546 mortes pela covid-19, conforme o Minist�rio da Sa�de. � o segundo Estado com mais registros de �bitos pelo coronav�rus, atr�s apenas de S�o Paulo (43,4 mil).
De acordo com a plataforma MonitoraCovid-19, ferramenta da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Rio de Janeiro � o Estado com a maior taxa de �bitos pela doen�a no pa�s, s�o 135,5 mortes a cada 100 mil habitantes em S�o Paulo, por exemplo, s�o 94,3.
Os registros de covid-19 passaram a ter grande avan�o recente no Rio de Janeiro por volta de 20 de novembro, segundo a MonitoraCovid-19.
Enquanto os casos aumentam, o isolamento social est� menor no Estado. Em raz�o disso, especialistas afirmam que � inevit�vel que a situa��o piore cada vez mais nas pr�ximas semanas.
Na quinta-feira, a Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou novas medidas restritivas, diante do avan�o de casos. Para especialistas, essas a��es foram tomadas tardiamente e n�o abrangem todas as quest�es necess�rias para ajudar a conter a propaga��o do v�rus.
O aumento de casos
O baixo �ndice de isolamento social � o principal motivo para o aumento de casos da covid-19 no Rio de Janeiro, apontam os especialistas ouvidos pela reportagem.
Dados apurados por meio dos celulares da regi�o, levantamento feito pelo pelo Grupo de Trabalho Multidisciplinar para o Enfrentamento do Coronav�rus, da UFRJ, apontam que o �ndice de mobilidade nas cidades do Rio de Janeiro chegou a 40% no in�cio da pandemia. Por�m, o n�mero subiu cada vez mais nos �ltimos meses, com a flexibiliza��o da quarentena. Hoje, a taxa � por volta de 60% a 70%.

"O n�mero (de movimenta��o) � um pouco abaixo de antes da pandemia, porque ainda existem setores em quarentena, como a Educa��o. Mas as pessoas, em geral, est�o se movimentando como antes", diz o epidemiologista Roberto Medronho, professor da UFRJ e coordenador do grupo que apura a situa��o da covid-19 no Rio de Janeiro.
A taxa de transmiss�o do v�rus no Estado cresceu nas �ltimas semanas. Esse �ndice aponta quantas pessoas s�o infectadas, em m�dia, por quem j� est� doente.
O ideal � que fique abaixo de 1, para reduzir a possibilidade de novas infec��es. Acima disso, ganha cada vez mais for�a, e os n�meros de doentes crescem em escala geom�trica.
A atual taxa de transmiss�o, referente ao in�cio de dezembro, � de 1,33 em todo o Estado no fim de novembro era 1,27. O maior �ndice est� na capital: 1,45. J� na regi�o metropolitana � de 1,38. Os dados s�o do grupo da UFRJ que atua no enfrentamento ao coronav�rus.
"A taxa nunca ficou abaixo de 1 no Rio de Janeiro. A quarentena foi flexibilizada com o v�rus em alta, com a transmiss�o acima de 1,1. Com a volta da aglomera��o a propaga��o do v�rus foi r�pida", explica Alberto Chebabo.
A m�dia m�vel de casos da covid-19 no Rio de Janeiro, que avalia a quantidade de novos registros nos �ltimos sete dias, tamb�m est� em alta.
O n�mero atual � de 2,5 mil casos no Estado, conforme o MonitoraCovid-19. � um dos maiores �ndices desde o in�cio da pandemia os n�meros se aproximam da maior m�dia, em meados de julho, quando chegou a 3 mil casos di�rios.
J� a atual m�dia de mortes, segundo o MonitoraCovid-19, � de 80 por dia. "Se considerarmos que a curva de casos come�ou a subir h� tr�s semanas, � prov�vel que os n�meros de mortes, que est�o est�veis, tamb�m v�o subir. Muitas pessoas que contraem a doen�a e apresentam quadro grave acabam morrendo ao longo das semanas", explica o sanitarista Christovam Barcellos, da Fiocruz.
Festas, aglomera��es e praias
A flexibiliza��o das medidas de isolamento no Rio de Janeiro ocorre desde junho. Aos poucos, conforme as autoridades consideravam necess�rio, a quarentena foi afrouxando.
Em 20 de outubro, por exemplo, um decreto estadual autorizou a realiza��o de eventos de entretenimento ou de lazer em espa�os abertos ou fechados.
Essa medida estipulou que os locais deveriam seguir normas para evitar a propaga��o do v�rus.
Entre as medidas para esses eventos est�o: os locais fechados devem receber somente 50% de sua capacidade m�xima, rodas de samba devem ser realizadas em lugares que n�o ultrapassem o limite de quatro metros quadrados por pessoas e os eventos em quadras escolas de samba devem limitar o p�blico para evitar aglomera��o.
Na pr�tica, os especialistas pontuam que n�o h� fiscaliza��o suficiente para saber se as medidas de distanciamento social est�o sendo seguidas nesses locais. Nas �ltimas semanas, foram comuns imagens de aglomera��es em diferentes pontos do Rio de Janeiro.
"Desde outubro, houve total perda de controle das medidas de isolamento. H� muita gente circulando normalmente pelo Estado", diz Christovam Barcellos.
Chebabo ressalta que eventos como pequenas festas em fam�lia ou at� idas a praias lotadas t�m ajudado a propagar o coronav�rus no Estado.
"Quando h� uma aglomera��o, pode haver exposi��o ao v�rus. Nos �ltimos meses, muita gente voltou a frequentar bares, restaurantes, boates, reuni�es em fam�lia... Vimos fam�lias inteiras infectadas ap�s uma pequena reuni�o com 10 pessoas. Al�m disso, muitos jovens v�o a eventos e levam o v�rus para os mais velhos quando voltam para casa", pontua.
As aglomera��es no transporte p�blico tamb�m colaboraram fortemente para a propaga��o do v�rus, segundo os especialistas. Muitos trabalhadores se viram em meio a ve�culos lotados.
"(As autoridades) deveriam ter se preocupado em melhorar o transporte p�blico, com mais ve�culos e mais espa�o para as pessoas. Al�m disso, deveriam ter refor�ado o uso de m�scara nesses locais", afirma Medronho.
H� tr�s semanas, os casos de covid-19 no Rio est�o em crescimento. Meses atr�s, a taxa variava: ora crescia, ora diminu�a. "N�o temos uma segunda onda, porque nunca sa�mos da primeira. Isso agrava ainda mais a situa��o, porque os servi�os de sa�de j� estavam sofrendo com os n�meros de casos, agora aumenta ainda mais a demanda", declara Medronho.
Hospitais sobrecarregados
O resultado do aumento de casos no Estado pode ser notado nos hospitais. Na cidade do Rio de Janeiro, a ocupa��o de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) voltados somente para pacientes com a covid-19 � de 91%. Isso inclui leitos do Sistema �nico de Sa�de (SUS), municipais, estaduais e federais. A taxa de ocupa��o de leitos de enfermaria � de 87%.
De acordo com a Prefeitura da capital fluminense, h� 1.411 pessoas internadas em leitos especializados no munic�pio, sendo 590 delas em UTI.
Na cidade, 420 pessoas aguardam transfer�ncia para leitos na regi�o metropolitana destas, 193 precisam de UTI. "As pessoas que aguardam leitos de UTI est�o sendo assistidas em leitos de unidades, com monitores e respiradores", diz a Prefeitura da Capital, em nota encaminhada � BBC News Brasil.
Os hospitais particulares tamb�m enfrentam um per�odo de sobrecarga em decorr�ncia da covid-19. "Est� tendo uma demanda alta de leitos em todas as unidades de sa�de. Os hospitais privados est�o tendo de interromper cirurgias eletivas, pois est�o todos cheios. Est�o fechando CTIs (Centros de Terapia Intensiva) para outras doen�as e reabrindo leitos para a covid", diz Chebabo.

A atual situa��o em toda a �rea da sa�de no Rio de Janeiro tem sido altamente estressante, avalia Medronho. "H� muito estresse em termos de demanda que cresce a cada dia. A falta de vagas para quem precisa ficar na enfermaria ou CTI � muito grave, porque aumenta a possibilidade de a pessoa morrer sem sequer ser internada em hospital", diz o m�dico.
"A abordagem cl�nica em rela��o � covid-19 evoluiu muito desde o in�cio da pandemia, quando est�vamos diante de uma doen�a muito nova e adquirindo conhecimento para tratar melhor. Hoje j� sabemos o que pode ser mais efetivo em um tratamento. Mas o problema � que n�o estamos encontrando vagas", acrescenta o epidemiologista.
Em nota, a Prefeitura do Rio de Janeiro afirma que ir� abrir, em hospitais municipais, mais 220 leitos dedicados ao tratamento da doen�a nas pr�ximas semanas.
Os especialistas comentam que a imensa maioria dos leitos abertos na primeira fase da pandemia foram desativados logo que os casos come�aram a diminuir.
"N�o houve planejamento para que fossem reativados. Agora, temos que esperar os procedimentos para que voltem a funcionar", declara Medronho. "Agora o Estado e o munic�pio precisam contratar novos profissionais de sa�de para reativar esses leitos", diz Chebabo.
As dificuldades nos hospitais do Rio de Janeiro atingem tamb�m aqueles que trabalham nas unidades de sa�de. Segundo o jornal O Globo, cerca de 16 mil dos profissionais que atuam na rede municipal ainda n�o receberam o pagamento de novembro.
Em nota � BBC News Brasil, a Prefeitura do Rio de Janeiro afirma que as secretariais municipais de Fazenda e de Sa�de se reuniram para discutir os pagamentos aos trabalhadores.
"As secretarias trabalham para equacionar a quest�o e a previs�o � que os pagamentos sejam realizados at� a semana que vem", diz nota encaminhada � reportagem.
'A situa��o vai piorar'
Desde que os casos de covid-19 passaram a crescer nas �ltimas semanas, autoridades do Rio de Janeiro evitaram definir novas medidas de isolamento. Na semana passada, o governador em exerc�cio, Claudio Castro, afirmou que n�o dariam "passo para tr�s" sobre a reabertura dos estabelecimentos e descartou um lockdown, medida adotada em diversas regi�es do Estado nos primeiros meses da pandemia.
Mas nesta quinta-feira, a Prefeitura do Rio anunciou novas medidas para tentar controlar o avan�o do v�rus. Entre as a��es est�o a proibi��o de estacionamento na orla nos fins de semana e feriados.
Apesar disso, as praias continuar�o liberadas normalmente. Tamb�m foi proibido o uso de �reas de lazer onde n�o s�o usadas m�scaras em condom�nios, como em piscinas e saunas.
Al�m disso, a Prefeitura anunciou que ir� escalonar os hor�rios dos funcionamentos da ind�stria (a partir das 7h), dos servi�os (a partir das 9h) e do com�rcio (a partir das 11h). Segundo as autoridades, a medida ajudar� a reduzir a aglomera��o no transporte p�blico.
A Prefeitura afirma que as novas medidas s�o para proteger a popula��o sem causar danos � economia.
Para Chebabo, as novas restri��es s�o pouco eficazes diante do avan�o da covid-19. "S�o medidas t�midas", diz.
"S�o um passo adiante, mas n�o suficientes", pondera Barcellos. Ele ressalta que as novas medidas n�o co�bem as aglomera��es em festas, bares ou reuni�es familiares.
Roberto Medronho critica o fato de as autoridades sequer cogitarem a possibilidade de adotar um lockdown no Estado. "Fiquei chocado que os governantes, diante do aumento sustentado de casos, descartaram essa possibilidade, que sabemos que funciona. � at� poss�vel entender por causa do impacto na economia e porque as pessoas est�o cansadas. Mas quando descartam assim, � como se houvesse uma vacina e dissessem: n�o vou aplicar agora", diz o epidemiologista.
"Essa decis�o (de descartar o lockdown) � um desservi�o � pandemia. Isso choca a comunidade cient�fica do Rio de Janeiro. Sabemos que � uma medida dura. � um rem�dio amargo, mas � necess�rio", acrescenta.
Diante do atual cen�rio, os especialistas consideram que � inevit�vel que a pandemia se tornar� ainda mais grave no Rio de Janeiro nas pr�ximas semanas. O per�odo de f�rias escolas, as compras de fim de ano e as festividades de dezembro tornam o cen�rio preocupante.
"Os casos t�m subido e v�rios fatores s� apontam para cima cada vez mais. � prov�vel que a pandemia no Estado atinja o seu pico no ver�o", comenta Christovam Barcellos.
Os n�meros entre o fim deste ano e o in�cio de 2021 podem ser maiores do que os do per�odo de pico, entre o fim de maio e julho, apontam os estudiosos.
"A situa��o vai piorar. Estamos todos muito preocupados", desabafa Chebabo. Ele ressalta que apenas abrir leitos n�o � o ideal para enfrentar a covid-19. "At� porque h� uma capacidade finita de leitos e n�o � poss�vel haver um n�mero t�o grande de um dia para o outro. E a covid-19 � uma doen�a muito s�ria. Internar n�o significa que a pessoa vai sobreviver", declara.
"O ideal seria diminuir a movimenta��o das pessoas, proibir reuni�es, shows... Mas n�o h�, no Rio de Janeiro, nenhuma tend�ncia de que haja medidas mais r�gidas", lamenta o infectologista.
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