Um grupo de pediatras, a maioria de S�o Paulo, lan�ou no final de novembro uma campanha pela volta das aulas presenciais.
Eles est�o preocupados com os efeitos nas crian�as e adolescentes do longo per�odo em que as escolas est�o fechadas e dizem que h� cada vez mais evid�ncias de que n�o h� porque mant�-las assim.
"Quer�amos levar o debate para o n�vel cient�fico e informar a popula��o, gestores p�blicos e outros m�dicos sobre a possibilidade da reabertura das escolas", diz a infectopediatra Luciana Becker Mau, uma das idealizadoras do programa Ci�ncia Pela Escola.
- Como reduzir os riscos de transmitir coronav�rus nas festas de Natal e Ano Novo
- O que se sabe sobre os 4 casos de rea��o al�rgica � vacina contra covid-19
Eles lan�aram m�o de um manifesto, que re�ne uma s�rie de estudos, para defender que as aulas presenciais podem ser feitas de forma segura com algumas medidas.
"A ideia � sair do plano de pensar em reabrir as escolas para pensar como fazer isso", afirma Mau.
At� agora, o documento j� teve quase 8 mil assinaturas, inclusive de 2,8 mil m�dicos, entre eles mais de 1 mil pediatras, dizem os organizadores.
Os m�dicos do grupo tamb�m se mobilizam na internet. "Estou nessa luta h� v�rios meses, fazendo lives e tentando mostrar que a sa�de da crian�a tem que ser pensada de forma mais completa", diz o pediatra Paulo Telles.
O v�deo em sua conta no Instagram no qual ele fala sobre o manifesto j� teve quase 600 mil visualiza��es.
"N�o tem justificativa para as escolas ficarem fechadas. Basta um pouco de investimento e prioriza��o", defende Telles.
Mobiliza��o crescente (e controversa)
O Ci�ncia Pela Escola faz parte de uma mobiliza��o crescente de m�dicos que argumentam ser poss�vel retomar as aulas presenciais.
Um grupo de pediatras do Rio de Janeiro lan�ou uma campanha paralela, a Lugar de Crian�a � Na Escola, e defende que "as consequ�ncias ser�o catastr�ficas para crian�as, fam�lias e sociedade" se as escolas continuarem fechadas no pr�ximo ano.
O Conselho Regional de Medicina de S�o Paulo (Cremesp) e a Sociedade de Pediatria de S�o Paulo dizem desde o final de agosto que d� para fazer uma retomada gradual seguindo alguns protocolos.
"Al�m de n�o ter motivo para restringir a escola, temos que ver o outro lado: o quanto as crian�as est�o sendo prejudicadas por n�o ir � escola", diz o infectopediatra Marcelo Otsuka, que assina o documento em que o Cremesp defende a volta �s escolas.
Mas nem todos os m�dicos concordam que � seguro fazer isso, especialmente em meio � alta de casos que o pa�s enfrenta nas �ltimas semanas, e n�o sem antes fazer todos os investimentos necess�rios.
"A escola � muito importante, quase essencial, mas n�o podemos reabrir as escolas a todo custo. Fazer isso neste momento seria uma aventura", afirma o infectologista H�lio Bacha.
A reabertura das escolas � questionada principalmente pelos representantes de profissionais de educa��o.
"Hoje, n�o h� como ter um ambiente seguro", diz a deputada estadual Maria Izabel Noronha (PT-SP), que � presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de S�o Paulo (Apeoesp).
Crian�as se infectam menos, mas transmitem menos?

Um dos principais argumentos de quem defende o retorno �s escolas � que hoje se sabe que a covid-19 afeta menos as crian�as.
Quando a pandemia come�ou, diz Paulo Telles, as escolas foram fechadas tendo em mente que o novo coronav�rus poderia ser semelhante a outros v�rus respirat�rios, como o influenza, que causa a gripe.
As crian�as costumam estar entre os mais afetados nos surtos de gripe. Mas a experi�ncia mostrou at� agora que elas respondem por uma propor��o pequena dos casos e mortes por covid-19.
"As crian�as se infectam de duas a cinco vezes menos do que os adultos e, quando s�o contaminadas, s�o assintom�ticas ou t�m sintomas leves", afirma o pediatra.
Segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), apenas 8,5% dos casos notificados s�o pessoas com menos de 18 anos, "com relativamente poucas mortes em compara��o com outras faixas et�rias".
Mas, apesar da manifesta��o da doen�a n�o ser geralmente grave, casos cr�ticos foram relatados. Assim como em adultos, ter condi��es m�dicas pr�-existentes � um fator de risco.
"Mas as crian�as n�o s�o, como a gente imaginava em mar�o, as principais respons�veis pela dissemina��o da covid-19", diz Luciana Becker Mau. O que ainda ainda n�o se sabe � exatamente por que isso ocorre.
Estudos apontam que a carga viral de uma crian�a que est� infectada, ou seja, a quantidade de v�rus que ela carrega no corpo, � muitas vezes igual ou mesmo superior � de adultos, diz Marcelo Otsuka.
Uma hip�tese � que as crian�as s�o menos suscet�veis � doen�a. Outra � que, como entre os mais jovens a covid-19 costuma ser mais leve, eles t�m menos sintomas, como espirro, tosse e coriza.
"Esses sintomas respirat�rios s�o os que mais levam � transmiss�o", explica Otsuka.
Mas pode ser tamb�m porque elas simplesmente tenham ficado mais isoladas do que os adultos.
"E a� a gente n�o consegue saber a capacidade de transmiss�o das crian�as, j� que elas acabam pegando a doen�a de um adulto que trouxe o v�rus para casa", diz o infectopediatra.
Estudos s�o animadores, por�m inconclusivos
Uma revis�o de 32 pesquisas apontou que crian�as e adolescentes com menos de 14 anos t�m uma chance 48% menor de serem infectadas pelo coronav�rus em compara��o com quem tem mais de 20 anos. Mas aqueles com idades entre 14 e 19 anos t�m a mesma probabilidade de adultos.
Os autores dizem haver evid�ncias de que crian�as e adolescentes t�m um papel menor na transmiss�o do v�rus, mas ressaltam que elas ainda s�o "fracas".
Por fim, eles ressaltam que a maioria dos estudos analisados foram feitos quando medidas de distanciamento social vigoravam, o que pode ter afetado os resultados, assim como um esfor�o menor para rastrear os contatos feitos por pacientes com menos de 20 anos e uma testagem significativamente menor entre crian�as.
Um outro estudo usou modelos matem�ticos para analisar os dados de epidemias de seis pa�ses e apontou que pessoas com menos de 20 anos s�o 50% menos suscet�veis a serem infectadas do que aquelas com 20 anos ou mais.
"Consequentemente, conclu�mos que as interven��es destinadas a crian�as podem ter um impacto relativamente pequeno na redu��o da transmiss�o", escrevem os autores.
Mas eles advertem que novos dados coletados ap�s a conclus�o da pesquisa, publicada em junho, podem alterar estes resultados.
Ou seja, as pesquisas cient�ficas sobre a covid-19 em crian�as e adolescentes s�o animadoras, mas n�o s�o conclusivas e deixam margem para d�vidas sobre o real perigo envolvido na reabertura das escolas.
A OMS diz que mais estudos est�o em andamento para avaliar o risco de infec��o em crian�as e compreender melhor a transmiss�o nesta faixa et�ria.

Escolas ficaram abertas em outros pa�ses
Os m�dicos � frente dessa mobiliza��o apontam tamb�m que, mesmo com uma segunda onda de infec��es em outros pa�ses, as escolas permaneceram abertas.
Eles ainda questionam a reabertura de outros setores da economia no Brasil enquanto as salas de aula continuam vazias.
"Na Europa, fechou tudo, mas n�o fecharam as escolas. Ent�o, � bem dif�cil entender por que est� tudo aberto aqui, mas as escolas n�o podem reabrir com a ado��o de alguns protocolos", critica Paulo Telles.
Com determinadas medidas, defendem estes m�dicos, � poss�vel reduzir o risco de infec��o tanto para os estudantes quanto para os profissionais que trabalham nestes locais.
Uma vez mais, eles indicam pesquisas que refor�am essa no��o. O Centro de Controle e Preven��o de Doen�as da Europa (ECDC, na sigla em ingl�s) aponta, por exemplo, que as investiga��es de casos em ambientes escolares sugerem que a transmiss�o de crian�a para crian�a n�o � a principal causa de infec��o.
"Se o distanciamento f�sico e medidas de higiene forem aplicadas, � improv�vel que as escolas sejam ambientes de propaga��o mais eficazes do que ambientes de trabalho ou lazer", diz o ECDC.
O �rg�o afirma que a experi�ncia de pa�ses europeus indicam que a reabertura de escolas n�o foi associada ao aumento da transmiss�o do coronav�rus, embora ressalte h� dados conflitantes sobre isso.
"As evid�ncias indicam ser improv�vel que, isoladamente, o fechamento de institui��es educacionais seja uma medida de controle eficaz para reduzir a transmiss�o ou que isso forne�a uma prote��o adicional � sa�de das crian�as", afirma o ECDC.
Taxa de transmiss�o alta favorece surtos
Mas especialistas alertam que surtos podem ocorrer se as escolas forem reabertas enquanto a taxa de transmiss�o do v�rus estiver alta.
Um epis�dio grave ocorreu em uma escola de Jerusal�m, dez dias depois do retorno das aulas presenciais em Israel, em meados de maio. Ao todo, foram infectados 153 alunos e 25 funcion�rios, al�m de 87 parentes e amigos das pessoas afetadas.
Mas, onde a transmiss�o � baixa, a reabertura pode n�o representar um perigo t�o grande, como mostra um estudo sobre a experi�ncia do Estado de Nova Gales do Sul, na Austr�lia.
Entre julho e setembro, 39 casos foram confirmados em 34 escolas. Foram identificadas 3.284 pessoas que entraram em contato com os pacientes, mas apenas 33 casos de transmiss�o foram detectados.
A m� not�cia � que o Brasil atravessa uma crise muito pior do que a situa��o israelense na �poca (e, em rela��o � Austr�lia, nem se fala).
Em maio, Israel tinha cerca de 15 casos di�rios por cada 1 milh�o de habitantes. O taxa brasileira � hoje de 203 casos a cada 1 milh�o de habitantes, considerando a m�dia m�vel de casos.
A taxa de transmiss�o no Brasil medida pelo Imperial College, do Reino Unido, chegou a ficar em 1,30 no final de novembro, o maior �ndice desde maio.
Isso significa que �quela altura 100 pessoas infectadas contaminavam outras 130, o que aponta para uma progress�o em escala geom�trica da pandemia. S� quando o �ndice fica abaixo de 1 � poss�vel dizer que a pandemia est� sob controle.
Atualmente, a taxa � de 1,13, um n�vel ainda considerado alto. Neste contexto, o infectologista H�lio Bacha diz ser invi�vel reabrir as escolas.
"N�o podemos reabrir as escolas s� porque as crian�as costumam ter uma doen�a leve. Vamos expor toda uma comunidade de profissionais da educa��o, porque hoje n�o h� um compromisso das autoridades em garantir as condi��es m�nimas para esse retorno", afirma Bacha.

Alunos e professores correm risco em salas e transporte lotado
A reabertura das escolas s� pode ocorrer quando a epidemia estiver estabilizada, defende o m�dico.
"E tem que negociar como isso vai ocorrer com os professores e outros trabalhadores, porque n�o vai adiantar nada reabrir as escolas se eles n�o forem trabalhar, como aconteceu na It�lia", diz Bacha.
Muitos profissionais de educa��o dizem que n�o se sentem seguros para voltar �s escolas e questionam as condi��es em que isso vai ocorrer.
A deputada Maria Izabel Noronha d� como exemplo a rede p�blica estadual de S�o Paulo para explicar sua obje��o ao retorno programado pelo governo do Estado para fevereiro.
"Existem cerca de mil salas de aula improvisadas, onde a circula��o de ar � ruim. Temos salas lotadas, com 30, 40 alunos por turma. E, desde mar�o, quando as escolas foram fechadas, n�o foram feitas reformas para readequar os ambientes escolares", afirma Noronha, que � professora.
Ela diz ainda que n�o basta garantir a seguran�a das escolas, porque muitos alunos e professores precisa antes chegar at� elas e, para isso, usam o transporte p�blico.
"H� uma lota��o no transporte p�blico que propicia um aumento da transmiss�o. As pessoas v�o se contaminar ali e levar o v�rus para dentro da sala de aula", diz Noronha.
Em an�ncio feito na �ltima quinta (17/12), o governo do Estado de S�o Paulo afirmou que manter� o plano de retorno gradual �s aulas presenciais em 2021, considerando as escolas como servi�o essencial. Em �reas de maior �ndice de cont�gio, o plano prev� que as escolas recebam at� 35% de seus alunos. Nas �reas de baixo cont�gio, de 70% a 100% dos alunos.
"A escola n�o pode mais fechar. Neste momento de pandemia, as fam�lias precisam entender que � cada vez mais fundamental ter seus filhos frequentando a escola, para continuarem a aprendizagem e serem acolhidos em v�rios aspectos, principalmente emocionalmente", afirmou o secret�rio estadual de Educa��o, Rossieli Soares.
No entanto, a opini�o p�blica tem reservas quanto a isso: pesquisa do Datafolha apresentada nesta sexta (18/12) aponta que dois ter�os da popula��o brasileira defende o fechamento de escolas como forma de conter a pandemia.
Um preju�zo que vai al�m da educa��o
Trata-se de uma quest�o urgente, porque o isolamento tem trazido outros preju�zos al�m dos pedag�gicos.
"Tem sido observado um aumento de problemas f�sicos, como obesidade, e tamb�m mentais, como ansiedade, depress�o e dist�rbios psiquit�tricos", diz Luciana Becker Mau.
Uma pesquisa da Unicef, o bra�o da Organiza��o das Na��es Unidas dedicado � inf�ncia, aponta que 54% das fam�lias que moram com pessoas com menos de 18 anos relataram que algum adolescente teve algum sintoma ligado � sa�de mental.
Al�m disso, 55% das fam�lias tiveram uma queda na renda domiciliar, e 8% dos entrevistados disseram que crian�as e adolescentes que moram na mesma casa deixaram de comer por falta de dinheiro para comprar alimentos - a propor��o chegou a 21% nas classes D e E.
E, uma vez que fora das escolas, muitas crian�as e adolescentes n�o est�o estudando, ao menos n�o como deveriam: 52% das fam�lias disseram que os alunos n�o receberam atividades escolares na semana anterior � pesquisa.
A representante da Unicef no Brasil, Florence Bauer, diz que o longo per�odo com escolas fechadas e o isolamento social tem impactado profundamente a aprendizagem, a sa�de mental e a prote��o social de crian�as e adolescentes.
"A Unicef pede urg�ncia aos novos governantes municipais para a reabertura de escolas com seguran�a e a implementa��o de pol�ticas para garantir o direito � educa��o, olhando especialmente para as crian�as e os adolescentes mais vulner�veis, que foram mais duramente impactados pelos efeitos da pandemia no pa�s", diz Bauer.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!