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Estado de Minas

Pandemia de covid-19: o boom de milhares de beb�s no rigoroso lockdown nas Filipinas

Estima-se que mais 214 mil beb�s n�o planejados nascer�o no pr�ximo ano, de acordo com proje��es do Instituto de Popula��o da Universidade das Filipinas e do Fundo de Popula��o das Na��es Unidas (n�o h� estimativas do tipo sobre o Brasil). Essas crian�as nascer�o em hospitais j� sobrecarregados com 1,7 milh�o de nascimentos por ano, em grande parte em fam�lias que lutam para sobreviver.


23/12/2020 10:52

O uso de contraceptivos ainda é tabu em algumas partes das Filipinas, país sobre grande influência da Igreja Católica(foto: TED ALJIBE/AFP)
O uso de contraceptivos ainda � tabu em algumas partes das Filipinas, pa�s sobre grande influ�ncia da Igreja Cat�lica (foto: TED ALJIBE/AFP)

Rovelie Zabala est� gr�vida de seu d�cimo filho.

Enquanto ela fala durante a entrevista � BBC News, essa mulher de 41 anos se inclina em um �ngulo estranho, aproveitando toda a for�a das costas para segurar o nono filho nos bra�os.

"Carl, Jewel, Joyce..." Enquanto Rovelie chama seus filhos, Charlie, de seis anos, lan�a um olhar de desaprova��o para a m�e. "Desculpe, o nome dele � Charlie", diz ela, resignada.

Rovelie teve sete filhos antes de aprender sobre planejamento familiar, mas sua mais recente gravidez foi uma surpresa concebida durante um dos mais r�gidos confinamentos do mundo contra a pandemia de covid-19, um lockdown que contou com soldados patrulhando as ruas em ve�culos blindados, postos de controle da pol�cia restringindo a circula��o das pessoas e apenas um membro da fam�lia sendo liberado para sair a fim de comprar suprimentos.

O lockdown tamb�m significou que centenas de milhares de mulheres n�o puderam acessar os programas de controle de natalidade, resultando em hist�rias de gesta��es n�o planejadas como a de Rovelie que se repetem em todo o pa�s.

Estima-se que mais 214 mil beb�s n�o planejados nascer�o no pr�ximo ano, de acordo com proje��es do Instituto de Popula��o da Universidade das Filipinas e do Fundo de Popula��o das Na��es Unidas (n�o h� estimativas do tipo sobre o Brasil). Essas crian�as nascer�o em hospitais j� sobrecarregados com 1,7 milh�o de nascimentos por ano, em grande parte de fam�lias que lutam para sobreviver.

Progresso perdido

A capital filipina, Manila, � uma cidade em frangalhos, com 13 milh�es de habitantes espremidos entre a ba�a de Manila e a cordilheira de Sierra Madre. Em m�dia, mais de 70 mil pessoas est�o espremidas em cada quil�metro quadrado, segundo dados de 2015.

Manila é uma das cidades mais congestionadas do mundo(foto: AFP)
Manila � uma das cidades mais congestionadas do mundo (foto: AFP)

O pa�s, de tamanho equivalente ao Estado do Rio Grande do Sul, tem cerca de 100 milh�es de habitantes.

O aperto pode ser sentido em todos os lugares, desde os congestionamentos da capital at� as cadeias, onde as pessoas dormem como sardinhas em celas que est�o 300% acima da capacidade.

E s�o os pobres que vivem nas �reas mais superlotadas, onde alguns s�o reduzidos a comer carne roubada de dep�sitos de lixo.

Especialistas afirmam que parte dessa pobreza pode ser associada diretamente � alta taxa de natalidade do pa�s, j� que a pesquisa mostrou uma taxa de fertilidade de quase dois filhos por m�e, de modo que a popula��o n�o est� crescendo nem diminuindo, impulsiona o desenvolvimento de um pa�s ao reduzir o n�mero de pessoas que nasceram na pobreza.

Por outro lado, uma popula��o reduzida recebe uma fatia maior do Or�amento nacional, melhorando o uso sustent�vel dos recursos e as oportunidades de vida para todos.

O governo filipino tamb�m sabe disso. Desde 1960, ele tem trabalhado com certo sucesso para reduzir sua taxa de fertilidade. Embora a popula��o possa ter quase triplicado de 35 milh�es para 110 milh�es hoje, a taxa de filhos por mulher em idade f�rtil caiu de 6,4 em 1969 para 2,75 em 2020.

No entanto, o pa�s teve muito menos sucesso do que a Tail�ndia, na��o do sudeste asi�tico, no mesmo per�odo. O pa�s budista reduziu sua taxa de fertilidade de 5,8 filhos por m�e no final dos anos 1960 para 1,5 em 2020, de acordo com dados da ONU.

Sua taxa de pobreza � agora de 10%, em compara��o com 17% das Filipinas.

Presídios ficaram ainda mais lotados nas Filipinas por causa de política dura contra usuários e traficantes(foto: AFP)
Pres�dios ficaram ainda mais lotados nas Filipinas por causa de pol�tica dura contra usu�rios e traficantes (foto: AFP)

Mas por que a diferen�a? Em parte, pode ser explicada pela atua��o altamente influente da Igreja Cat�lica das Filipinas, que liderou a oposi��o a medidas de contracep��o, encorajando a procria��o com o vers�culo: "Seja fecundo e multiplique-se".

"� claro que vamos nos opor [� contracep��o]", diz � BBC o padre Jerome Secillano, da Confer�ncia dos Bispos Cat�licos das Filipinas.

"Faz parte da doutrina n�o permitir essas chamadas p�lulas reprodutivas... A chamada 'persuas�o moral' existe apenas para lembrar as pessoas sobre os impactos morais, os impactos negativos que isso ter� sobre n�s. Mas ent�o se as pessoas n�o v�o aderir ao nosso chamado, ent�o que assim seja."

De todo modo, as Filipinas estavam no caminho para colocar as coisas sob controle, com Ernesto Pernia, ex-ministro socioecon�mico do presidente Rodrigo Duterte, argumentando que os recentes ganhos na redu��o da pobreza podem ser atribu�dos diretamente � implementa��o mais forte pelo governo da Lei de Sa�de Reprodutiva de 2012 (RHL), que tornou a educa��o sexual e a contracep��o mais acess�veis aos pobres.

A pandemia de covid-19, no entanto, pode acabar com esses avan�os duramente conquistados.

"Perderemos os quatro anos de trabalho no programa", afirma Juan Antonio Perez, diretor executivo da Comiss�o de Popula��o e Desenvolvimento. "Teremos mais gesta��es n�o planejadas. Antes era uma taxa de 3 n�o planejadas em cada 10 gravidezes, e agora pode chegar provavelmente � metade no pr�ximo ano, no pior dos cen�rios."

A f�brica de beb�s

Mulheres grávidas dividem cama no hospital Dr Jose Fabella(foto: BBC)
Mulheres gr�vidas dividem cama no hospital Dr Jose Fabella (foto: BBC)

Os funcion�rios do Hospital M�dico Dr. Jose Fabella Memorial est�o acostumados a lota��es elevadas. Em 2012, o hospital deu � luz at� 120 beb�s por dia, levando � envelhecida maternidade da era colonial americana ser apelidada de "A F�brica de Beb�s".

As coisas melhoraram, com o n�mero caindo para cerca da metade desde que o programa de planejamento familiar foi aprovado em 2012. Mas agora eles est�o se preparando para um "baby boom".

Quando os rep�rteres da BBC entram na 'Ala Um', s�o atingidos por uma cacofonia de beb�s chorando.

O quarto, do tamanho de metade de um campo de futebol, tem fileiras organizadas de camas de solteiro com estrutura de metal, juntas aos pares. Os ventiladores zumbem, praticamente in�teis ante o calor e a umidade. As m�es, com vestidos de parto, m�scaras e protetores faciais, embalam seus rec�m-nascidos.

"No momento, temos cerca de tr�s ou quatro pacientes deitadas em duas camas juntas", diz a m�dica Diana Cajipe. "Infelizmente n�o temos espa�o, muitos mais pacientes vir�o. J� est� muito acima da capacidade m�xima do hospital. Pode chegar a seis ou sete em duas camas juntas."

O coronav�rus n�o est� causando apenas um problema de lota��o: no m�s passado, o hospital teve que fechar temporariamente depois que sete pacientes e uma enfermeira foram infectadas. De perto, n�o � dif�cil perceber a rapidez com que o v�rus se espalha.

A administra��o do hospital espera que um novo pr�dio amplie o espa�o para mais camas, mas, por enquanto, a constru��o continua inacabada.

'Hereges'

N�o h� d�vida aos olhos do ex-ministro Ernesto Pernia de que o custo a longo prazo do baby boom ser� ainda mais "pobreza intergeracional": as pessoas mais pobres dando � luz filhos que o sistema simplesmente n�o consegue apoiar ou dar oportunidades.

Mas a covid-19 tamb�m colocou uma grande press�o sobre um Or�amento nacional j� esgar�ado, o que trar� ainda mais problemas.

Fiéis fazem filas para missa em Manila(foto: AFP)
Fi�is fazem filas para missa em Manila (foto: AFP)

"Precisamos de pelo menos 2 bilh�es de pesos (R$ 215 milh�es) por ano para implementar totalmente o programa de popula��o", disse Pernia. "Mas o or�amento dado � comiss�o de popula��o � cerca de meio bilh�o de pesos (R$ 53 milh�es), quase um quarto do que � necess�rio."

O presidente Duterte � um grande defensor do planejamento familiar, diz Pernia, mas est� "mais focado no combate �s drogas e � corrup��o", aludindo em parte a uma repress�o violenta e sangrenta contra usu�rios e traficantes de drogas.

O programa de sa�de reprodutiva tamb�m teve que enfrentar a��es judiciais de institui��es de caridade aliadas � Igreja Cat�lica, resultando na manuten��o da ilegalidade da p�lula do dia seguinte e em medidas de planejamento familiar negadas a menores de idade, a menos que tenham o consentimento dos pais.

As Filipinas t�m a segunda maior taxa de gravidez na adolesc�ncia no Sudeste Asi�tico, e a pandemia pode fazer com que esse n�mero cres�a 20%, estimam os especialistas.

A Igreja Cat�lica nega as acusa��es sobre seu papel na crise, exortando o governo a fazer mais para lidar com a divis�o entre ricos e pobres do pa�s.

"� sempre bom para esses hereges culpar a Igreja pelas falhas do chamado sistema de sa�de reprodutiva", diz o padre Jerome Secillano. "Com a situa��o que temos agora, o que os preservativos far�o �s pessoas que est�o atoladas na pobreza? O que esses comprimidos far�o �s pessoas que est�o com fome? � uma quest�o de priorizar o que as pessoas realmente precisam agora."

'Preocupa��o n�mero um'

� espera de seu d�cimo filho, Rovelie n�o conhece nada al�m da pobreza de que esses homens falam na reportagem. Ela mora em Baseco, no distrito de Tondo, uma das �reas mais densamente povoadas do mundo.

Mas ela tamb�m conhece a Igreja Cat�lica e seus ensinamentos sobre contracep��o e aborto.

Igreja Católica lidera movimentos contra métodos contraceptivos(foto: AFP)
Igreja Cat�lica lidera movimentos contra m�todos contraceptivos (foto: AFP)

"Quando eu estava gr�vida de apenas um m�s, disse ao meu parceiro que queria abortar porque a vida � dif�cil", ela afirma enquanto concede entrevista sentada na �rea que � frequentemente inundada por um rio f�tido, um dos poucos locais em que � poss�vel encontrar um pouco de paz nesta comunidade movimentada.

"Mas ele disse que poder�amos lidar com isso. Ent�o mantive, em vez de cometer um pecado. E agora j� se passaram quase tr�s meses desde que nos separamos."

Enxugando as l�grimas, Rovelie diz que est� preocupada com as perspectivas de seus filhos. Enquanto a entrevista transcorre, as pessoas do entorno correm enquanto um carro de patrulha da pol�cia percorre uma estrada lamacenta em busca de um traficante. Vender drogas, ressalta Rovelie, � uma das �nicas maneiras de "escapar". Agora que a pandemia de covid-19 levou a economia filipina � recess�o, as oportunidades no pa�s est�o mais escassas do que nunca.

"Essa � minha preocupa��o n�mero um, se ainda posso sustentar a educa��o deles" afirma Rovelie.

"�s vezes, quando fico com raiva e perco a paci�ncia, digo a eles o que aconteceria se eu simplesmente os colocasse para ado��o por pessoas ricas, para que pudessem ter uma educa��o adequada. Mas ent�o digo a mim mesmo que provavelmente consigo seguir em frente."


(foto: BBC)
(foto: BBC)
(foto: BBC)
(foto: BBC)

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