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Estado de Minas

Covid-19: Em meio � desconfian�a, precisamos ser transparentes e honestos sobre as vacinas, diz especialista em imuniza��o dos Estados Unidos

O m�dico Gregory Poland analisa o atual cen�rio da vacina��o contra a pandemia, as vantagens e desvantagens dos produtos j� dispon�veis e como o mundo pode se preparar para enfrentar futuras crises de sa�de p�blica.


05/02/2021 07:13

Se o desenvolvimento das primeiras vacinas contra a covid-19 foi uma conquista hist�rica, a distribui��o das doses de forma igualit�ria entre todo o mundo representa um enorme desafio.

Al�m disso, � essencial que os testes cl�nicos dos novos imunizantes sejam absolutamente rigorosos e controlados para evitar qualquer preju�zo �s campanhas de vacina��o em massa.

Esses s�o alguns dos pontos defendidos pelo m�dico americano Gregory Poland, refer�ncia mundial no estudo das vacinas.

Professor da Cl�nica Mayo, nos Estados Unidos, Poland trabalha com o conceito de "vacin�mica".

Em resumo, seu grupo de pesquisa se debru�a no desenvolvimento de imunizantes personalizados e com caracter�sticas �nicas para atender pessoas que n�o podem tomar as doses j� dispon�veis por causa de alergias ou outras doen�as.

Al�m da atua��o acad�mica, o especialista tamb�m atuou no Comit� de Defesa em Sa�de criado pelo governo George W. Bush em 2007 e foi consultor de epidemiologia das For�as Armadas americanas durante dez anos.

Nesta entrevista para a BBC News Brasil, Poland faz coment�rios sobre o atual est�gio de evolu��o das vacinas contra a covid-19 e como o mundo precisa se organizar para lidar com futuras pandemias.

BBC News Brasil - Que avalia��o o senhor faz sobre o progresso feito com as vacinas contra a covid-19 nos �ltimos meses?

Gregory Poland - � um progresso tremendo, um feito hist�rico sem precedentes na hist�ria da humanidade. Isso � algo magn�fico. N�s sa�mos da descoberta de um novo v�rus causador de uma pandemia para a chegada das primeiras vacinas em menos de um ano. De qualquer maneira que isso seja analisado, � uma conquista humana enorme.

BBC News Brasil - E como foi poss�vel ter essa conquista num espa�o t�o curto de tempo?

Poland - Em certo aspecto, n�s fomos afortunados. O que quero dizer com isso � que estamos lidando com um coronav�rus que n�o � muito diferente daquele que provocou as epidemias de Sars e Mers em 2003 e 2011. Naquele per�odo, as primeiras vacinas de RNA, plataforma usada nos imunizantes criados agora por Pfizer/BioNTech e Moderna, estavam come�ando a ser desenvolvidos. Mas da� essas epidemias foram controladas e essa tecnologia foi colocada na prateleira.

S� que, a partir do fim de 2019, apareceu o novo coronav�rus, o causador da covid-19. Os cientistas ent�o tiraram a tecnologia de RNA da prateleira, que pode ser rapidamente adaptada para o desafio atual.

Os governos e outras institui��es tamb�m colocaram bilh�es de d�lares no desenvolvimento das vacinas, pensando no bem do mundo. Isso certamente acelerou as coisas.

Outro ponto importante foi que as ag�ncias regulat�rias de v�rios pa�ses procuraram conversar com os produtores de vacina para que esse processo fosse o mais eficiente poss�vel. Logicamente n�o pod�amos demorar quatro anos para encontrar uma solu��o para a pandemia.

BBC News Brasil - Falando sobre a tecnologia do RNA, o que as vacinas de Moderna e Pfizer/BioNTech t�m de positivo?

Poland - A primeira vantagem � que elas podem ser desenvolvidas rapidamente a partir de um peda�o do c�digo gen�tico do v�rus. Em segundo lugar, at� agora elas apresentam pouqu�ssimos efeitos colaterais, que na vasta maioria s�o bem leves.

Terceiro, esses imunizantes se mostraram altamente eficazes nas an�lises preliminares. Estamos falando de n�meros acima dos 90%, o que � incr�vel. Por �ltimo, eles podem ser adaptados rapidamente, em quest�o de dias ou poucas semanas, depois que a gente sabe o c�digo gen�tico do v�rus.

Tudo isso permitir� usar essa tecnologia para lidar com v�rias doen�as infecciosas e provavelmente at� em outras �reas da medicina, como no tratamento de alergias ou do c�ncer. � algo que muda paradigmas na ci�ncia.

BBC News Brasil - Mas como que uma vacina de RNA poderia ser utilizada contra o c�ncer ou alergias?

Poland - A tecnologia de RNA pode ser aplicada em qualquer doen�a que gera uma resposta imune. Vamos pegar as alergias como exemplo. Um indiv�duo al�rgico ao amendoim, por exemplo, tem uma rea��o imune ao consumir esse alimento. N�s conseguimos usar ent�o esse princ�pio das vacinas de RNA para prevenir a rea��o al�rgica ou suscitar uma resposta mais branda e menos danosa.

O mesmo vale para o c�ncer. Uma c�lula cancerosa expressa subst�ncias de uma maneira similar ao que acontece numa doen�a infecciosa. Se voc� encontra um elo fraco, uma prote�na em que � poss�vel intervir, voc� consegue atrav�s de um imunizante estimular uma resposta do pr�prio sistema imunol�gico e, assim, atacar o c�ncer.

BBC News Brasil - O senhor citou os pontos positivos da vacina de RNA. Mas quais s�o os negativos?

Poland - O primeiro ponto negativo que vejo � a necessidade de temperaturas muito frias para armazenamento e transporte. Isso aumenta bastante a complexidade log�stica, impacta o custo e abre a possibilidade de que a manipula��o das doses cause estragos ou diminua sua efetividade. Um desafio para a pr�xima gera��o das vacinas de RNA � manter a estabilidade em temperaturas mais altas.

O segundo ponto � que ainda n�o temos dados de seguran�a dessas vacinas no longo prazo. Mas � preciso ter cuidado aqui. No campo da imuniza��o, os efeitos colaterais costumam ocorrer nos primeiros minutos da aplica��o da dose at�, no m�ximo, seis semanas. N�s nunca observamos eventos adversos de vacinas muito depois desse per�odo. E vale destacar que aquelas que est�o sendo aprovadas t�m mais de oito semanas de observa��o nos estudos.

Mesmo assim, n�o sabemos ainda a seguran�a de longo prazo das vacinas de RNA. Precisamos sempre ficar atentos a coisas que a gente nem imagina e podem acontecer um tempo depois.

Ainda n�o sabemos tamb�m se esses imunizantes previnem quadros leves e a transmiss�o da doen�a. Outro ponto que precisamos descobrir � a durabilidade dessa prote��o e se precisaremos de doses de refor�o daqui a algum tempo.

BBC News Brasil - Outra tecnologia que j� est� sendo utilizada � a vacina de vetor viral, que foi adotada nos produtos de AstraZeneca/Universidade de Oxford, Instituto Gamaleya e Johnson & Johnson. Como o senhor avalia essa outra possibilidade?

Poland - Sabemos que as vacinas baseadas nessa tecnologia s�o reatog�nicas, ou seja, levam a uma rea��o do sistema imune. Essa � uma plataforma um pouco mais dif�cil de trabalhar na cria��o de vacinas. Mas por outro lado, em compara��o com os imunizantes de RNA, elas s�o mais baratas e n�o precisam daquela cadeia complexa de frio.

No caso da vacina de AstraZeneca/Universidade de Oxford, aquela hist�ria do erro de aplicar somente meia dose numa parcela dos pacientes dos testes cl�nicos foi um problema que gerou repercuss�es negativas.

BBC News Brasil - A prop�sito, sobre esse epis�dio da meia dose, o que podemos tirar de li��o deste e de outros erros que aconteceram durante os ensaios cl�nicos das vacinas contra a covid-19?

Poland - O primeiro ponto � que nunca � demais ter precau��o. Todos os pequenos passos da vacina devem ser acompanhados com o m�ximo de cuidado. E, quando erros ocorrem, temos obriga��o de perguntar: o que podemos aprender com isso?

No caso da vacina de AstraZeneca/Universidade de Oxford, as doses pela metade resultaram em algo positivo, pois houve uma resposta imune mais forte por motivos que ainda est�o sendo estudados.

Em terceiro lugar, n�s vivemos num mundo em que as pessoas est�o desconfiadas da ci�ncia, das institui��es e dos governos. E, em meio � desconfian�a, precisamos ser radicalmente transparentes e honestos sobre as vacinas.

BBC News Brasil - Outro ponto que gera um intenso debate � o acesso �s vacinas e como os pa�ses mais pobres n�o poder�o iniciar campanhas com rapidez. O que a pandemia nos ensina sobre desigualdade em sa�de?

Poland - O acesso a servi�os de sa�de � um grande problema n�o s� para a covid-19, mas para outras doen�as como mal�ria e males card�acos. E isso tem a ver com a responsabilidade de cada pa�s em desenvolver sua economia de maneira a dar suporte � popula��o. � curioso como em todas as na��es existem pal�cios e carros de luxo para reis e presidentes. Para isso sempre tem dinheiro...

Mas muitos n�o pensam em como usar os recursos financeiros para o bem da pr�pria popula��o. O governo s� existe para prover aquilo que as pessoas n�o conseguem fazer por conta pr�pria. Ent�o esse � o primeiro passo: cada pa�s precisa assumir as suas responsabilidades com a sua pr�pria popula��o.

O segundo ponto envolve a assist�ncia internacional, que precisa ser intermediada por institui��es como o Banco Mundial e a Organiza��o Mundial da Sa�de. S�o esses �rg�os que ajudam a definir quem deve pagar essa conta de forma igualit�ria. � justo tirar dinheiro do Brasil para dar a outro pa�s que optou por n�o desenvolver ou pesquisar vacinas? Como isso � decidido? Quem deve bater esse martelo?

� claro que precisamos de gestos humanit�rios, mas h� um limite do que pode ser feito. A Europa, os Estados Unidos e o Brasil n�o podem suprir a demanda mundial. Por isso que todos os pa�ses e governos precisar�o ter responsabilidade e ajudar de alguma maneira no desenvolvimento de vacinas. Esse racioc�nio vale para a �rea de sa�de, mas se aplica tamb�m a outros setores, como habita��o, educa��o...

BBC News Brasil - N�s j� temos uma s�rie de vacinas contra a covid-19 aprovadas em car�ter emergencial. Faz sentido continuar estudando aquelas que est�o nas fases mais iniciais dos testes cl�nicos?

Poland - Eu penso que sim, por uma s�rie de raz�es. O que n�s queremos s�o vacinas com pre�o baixo, que possam ser estocadas por longos per�odos, que sejam est�veis na temperatura ambiente, que n�o requerem profissionais de sa�de altamente capacitados para aplicar as doses E esses melhoramentos acontecem com a evolu��o das pesquisas.

Fora isso, essas poucas empresas e fabricantes n�o ser�o capazes de suprir toda a demanda mundial.

Por fim, n�s nunca sabemos quais mecanismos de aplica��o e tecnologias surgem desta busca. Pode ser que, a partir dos estudos feitos agora, apare�am inova��es at� para outras doen�as.

BBC News Brasil - Que aprendizados n�s podemos tirar dessa epopeia das vacinas contra a covid-19?

Poland - H� uma frase famosa que diz: "A hist�ria ensina que os governos e as pessoas nunca aprendem com a hist�ria."

Mas eu espero sinceramente que governos e institui��es ao menos invistam mais dinheiro em preven��o biol�gica. Nos �ltimos 20 anos, tr�s coronav�rus diferentes surgiram e causaram epidemias ou pandemias [Sars, em 2003; Mers em 2011 e covid-19 em 2020]. E v�o aparecer outros em breve. E n�o � s� o coronav�rus, h� outros v�rus que preocupam.

Para lidar com essa amea�a, precisamos estar preparados e ter infraestrutura. Necessitamos de financiamento em ci�ncia para desenvolver, estudar e melhorar as vacinas. N�o sabemos quando precisaremos dos imunizantes com rapidez.

A pesquisa, ali�s, pode nos ajudar contra doen�as do presente e do futuro. Quem sabe desses estudos n�o apare�a uma vacina contra o HIV, por exemplo? N�o seria maravilhoso?


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