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Estado de Minas PANDEMIA

Bolsonaro � provavelmente o primeiro l�der pol�tico antivacina da hist�ria

Para o professor franc�s Laurent-Henri Vignaud, presidente do Brasil � exemplo �nico na hist�ria ao dar demonstra��es p�blicas contr�rias � imuniza��o


05/02/2021 08:21 - atualizado 05/02/2021 18:24

Bolsonaro (ao centro) recebe do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (à esquerda), e do personagem Zé Gotinha (à direita) o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19 em evento no dia 16 de dezembro de 2020(foto: Isac Nóbrega/PR)
Bolsonaro (ao centro) recebe do ministro da Sa�de, Eduardo Pazuello (� esquerda), e do personagem Z� Gotinha (� direita) o Plano Nacional de Operacionaliza��o da Vacina��o contra a covid-19 em evento no dia 16 de dezembro de 2020 (foto: Isac N�brega/PR)

O presidente Jair Bolsonaro, � o �nico l�der pol�tico da Hist�ria a desencorajar a vacina��o, afirma o historiador franc�s Laurent-Henri Vignaud, autor do livro Antivax - Resist�ncia �s vacinas do s�culo 18 aos dias de hoje e professor da Universidade de Borgogne.

"� poss�vel que Bolsonaro seja um exemplo �nico. N�o saberia citar outro", disse � BBC News Brasil o historiador, que retra�ou em seu livro a hist�ria dos movimentos antivacinas desde o desenvolvimento do primeiro imunizante, contra a var�ola, realizado pelo m�dico ingl�s Edward Jenner em 1796.


Ap�s uma queda nas pesquisas de opini�o, Bolsonaro mudou o tom de seu discurso em rela��o �s vacinas contra covid-19, mas passou meses, durante a pandemia, fazendo abertamente coment�rios que desestimulavam a imuniza��o criando d�vidas em rela��o a sua efic�cia para combater a COVID-19, que j� matou mais de 226 mil pessoas no pa�s.

Al�m de destacar que a vacina seria perigosa, o presidente brasileiro questionou sua efic�cia em diversas ocasi�es e chegou a criticar a pressa para comprar o imunizante contra o novo coronav�rus. Ele descartou a possibilidade de tom�-lo.

Apesar dos progressos cient�ficos desde as descobertas do ingl�s Jenner e do franc�s Louis Pasteur — que criou no final do s�culo 19 a primeira vacina humana com v�rus atenuado, a anti-r�bica — movimentos contr�rios � imuniza��o perduram e ganharam for�a na atual pandemia.

Vignaud afirma que grupos de teorias conspirat�rias, que n�o se interessavam por discuss�es sobre vacinas, acabaram aproveitando a pandemia para roubar o espa�o de movimentos antivacinas tradicionais para difundir teses delirantes.

Na �poca em que o Instituto Pasteur foi inaugurado, em 1888, em Paris, os antivacinas alegavam que o local era uma "f�brica de v�rus", onde se produziam doen�as.


Esse mesmo tipo de alega��o ressurgiu na pandemia de covid-19, com teorias conspirat�rias que especulam que a doen�a foi inventada para fabricar vacinas que teriam como finalidade controlar ou at� mesmo matar grande parte da popula��o.


Para o historiador, imunizantes com novas tecnologias tamb�m tornam os discursos antivacinas mais populares, j� que h� maior interesse sobre o assunto.


Vignaud afirma tamb�m que os governos devem refletir sobre a necessidade de divulga��o de esclarecimentos sobre as vacinas e que as autoridades mundiais de sa�de "foram completamente ultrapassadas pelo fen�meno de redes sociais, onde n�o se controla mais nada."


O especialista em movimentos antivacina��o afirma que historicamente j� ocorreram epis�dios em que Estados e laborat�rios adaptaram os dados sobre vacinas para embelez�-los. "Isso � catastr�fico. Cada vez que um governo ou laborat�rio dissimula, h� uma enorme perda de confian�a", ressalta.


Vignaud afirma ainda que crises pol�ticas e a desconfian�a em rela��o �s institui��es e discursos de autoridades refletem o grau de aceita��o dos imunizantes. "� poss�vel analisar a crise pol�tica de um pa�s observando a taxa de confian�a nas vacinas."

Segundo ele, "as vacinas s�o v�timas de seu sucesso", j� que quanto mais as doen�as regridem, mais se procura levantar os poucos casos em que h� efeitos colaterais.


H� quem chegue at� mesmo a inutilizar as t�o disputadas doses contra a COVID-19. Nos Estados Unidos, um farmac�utico de um hospital em Wisconsin destruiu propositalmente mais de 500 doses do imunizante da Moderna, deixando os frascos fora da geladeira por horas.

Segundo autoridades federais, o homem, adepto de teorias da conspira��o, achava que as vacinas causariam problemas, tornando as pessoas inf�rteis e tamb�m implantaria microchips em seus corpos.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Laurent-Henri Vignaud:


BBC News Brasil - Durante meses o presidente Jair Bolsonaro adotou um discurso antivacina, desestimulando a imuniza��o contra a covid-19. J� houve na Hist�ria um chefe de Estado abertamente contra a vacina��o em plena pandemia?


Laurent-Henry Vignaud -
� poss�vel que o presidente Bolsonaro seja um exemplo �nico. Eu n�o saberia citar outro l�der espontaneamente. � uma situa��o excepcional, infelizmente para os brasileiros.


Mesmo quem tinha opini�es contra vacinas, ao chegar ao poder passava a defender a imuniza��o. Em termos hist�ricos, o que vimos s�o chefes de Estado e de governo que se engajam a favor das vacinas e que defendem os progressos da medicina e da imuniza��o.

De Napole�o Bonaparte, que quis vacinar suas tropas, ao prefeito de Nova York, nos anos 40, que tomou vacina diante de fot�grafos durante uma epidemia de var�ola na cidade para incentivar os habitantes a fazer o mesmo, em geral os governantes seguiram os discursos pr�-vacina.


Isso ocorreu mesmo em contextos coloniais ou p�s-coloniais, onde os l�deres nacionalistas viam as vacinas como uma medicina de brancos, importada, como no caso da �ndia. Mahatma Gandhi, escreveu, nos anos 20 e 30, textos virulentos contra as vacinas. Quando o territ�rio conquistou a Independ�ncia, em 1947, o pa�s implementou rapidamente campanhas de vacina��o. Nos anos 50 e 60, h� um entusiasmo em rela��o aos avan�os da medicina. Isso fez com que praticamente nenhum l�der dissesse n�o �s vacinas.


Mesmo durante o conflito Leste-Oeste foi assim. Na �poca da Guerra Fria, quando existia o risco de apertar o bot�o nuclear, os pa�ses do Leste aceitavam a entrada de m�dicos de organiza��es humanit�rias ocidentais e da Organiza��o Mundial da Sa�de para realizar campanhas de vacina��o contra a poliomielite e a tuberculose. Esses pa�ses travavam uma disputa contra os Estados Unidos, mas deixavam entrar em seus territ�rios m�dicos americanos para vacinar a popula��o.

BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro chegou a dizer em tom jocoso que as pessoas poderiam ter problemas como virar jacar�, ao comentar poss�veis efeitos colaterais da vacina da Pfizer/BioNTec. � o mesmo tipo de argumento utilizado pelos primeiros movimentos antivacinas h� mais de 200 anos?


Vignaud -
Ele disse isso? � incr�vel. Realmente esse � um discurso contra a vacina muito antigo, do final do s�culo 18. Afirmava-se que o homem se transformaria em animal por causa do imunizante. Caricaturas da �poca da vacina��o contra a var�ola mostravam vacas que sa�am de bra�os humanos e tamb�m vacas que cuspiam pessoas vacinadas.


BBC News Brasil - Esse discurso do presidente brasileiro martelado durante meses pode refor�ar os movimentos antivacina e influenciar a campanha de vacina��o no Brasil?


Vignaud -
A atitude de chefes de Estado � muito importante. H� pessoas indecisas e quando o l�der diz que � isso ou aquilo, eles tendem a seguir. N�o sei se ter� uma influ�ncia sobre a campanha de vacina��o, mas � certo que isso n�o a favorece. H� uma real urg�ncia e os brasileiros est�o traumatizados pelas imagens de sepulturas a perder de vista e de calamidades como em Manaus, al�m da nova variante do v�rus. Acho que isso deve suscitar nos brasileiros uma grande vontade de tomar a vacina.

Os l�deres considerados populistas n�o sa�ram ilesos durante esse ano de pandemia. Penso que o ex-presidente americano, Donald Trump, perdeu as elei��es em parte por causa disso. O primeiro-ministro brit�nico, Boris Johnson, soube se adaptar, mas ser� complicado para ele, sobretudo porque h� uma forte evolu��o da pandemia no pa�s.

Para esse tipo de l�der, a gest�o da urg�ncia � algo complicado. Como geralmente funciona na base de declara��es n�o comprovadas, �s vezes a realidade se imp�e ao discurso simplista.

Agora Bolsonaro mudou o discurso. Eles s�o obrigados a fazer isso porque est�o numa l�gica de seguir a vontade do povo. Se deixarem o povo morrer, como aconteceu com Trump, custa caro em termos pol�ticos.

BBC News Brasil - Diferentemente de Bolsonaro, o ex-presidente americano Donald Trump fez com que a vacina��o contra a covid-19 fosse uma prioridade. J� em mar�o o governo americano anunciou US$ 10 bilh�es na compra de imunizantes...

Vignaud - � verdade. Mas Trump foi contra o uso de m�scaras e contra o confinamento. Ele defendeu rem�dios milagrosos, como a hidroxicloroquina. O que � fascinante nesses l�deres � que eles ziguezagueiam. Bolsonaro talvez ziguezagueie menos e permane�a mais na sua linha dura. Trump apostou tudo na vacina��o

BBC News Brasil - Houve uma grande politiza��o da vacina��o contra a COVID-19 no Brasil, que acabou sendo usada como estrat�gia para as pr�ximas elei��es presidenciais...


Vignaud -
N�o � raro politizar. Pa�ses podem declarar que preferem tal vacina de certo pa�s. A concorr�ncia entre vacinas de diferentes pa�ses � algo frequente. O que � raro � que isso resulte em um verdadeiro discurso contra a vacina por parte do presidente.

BBC News Brasil - Como o discurso de movimentos antivacina evoluiu? H� semelhan�as entre os argumentos utilizados hoje e o que era dito no final dos s�culos 18 e 19, quando surgiram as vacinas contra a var�ola e a raiva?

Vignaud - N�o s�o exatamente os mesmos argumentos, mas as ideias principais s�o retomadas. Entre as teses que fundamentam a desconfian�a em rela��o �s vacinas, h� os princ�pios religiosos: considera-se que a doen�a � um dom divino e que n�o se deve ir contra isso, j� que � Deus quem decide submeter a pessoa a um teste ou aplicar uma puni��o. Outro argumento � a forma laica. Ele consiste em substituir a vontade de Deus pelas leis da natureza. A doen�a, nesse caso, � considerada como algo necess�rio para refor�ar o organismo. A medicina � ent�o vista como algo que n�o � natural. � por essa raz�o que muitos antivacinas afirmam se cuidar com rem�dios homeop�ticos ou plantas, que para eles seriam t�o eficazes quanto os imunizantes.

H� tamb�m teorias pseudocient�ficas que afirmam que as vacinas n�o funcionam ou s�o t�xicas, que elas envenenam porque t�m adjuvantes ou ainda que os micro-organismos n�o s�o respons�veis pelas doen�as, al�m de questionamentos em rela��o a tecnologias, como a do RNA mensageiro (dos laborat�rios Pfizer e Moderna). Pode-se chegar at� a nega��o da dimens�o contagiosa da doen�a. Um quarto argumento que encontramos ao longo da Hist�ria e continua muito presente hoje � o pol�tico. As vacinas s�o praticamente o �nico medicamento que o Estado pode obrigar as pessoas a tomar porque h� necessidade de proteger coletivamente.

BBC News Brasil - O senhor conta que houve uma rebeli�o motivada por essa obrigatoriedade no Brasil...


Vignaud -
Houve a c�lebre revolta da vacina, em 1904, no Rio. Os protestos foram motivados pela campanha de vacina��o contra a var�ola. As pessoas que se rebelam n�o t�m discursos sobre os perigos da vacina, elas se op�em simplesmente porque a lei as obriga a tomar o imunizante. � uma dimens�o da rela��o entre a autoridade do Estado e o direito do cidad�o, a defesa do corpo como algo privado.


BBC News Brasil - Vimos nessa pandemia discursos fant
�sticos sobre as vacinas contra a covid-19, entre eles o de que a imuniza��o serviria para implantar um chip com tecnologia 5G para monitorar a humanidade. As teorias conspirat�rias ganharam mais destaque do que os argumentos hist�ricos desses movimentos...


Vignaud -
Essa dimens�o complotista no movimento antivacina, historicamente, � bem minorit�ria. S�o ultrarradicais que fazem alega��es de que a doen�a foi inventada em laborat�rio e que esses mesmos laborat�rios fabricam uma vacina que s� servem para ganhar dinheiro. Ou, ainda mais grotesco, que a vacina teria a finalidade de matar ou controlar a popula��o.


O que ocorreu na atual pandemia de COVID-19 � que os movimentos conspirat�rios, que passaram a ter visibilidade gra�as �s redes sociais, acabaram engolindo os grupos antivacinas. Os complotistas roubaram o tema das vacinas contra a COVID-19 porque eles viram uma grande oportunidade para difundir suas teses. Em um primeiro momento eles divulgaram teorias de que o v�rus foi fabricado em laborat�rio e, depois, recuperaram a tem�tica antivacina.


Eu acompanho na internet contas de militantes antivacinas e vi aparecer, na pandemia, pessoas que eu nunca tinha ouvido falar e que jamais haviam se expressado sobre o assunto. Elas vinham de grupos de teorias da conspira��o, do tipo QAnon.


BBC News Brasil - Essas teorias conspirat�rias contribu�ram para dar notoriedade aos discursos contra vacinas?

Vignaud - Sim. Acredito que os antivacinas hist�ricos, pensam que a sua tem�tica foi roubada. Acho que os moderados desse movimento n�o apreciam que seus discursos tenham sido deturpados com teorias conspirat�rias, com hip�teses totalmente rid�culas. O que deveria ser discutido, do ponto de vista dos antivacinas tradicionais, � o perigo dos imunizantes, o fato de que os laborat�rios ganham muito dinheiro, entre outros assuntos que eles costumam abordar.


BBC News Brasil - Apesar de todos os progressos cient�ficos realizados desde a primeira vacina, que provaram a efic�cia dos imunizantes, por que os grupos contr�rios � imuniza��o ganham for�a na atual pandemia?


Vignaud -
� certo que o surgimento de novas vacinas, com novas tecnologias, como a RNA mensageiro (Pfizer e Moderna), permite tornar os discursos antivacina populares, j� que todo mundo come�a se interessar pelos imunizantes, quando normalmente n�o � o caso.

Como o mundo est� obcecado pela doen�a e pelas vacinas, inevitavelmente os opositores � vacina��o ganham audi�ncia.

Observamos, na escala hist�rica, que per�odos de guerras e de pandemias n�o representam momentos prop�cios para esses movimentos porque as vacinas suscitam esperan�as. Os generais do Ex�rcito n�o querem, obviamente, que os soldados morram de febre tifoide nos campos de batalha. Durante a Primeira Guerra mundial, os discursos antivacinas eram dificilmente abordados porque eram vistos como antipatri�ticos, j� que havia o risco de perder a guerra por causa de doen�as.


Da mesma forma, quando h� uma epidemia com muitos mortos, uma crise como vemos hoje com a pandemia de COVID-19, h� uma demanda por vacinas em todo o mundo. Todos querem se vacinar e o mais r�pido poss�vel.


BBC News Brasil - Apesar da gravidade da situa��o em v�rios pa�ses, vemos na Fran�a, por exemplo, que 20% dos idosos em casas de repouso, grupo de alto risco, n�o querem se vacinar. Como o senhor explica isso?


Vignaux -
Aceitar uma vacina � equilibrar a balan�a benef�cio-risco. Como � um medicamento, h� sempre o risco de provocar efeitos colaterais, inclusive graves. Se n�o h� doen�a, somente h� o risco.

Antes da pandemia de COVID-19, pa�ses ocidentais, sobretudo ricos, haviam perdido o h�bito de considerar o perigo da doen�a. Ent�o eles veem apenas os riscos da vacina��o. Resumo dessa forma: as vacinas s�o v�timas de seu sucesso. Quanto mais as doen�as regridem, mais se procura criar confus�o, ou seja, levantar os poucos casos onde a aplica��o da vacina provoca efeitos colaterais.


Se compararmos com pa�ses africanos e asi�ticos, onde h� epidemias regularmente, a taxa de confian�a nas vacinas � mais elevada.

BBC News Brasil - A pandemia de covid-19 assola v�rios pa�ses ricos. Isso n�o serviu para reequilibrar essa balan�a benef�cio-risco?

Vignaud - H� outros fatores, como o papel do Estado. H� pessoas que n�o querem que o Estado lhes diga como proceder. Segundo pesquisas, o perfil psicol�gico e sociol�gico das pessoas que se op�em ao uso de m�scaras � exatamente o mesmo dos que s�o contr�rios �s vacinas. H� pessoas que a partir do momento em que o Estado diz que � preciso fazer tal coisa, elas n�o querem. Outros desconfiam de empresas capitalistas. S�o pessoas que querem se curar com plantas.

Essas pessoas existem em todas as �pocas e est�o a� hoje.

A particularidade dessa pandemia � que as vacinas foram desenvolvidas com extrema rapidez, com novas tecnologias no caso dos imunizantes da Pfizer e da Moderna. Tudo isso provoca questionamentos, que podem ser leg�timos. N�o temos ainda recuo suficiente em rela��o �s vacinas com tecnologia RNA. H� indaga��es sobre eventuais efeitos colaterais a longo prazo.


BBC News Brasil - Ap�s o in�cio da campanha de vacina��o contra a covid-19, em v�rios pa�ses, como o Brasil e a Fran�a, h� redu��o no n�mero de pessoas que afirmam n�o querer tomar o imunizante. � uma quest�o de comunica��o, de destacar os benef�cios da vacina?


Vignaud -
H� alguns anos na Fran�a, quando algu�m fazia uma busca no Google para obter informa��es sobre aborto (autorizado no pa�s), a primeira p�gina de resultados era exclusivamente de sites ligados a grupos extremistas e ultra-religiosos, que desencorajavam a pr�tica do aborto. O Minist�rio da Sa�de franc�s percebeu que era preciso trabalhar com os motores de busca e com o governo para que as mulheres tivessem acesso a outras informa��es. Com o movimento antivacinas aconteceu um pouco a mesma coisa.


Os Estados sempre reconheceram a utilidade das vacinas e sempre apoiaram quem desenvolve imunizantes, mas nem sempre tiveram o cuidado de informar, de ser pedag�gico a respeito. Por outro lado, os antivacinas sempre estiveram presentes para fazer propaganda, publicar livros com listas de todos os acidentes identificados e comentar o conte�do de imunizantes que, segundo eles, s�o t�xicos.


Havia um desequil�brio entre a comunica��o contra e a pr�-vacina. Os Estados modernos devem refletir sobre a necessidade de comunicar sobre as vacinas: o que s�o, para que servem, em quais casos devem ser utilizadas...


BBC News Brasil - Esse desequil�brio na comunica��o tem perdurado?


Vignaud -
H� uma recupera��o do atraso, iniciada h� alguns anos, feita pela imprensa, em termos de vulgariza��o das informa��es, principalmente no �ltimo ano, por conta da COVID-19. O problema � que as autoridades mundiais de sa�de foram completamente ultrapassadas pelo fen�meno das redes sociais, onde n�o se controla mais nada. Como � um problema mundial, h� uma press�o mais forte das autoridades, nos �ltimos tempos, sobre as plataformas digitais.


O Facebook suprimiu conte�do antivacina para tentar limitar a difus�o de fake news na �rea da sa�de. Na Fran�a, segundo estat�sticas recentes, mas penso que isso pode se aplicar ao mundo todo, a cada dez not�cias falsas, seis s�o sobre sa�de. Entre essas seis, a metade � sobre vacinas.


BBC News Brasil - As pol�ticas p�blicas t�m sido suficientes para lutar contra a desinforma��o sobre as vacinas?


Vignaud -
� necess�rio que haja informa��es dispon�veis validadas pelas autoridades de sa�de. Mas qual � o efeito disso sobre a opini�o p�blica? Penso que isso n�o mudar� a opini�o dos antivacinas e eles podem se servir das informa��es oficiais para dizer que � propaganda do Estado. Mas isso n�o impede de fazer esse tipo de a��o.


H� pessoas que hesitam ou que realmente procuram informa��es e � preciso que eles obtenham respostas. � o que motiva as campanhas oficiais de comunica��o. Na Fran�a, estranhamente, nada foi feito at� o momento, mas na It�lia h� uma campanha do governo na TV explicando por que as pessoas devem se vacinar.


BBC News Brasil - Houve inicialmente an�ncios confusos sobre a efic�cia da vacina Coronavac e da AstraZeneca/Oxford, que nesse caso tamb�m apresentou erros de dosagem nos testes cl�nicos. Qual pode ser o impacto nessas falhas de comunica��o?


Vignaud -
Desde a origem das vacinas, muitas vezes os Estados e laborat�rios adaptaram as estat�sticas. Faz parte da hist�ria humana n�o ser um cidad�o ing�nuo que engole tudo o que ouve. � preciso ficar atento � seriedade e � credibilidade das informa��es. Em fun��o de certas situa��es, alguns governos podem querer embelezar os n�meros. Isso � catastr�fico. Cada vez que um governo ou um laborat�rio dissimula algo, h� uma perda enorme de confian�a. � desastroso no caso das pessoas que buscam informa��es e n�o podem confiar nos dados oficiais.


Os antivacinas de hoje adoram confus�es com estat�sticas. Na Europa h� discuss�es em rela��o ao caso da Su�cia, que n�o realizou confinamento. Os dados sobre a taxa de mortalidade do pa�s na pandemia s�o analisados de todas as formas. Para um cidad�o comum essas quest�es s�o extremamente t�cnicas. H� um momento em que � preciso acreditar, confiar.


Mas uma parte da opini�o p�blica, na Europa e em outras partes do mundo, n�o est� mais disposta a confiar no discurso das autoridades. Eu digo com frequ�ncia que � poss�vel analisar a crise pol�tica, pa�s por pa�s, observando a taxa de confian�a nas vacinas, que expressa o �ndice de confian�a nos governos e, de maneira mais geral, nas elites, nos cientistas e na imprensa.


H� uma desvaloriza��o do discurso das autoridades. Na Fran�a, pesquisas no in�cio dos 90 indicavam que havia 20%, 30% que n�o confiavam nas vacinas. Em dezembro passado, mais de 50% afirmavam n�o querer tomar a vacina contra a COVID-19. Mas � preciso levar em conta que o imunizante ainda n�o estava dispon�vel. Esse n�mero caiu depois.


BBC News Brasil - A crise de confian�a em rela��o �s institui��es e aos discursos de autoridades refor�a o movimento contra a vacina��o?


Vignaud -
A crise pol�tica deve ser analisada em um contexto mais global, que diz respeito � preocupa��o das pessoas em rela��o ao futuro e a um certo esgotamento nos pa�ses democr�ticos, onde h� dificuldades para mobilizar os eleitores. Isso resulta no aumento das taxas de absten��o nas elei��es.


Pesquisas feitas na pandemia para situar politicamente as pessoas que n�o queriam tomar a vacina contra a COVID-19 revelaram que boa parte havia votado em partidos extremistas, de direita ou de esquerda, e que os abstencionistas representaram o maior �ndice dos que s�o contra o imunizante.

S�o pessoas que n�o se interessam mais pelo sistema democr�tico e n�o veem mais a necessidade de votar (o voto n�o � obrigat�rio na Fran�a). � uma crise geral, que � particularmente forte na Fran�a, mas isso ocorre em outros pa�ses, tamb�m emergentes, como o Brasil, com o fen�meno do populismo.

H� ainda a rela��o, ao longo do tempo, entre o cidad�o e os progressos cient�ficos. N�s vivemos atualmente numa situa��o de ang�stia mundial, tamb�m ligada ao aquecimento global, e isso provoca cr�ticas no que diz respeito � ci�ncia, �s autoridades e aos poderes econ�micos.

BBC News Brasil - Como surgiram e se estruturam os movimentos antivacinas?

Vignaud - O m�dico ingl�s Edward Jenner realizou seu experimento, que resultou na vacina contra a var�ola, em 1796. Alguns m�dicos afirmaram que ele n�o iria funcionar. Houve tamb�m discursos do tipo naturalista, que diziam que a vacina vem da vaca. Isso porque a primeira vacina, que chamamos de vaccinia (a var�ola bovina, em latim), � uma forma atenuada da var�ola bovina que imuniza contra a forma humana da var�ola. Surgiram ent�o alega��es de que o sangue humano estava sendo polu�do com o sangue animal.

Houve tamb�m discursos providencialistas que afirmavam que n�o era bom curar crian�as da var�ola, porque isso resultaria em adultos com problemas de sa�de. Essa era uma tese frequente dos antivacinas em meados do s�culo 19, sobre a degenera��o da ra�a, sobre o enfraquecimento das pessoas por causa do imunizante. Naquela �poca existia apenas uma vacina, a anti-vari�lica.

A partir de meados do s�culo 19 vemos surgir estruturas que combatem as primeiras leis sobre vacinas obrigat�rias. O primeiro pa�s a adotar uma lei desse tipo foi a Inglaterra, em 1853. Ligas come�aram a se formar para combater o princ�pio da obrigatoriedade da vacina.

Hoje n�o existem mais ligas internacionais antivacinas, h� apenas ligas nacionais, em pa�ses como a Fran�a, Estados Unidos, Canad� e Jap�o.


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