*Reportagem atualizada �s 19h30 de quinta-feira (25/2) com a informa��o do adiamento da discuss�o da PEC no Senado
Quem perdeu a fonte de renda na pandemia e est� ansioso para saber quando o governo vai voltar a pagar o aux�lio emergencial para trabalhadores informais talvez esteja confuso com as not�cias mais recentes sobre o assunto.
Afinal, o que tem a ver o aux�lio emergencial com o fim do gasto m�nimo obrigat�rio com sa�de e educa��o? Ou com o repasse de receitas ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social)?
A resposta �: nada. Mas o governo resolveu aproveitar a urg�ncia da retomada do aux�lio em meio � piora da crise sanit�ria para incluir a medida em uma PEC (Proposta de Emenda � Constitui��o) que estava parada no Congresso desde 2019 e que trata de uma s�rie de assuntos complexos e pol�micos.
"Existe um crime no c�digo penal que � o sequestro: a extors�o de um valor em dinheiro, mediante a restri��o da liberdade de algu�m. Me parece, fazendo uma analogia, que est�o extorquindo os pisos da sa�de e educa��o, extorquindo a prote��o social que existe na Constitui��o para os direitos fundamentais, mediante o sequestro do aux�lio emergencial", critica �lida Graziane, procuradora do Minist�rio P�blico de Contas do Estado de S�o Paulo.
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Diante da pol�mica, a expectativa j� era de que a vota��o da PEC Emergencial (PEC 186/2019) no Senado, prevista para quinta-feira (25/02), fosse adiada. No fim da tarde, isso se confirmou: os senadores fizeram acordo para adiar o in�cio da discuss�o para ter�a que vem (2/3).
"Entendo a l�gica do Minist�rio da Economia, porque o ministro Paulo Guedes tem essa proposta da PEC Emergencial desde 2019 e n�o viu oportunidade para ela avan�ar. Agora, como existe essa demanda pelo aux�lio, ele tentou colocar as duas coisas na mesa. O problema � o seguinte: o aux�lio � para ontem", avalia Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Institui��o Fiscal Independente) do Senado Federal.
"A ajuda j� est� atrasada, as pessoas est�o passando fome, � uma situa��o de calamidade efetiva. Ent�o acredito que o que deve acontecer � uma desidrata��o dessa PEC para que o aux�lio seja aprovado com celeridade, pois j� estamos atrasados", prev� o economista.
Entenda a seguir alguns dos principais pontos da PEC Emergencial, que pode viabilizar a retomada do aux�lio para trabalhadores informais.
1) Pagamento do aux�lio emergencial em 2021
O ponto mais relevante da PEC Emergencial no contexto atual � o seu artigo 3�, que permite a retomada do aux�lio emergencial neste ano.

Pela proposta, o pagamento ser� financiado atrav�s de d�vida p�blica e n�o estar� submetido a nenhum dos limites fiscais como o teto de gastos, a regra de ouro e a meta de d�ficit prim�rio.
O teto de gastos impede que a despesa do governo cres�a mais do que a infla��o do ano anterior e a regra de ouro barra que o governo tome d�vida para pagar despesas correntes. J� a meta de resultado prim�rio � um limite estabelecido pelo pr�prio governo para a diferen�a entre suas receitas e despesas. Como desde 2014 os gastos p�blicos t�m superado a arrecada��o, essa meta atualmente � de d�ficit.
No modelo definido pela PEC, o pagamento ser� feito atrav�s um cr�dito extraordin�rio e, por conta disso, o governo n�o vai precisar fazer esse gasto extra caber no Or�amento de 2021, o que exigiria compensa��es, como cortes de outras despesas ou aumento de receita.
"A PEC, no entanto, n�o detalha qual vai ser o tamanho desse programa, o n�mero de benefici�rios, tampouco o prazo", observa Salto, da IFI. Esses par�metros precisar�o ser definidos posteriormente pelo governo e pelo Congresso, atrav�s de medida provis�ria ou projeto de lei.
A IFI estima que um aux�lio de R$ 250, pago por quatro meses, para 45 milh�es de pessoas, teria um custo de R$ 34,2 bilh�es. Se esse mesmo valor for pago por seis meses, para 50 milh�es de benefici�rios, o valor iria a R$ 58,7 bilh�es. Esses valores j� descontam a despesa do Bolsa Fam�lia, j� que os benefici�rios do programa devem receber apenas um complemento.
Em 2020, o aux�lio emergencial passou a vigorar em abril, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para m�es ou pais que cuidassem dos filhos sozinhos. Foram pagas cinco parcelas nesses valores cheios e outras quatro com os valores reduzidos � metade. O benef�cio chegou a ser pago a quase 68 milh�es de pessoas, com custo total de R$ 293,1 bilh�es.
2) Fim do gasto m�nimo com sa�de e educa��o em todas as esferas de governo
Se o ponto mais relevante da PEC Emergencial � o que permite a retomada do aux�lio, o mais pol�mico, sem d�vida, � aquele que prev� a extin��o dos valores m�nimos a serem investidos em educa��o e sa�de.
Na proposta, o relator Marcio Bittar (MDB-AC) argumenta que a medida aumenta "a autonomia dos gestores p�blicos, a fim de que possam atender �s reais necessidades da sociedade, reduzindo amarras que representam desperd�cio dos escassos recursos p�blicos."
Na sa�de, o gasto m�nimo foi introduzido na Constitui��o de 1988, que criou o SUS (Sistema �nico de Sa�de). J� na educa��o, o piso surgiu em 1934, tendo sido revogado duas vezes na hist�ria: em 1937, durante a ditadura do Estado Novo, e em 1967, durante o regime militar.

A procuradora �lida Graziane avalia que a proposta de eliminar os pisos de investimentos em sa�de e educa��o � inconstitucional. Isso porque a Constitui��o de 1988 tem cl�usulas p�treas, que n�o podem ser revogadas. Elas envolvem quatro eixos: o voto secreto universal, peri�dico e livre; o pacto federativo; a separa��o de poderes; e os direitos e garantias individuais.
"A Constitui��o n�o s� previu essas cl�usulas, como garantiu meios de financi�-las", diz Graziane. Para a procuradora, sa�de e educa��o s�o os dois principais direitos sociais que justificam a raz�o de ser do Estado brasileiro.
"Vamos tirar a prote��o de custeio que esse direitos t�m e voltar �quele debate paroquial, balcanizado e varejista todos os anos, discutir se vai financiar escola, se vai financiar posto de sa�de. N�o d�", diz a procuradora. "Os pisos t�m uma dimens�o intertemporal, uma dimens�o de prote��o quer governo entre ou saia, pois esses s�o servi�os p�blicos que n�o podem sofrer problemas de continuidade."
3) Menos recursos para o BNDES
Um outro ponto pol�mico na atual proposta da PEC Emergencial � o que revoga o repasse de 28% das receitas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ao BNDES. A mudan�a j� havia sido tentada durante a reforma da Previd�ncia, mas n�o prosperou naquela ocasi�o.
"A PEC Emergencial quebrar o papel do BNDES de fomento aos investimentos de qualidade no m�dio e longo prazo � outra iniquidade", acredita �lida Graziane.
"O Brasil em 2021 est� mais perto de 1500 do que 1988", diz ela, citando frase de Deborah Duprat, procuradora Federal dos Direitos do Cidad�o, aposentada no ano passado.
"N�o s� mais perto de 1500 do ponto de vista pol�tico, de capitanias heredit�rias e trato paroquial dos recursos p�blicos, mas tamb�m no sentido econ�mico. Estamos muito mais pr�ximos de uma col�nia agroexportadora, do que um pa�s desenvolvido que se organiza em torno da produ��o de conhecimento. O desafio do s�culo 21 que a pandemia revela � que precisamos ter cadeias de tecnologia, de ci�ncia, e n�o s� produzir soja e extrair min�rio."
4) Mecanismos de ajuste fiscal para Uni�o, Estados e munic�pios
O texto da PEC tamb�m prev� a inclus�o, na Constitui��o, de uma s�rie de mecanismos para ajuste fiscal e redu��o do endividamento do governo federal, Estados e munic�pios.
Salto explica que um desses mecanismos visa corrigir um erro de reda��o da regra do teto de gastos, que impede que sejam acionados "gatilhos" para reduzir despesas, quando o gasto ultrapassa determinado limite.

Pela nova regra, quando as despesas obrigat�rias da Uni�o ultrapassarem 95% das despesas prim�rias totais, os gatilhos ser�o acionados. Ficariam vedados, por exemplo, reajustes do sal�rio m�nimo acima da infla��o, aumentos salariais para o funcionalismo, realiza��o de concursos p�blicos, concess�o ou amplia��o de subs�dios fiscais, entre v�rios outros pontos.
Para Estados e munic�pios, a regra � outra. Quando a despesa corrente ficar acima de 85% da receita corrente, os gatilhos poder�o ser acionados. Mas, no caso dos entes subnacionais, isso vai ser opcional, decido pelos prefeitos e governadores.
"N�o � nada trivial, � um novo arcabou�o que est� sendo criado e os impactos fiscais precisam ser bastante discutidos", avalia o diretor-executivo da IFI.
5) Corte de benef�cios tribut�rios
Um outro ponto inclu�do na PEC estabelece que o presidente, em at� seis meses ap�s a promulga��o da proposta, envie ao Congresso um plano de redu��o dos benef�cios fiscais.
Esses benef�cios s�o regimes tribut�rios especiais que isentam ou reduzem o pagamento de impostos com algum objetivo espec�fico. Em 2019, a ren�ncia scal atingiu R$ 348,4 bilh�es, ou 4,8% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo o TCU (Tribunal de Contas da Uni�o). A t�tulo de compara��o, o gasto com o Bolsa Fam�lia naquele ano foi de R$ 32,5 bilh�es.
"� importante que isso entre em algum momento no debate", avalia Salto. "Mas � claro que, junto com todos esses outros assuntos, fica mais dif�cil de avan�ar."
Cr�ticos a esse ponto da proposta destacam que a PEC estabelece benef�cios que n�o podem ser revogados sem que haja mudan�a na Constitui��o, como o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus e a desonera��o da cesta b�sica.
V�rios desses benef�cios tribut�rios t�m sua efici�ncia questionada e estavam na pauta do debate da reforma tribut�ria. Constitucionalizar essas ren�ncias fiscais tornaria mais dif�cil alter�-las no futuro.
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