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Estado de Minas SOLID�O

'Honjok': o que podemos aprender com os sul-coreanos que defendem a solid�o

As 'tribos de um s�' surgiram na Coreia do Sul como tend�ncia contracultural transformada em prop�sito de vida. Exploramos o conceito com a psicoterapeuta Francie Healey, estudiosa do movimento


05/03/2021 09:43 - atualizado 05/03/2021 11:04

Na Coreia do Sul, muitos jovens, especialmente as mulheres, escolheram a solidão como alternativa às normas sociais(foto: Marco Piunti/Getty Images)
Na Coreia do Sul, muitos jovens, especialmente as mulheres, escolheram a solid�o como alternativa �s normas sociais (foto: Marco Piunti/Getty Images)

Depois da alegria, vem a solid�o, segundo escreveu o poeta Mario Benedetti. Mas o que vem depois da solid�o?


O isolamento imposto pela pandemia de coronav�rus est� levando muitas pessoas a uma "epidemia da solid�o", segundo organiza��es como a United Health Foundation e a AARP (dedicada ao bem-estar de pessoas com mais de 50 anos), nos Estados Unidos.

Apesar das dificuldades que estar s� pode trazer, h� tamb�m maneiras construtivas de viver assim, segundo a psicoterapeuta americana Francie Healey.

Um ano antes do in�cio da pandemia, Healey come�ou a pesquisar um fen�meno da Coreia do Sul chamado de "honjok", que significa algo como "tribos de um s�".

A autora do livro Honjok: The Art of Living Alone ("Honjok: a arte de viver sozinho", em tradu��o livre) explica que este movimento nasceu da contracultura. Muitos jovens, especialmente mulheres, decidiram criar sua pr�pria "tribo" — rejeitando os valores coletivistas da sociedade sul-coreana e abra�ando o individualismo emergente para formar "fam�lias" de uma pessoa.

"O honjok � um convite ao desfrutar da solid�o e � reflex�o sobre quem realmente somos, para al�m das normas sociais e culturais estabelecidas", diz a escritora, que estudou 15 pessoas de diferentes idades que praticam o honjok.


Antes da pandemia, psicoterapeuta americana Francie Healey fez uma imersão na contracultura honjok(foto: Francie Healey)
Antes da pandemia, psicoterapeuta americana Francie Healey fez uma imers�o na contracultura honjok (foto: Francie Healey)

Nesta entrevista � BBC News Mundo (o servi�o em espanhol da BBC), a psicoterapeuta mostra como a filosofia dessa tribo pode ajudar, especialmente em tempos de pandemia.

BBC News Mundo - O honjok � pouco conhecido no Ocidente. Quando o descobriu?

Francie Healey - Ouvi o termo honjok pela primeira vez em 2019. Se voc� buscar na internet, ver� que n�o h� muitas informa��es dispon�veis, ent�o resolvi investigar e descobrir o que podemos aprender com ele.

Quando estava fazendo minha pesquisa, a pandemia ainda n�o tinha chegado, mas eu estava intrigada com essas pessoas que buscam dar sentido �s suas vidas atrav�s da solid�o.

Isso come�ou em 2017, como um movimento liderado por jovens sul-coreanos que come�aram a usar a hasghtag #honjok para definir quem eles eram e como viviam, desafiando as press�es sociais historicamente estabelecidas e as normas que os levam a se casar e constituir uma fam�lia.

Essas normas determinam que os homens tenham empregos bem-sucedidos em empresas de prest�gio que lhes permitam sustentar uma fam�lia; e que as mulheres sempre priorizem a fam�lia, por mais que tenham um n�vel alto de forma��o acad�mica ou uma carreira. Elas tamb�m precisam atender �s expectativas dos exigentes padr�es de beleza.

Em resposta � frustra��o com essas fortes press�es sociais e culturais, os honjok escolheram viver sozinhos, encontrando maior liberdade.


Solidão pode ser oportunidade de cultivar de forma mais profunda o mundo interior, defende psicoterapeuta(foto: Getty Images)
Solid�o pode ser oportunidade de cultivar de forma mais profunda o mundo interior, defende psicoterapeuta (foto: Getty Images)

BBC - Pode-se dizer que o honjok � um estilo de vida?

Healey - � mais do que isso... � uma forma de estar no mundo.

"Hon" significa estar sozinho e "jok" � uma tribo, ent�o honjok significa "tribos de um s�".

� um belo conceito porque se traduz em uma decis�o consciente de explorar suas pr�prias prefer�ncias e interesses em profundidade, de cultivar seu verdadeiro mundo interior.

Muitas vezes os honjok s�o rotulados como "solit�rios" — com todas as conota��es negativas que essa palavra carrega.

No entanto, s�o pessoas que tomaram a decis�o consciente de viver sozinhas e de passar o tempo desfrutando de atividades sozinhas. S�o, digamos, solit�rios de sucesso.

Conversando com elas, aprendi que essa solid�o realmente permite que tenham relacionamentos mais frut�feros e positivos com outras pessoas.


Francie Healey escreveu o livro 'Honjok: The Art of Living Alone' ('Honjok: a arte de viver sozinho', em tradução livre)(foto: Libros Cúpula)
Francie Healey escreveu o livro 'Honjok: The Art of Living Alone' ('Honjok: a arte de viver sozinho', em tradu��o livre) (foto: Libros C�pula)

BBC - � interessante que voc� descreva essa solid�o como uma decis�o consciente. O que podemos aprender sobre a solid�o escolhida pelos honjok em tempos de solid�o imposta (pela pandemia)?

Healey - � uma pergunta muito boa para a �poca que vivemos agora.

O National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, tem mostrado que a solid�o causada pelo isolamento social contribui para o aumento de problemas f�sicos e mentais, como depress�o, doen�as card�acas e at� mesmo Alzheimer, al�m de comprometer o sistema imunol�gico. Portanto, estamos passando por uma crise.

Mas estar sozinho n�o � o mesmo que se sentir sozinho. A solid�o pode ser vista como uma oportunidade de realmente estar com n�s mesmos e de explorar onde encontramos sentido em nossas vidas.

Isso nos oferece a oportunidade de trabalhar nossa identidade al�m de como nos relacion�vamos com os outros e interag�amos com o mundo antes da pandemia.

O honjok pode ser uma forma de entender que quando voc� se permite viver com a solid�o, mesmo que seja desconfort�vel no in�cio, voc� cultiva uma autoconsci�ncia mais profunda. Por meio de atividades contemplativas e da curiosidade em rela��o ao seu mundo interior, voc� pode sentir uma verdadeira riqueza espiritual estando com voc� mesmo.

Muitos existencialistas falaram deste convite a conhecer-se que a solid�o nos oferece. Portanto, tudo depende de como a abordamos.

Acredito que devemos ensinar as pessoas a fazer um trabalho interior mais profundo para se encontrarem.

Agora nos sentimos incomodados com a solid�o, mas isso n�o significa que n�o possamos tirar proveito dela para nos sentirmos conectados conosco.

A pandemia nos obrigou a buscar outras maneiras de sermos n�s mesmos, e esta pode ser uma oportunidade de aprender a nos conhecer realmente.


'O honjok é um convite ao desfrutar da solidão e à reflexão sobre quem realmente somos', diz Healey(foto: Insung Jeon/Getty Images)
'O honjok � um convite ao desfrutar da solid�o e � reflex�o sobre quem realmente somos', diz Healey (foto: Insung Jeon/Getty Images)

BBC - Voc� diz que o honjok � a arte de viver na solid�o. De que maneiras espec�ficas podemos aplic�-lo em nossas vidas?

Healey - Uma honjok da Coreia do Sul na faixa dos trinta anos me disse que foi por muito tempo uma pessoa muito soci�vel e extrovertida, mas come�ou a adotar o honjok e teve uma esp�cie de ilumina��o espiritual. Ela passou a praticar atividades de medita��o e t�cnicas de mindfulness e desenvolveu interesses criativos e art�sticos — coisas que ela estava adiando porque tinha outras distra��es.

Pode ser um bom exemplo de como aplicar o honjok em nossa vida.

Recomendo dedicar algum tempo, come�ando com alguns minutos por dia, a coisas t�o simples como prestar aten��o � respira��o, cultivar a criatividade, procurar formas de ativar outras partes do c�rebro, desenvolver h�bitos ou padr�es de comportamento diferentes, que proporcionem mais diversidade para n�s mesmos.

Tamb�m � muito interessante escrever um di�rio, ou simplesmente anotar nossos pensamentos, porque isso nos ajuda a ser reflexivos e a trabalhar a autoconsci�ncia, principalmente quando estamos sofrendo por estresse ou ansiedade.

� importante tratar essas atividades n�o como lazer, mas como algo t�o urgente quanto outras coisas que fazemos na vida.

Entrevistei pessoas honjok que descobriram ser mais fortes, solid�rios e bondosos do que pensavam ao viajar sozinhos ou passar um tempo sozinhos na natureza. O impacto para o despertar dos nossos sentidos pode ser enorme.

Me senti muito privilegiada por conhecer essas pessoas e suas hist�rias, o que me ajudou a afastar meus pr�prios preconceitos.

As pessoas com quem conversei tinham orgulho de levar a vida desta forma e estavam dispostas a aproveitar ao m�ximo a oportunidade de viver sozinhas.

BBC - Estamos falando de pessoas que moram na Coreia do Sul, mas existem "honjok" em outras partes do mundo?

Healey - Bem, mesmo que n�o se denominem como honjok, � certamente uma tend�ncia crescente que estamos vendo em outras partes do mundo, n�o apenas na Coreia do Sul.

Na Su�cia, cerca de 40% dos lares s�o compostos por uma �nica pessoa.

Nos Estados Unidos, estima-se que haja 28% dos lares com uma �nica pessoa.

No Jap�o e em outras partes do mundo, mais e mais pessoas est�o escolhendo a sologamia (casar-se com si mesmo).

S�o distintas "tribos de um", e eu diria que elas v�o aumentar.


Muitas mulheres escolheram seguir o honjok como forma de libertação, relata Healey em seu livro(foto: Getty Images)
Muitas mulheres escolheram seguir o honjok como forma de liberta��o, relata Healey em seu livro (foto: Getty Images)

BBC - Voc� diz em seu livro que "estar sozinho na vida requer coragem". Por que temos tanto medo da solid�o?

Healey - Acho que temos muito medo de ficar sozinhos porque nos assusta a possibilidade de n�o gostar do que podemos descobrir. � um ajuste de contas com as partes dentro de n�s onde nos sentimos insuficientes.

Quando estamos em comunidade, no mundo, podemos pensar que somos as atividades que neles desenvolvemos; que nossa identidade � nosso trabalho, o dinheiro que ganhamos ou o que fazemos com ele.

� preciso muita coragem para desmontar tudo isso e descobrir o que est� por tr�s. � preciso coragem para enfrentar o desconforto de estar conosco e arriscar sentir a vulnerabilidade de n�o gostarmos de tudo o que vemos — para ent�o reconhecer que existem alguns vazios em n�s que devemos cultivar mais.

Por isso � corajoso estar conosco e com nossa verdadeira identidade.

Quando voc� reconhece isso e cultiva a toler�ncia, atrav�s de pequenas mudan�as positivas ao longo do tempo, pode descobrir a riqueza de sua pr�pria ess�ncia. Essa descoberta permite estar mais conectado, definir melhor seus limites e aceitar a si mesmo.

� uma parte de n�s que temos que trabalhar muito, e que os honjok priorizaram.

BBC News Mundo - Voc� tamb�m escreve em seu livro sobre a liga��o entre solid�o e autoestima, e a import�ncia de "fazer amizade conosco". Qual � a conex�o?

Healey - Tenho um consult�rio particular de psicoterapia e o foco principal do meu trabalho � a autoavalia��o.

O que tenho visto em meu trabalho, e tamb�m no processo de escrever este livro, � que quando come�amos a cultivar a autoestima e o autoconhecimento, podemos lidar melhor com a desola��o que a solid�o nos causa inicialmente — e a pandemia pode nos ajudar, pois nossa maneira de nos relacionar com o mundo e conosco mudou.

Ent�o, chegamos a um ponto em que nos sentimos confort�veis em estar com n�s mesmos.

Vejo a solid�o, ou melhor, a solitude, que � um termo mais amplo e positivo, como uma forma de construir e cultivar nossa autoestima.

� nela que podemos ver quais s�o os nossos verdadeiros valores, qual � o nosso eu aut�ntico e o que realmente nos motiva. Isso nos permite fazer as perguntas certas, descobrir quais s�o nossos talentos �nicos e como queremos us�-los no mundo e em nossa comunidade.

Estar sozinho pode nos levar a buscar maneiras de ser mais assertivos, criativos e conscientes.

Trata-se de cultivar um estado de esp�rito que nasce da curiosidade de nos descobrirmos, no qual nos tornamos l�deres de nossas pr�prias vidas e recuperamos o controle.

� por isso que o honjok �, afinal, uma busca para retornar � nossa pr�pria ess�ncia.


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