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Estado de Minas

Demiss�o de Ernesto Ara�jo: fim de uma gest�o sem precedentes na diplomacia brasileira

A gest�o de Ara�jo foi marcada n�o s� por um distanciamento em rela��o a posi��es hist�ricas do pa�s no xadrez global, mas tamb�m por uma redefini��o sobre quais atores internacionais seriam considerados aliados priorit�rios.


29/03/2021 23:32 - atualizado 29/03/2021 23:32

Ernesto Araújo fazia parte do setor mais ideológico do governo(foto: Raylson Ribeiro/MRE)
Ernesto Ara�jo fazia parte do setor mais ideol�gico do governo (foto: Raylson Ribeiro/MRE)
Depois de dois anos e tr�s meses que representaram mudan�as sem precedentes em d�cadas de diplomacia brasileira, o per�odo de Ernesto Ara�jo como chanceler do Brasil chegou ao fim nesta segunda-feira, 29/3. Ernesto pediu demiss�o ap�s resistir por uma semana a intensas press�es pol�ticas tanto do Congresso Nacional quanto dentro da pr�pria Institui��o que dirigia, o Itamaraty.

 

Ara�jo ser� substitu�do pelo tamb�m diplomata Carlos Alberto Fran�a, segundo confirmou o Pal�cio do Planalto no in�cio da noite.

 

Ara�jo compartilhou no Twitter, na noite de segunda-feira, a carta de demiss�o que disse ter apresentado a Bolsonaro — a quem o ex-chanceler se referiu como "querido chefe". No texto, Ara�jo afirmou que, em seu mandato, lutou contra "correntes frontalmente adversas" no Itamaraty, e que nas �ltimas semanas foi submetido a uma "situa��o imposs�vel": "Ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hip�crita, a servi�o de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atua��o prejudicaria a obten��o de vacinas."

 

A gest�o de Ara�jo foi marcada n�o s� por um distanciamento em rela��o a posi��es hist�ricas do pa�s no xadrez global, mas tamb�m por uma redefini��o sobre quais atores internacionais seriam considerados aliados priorit�rios.

  

Na vis�o de dezenas de embaixadores ouvidos pela BBC News Brasil ao longo dos �ltimos meses, Ara�jo subordinou a agenda das rela��es internacionais �s pautas ideol�gicas caras ao eleitorado de Jair Bolsonaro no plano dom�stico, o que acarretou, em �ltima inst�ncia, custos ao pa�s que culminaram com sua sa�da.

 

H�, no entanto, amplo ceticismo no Minist�rio das Rela��es Exteriores sobre o real impacto da sa�da de Ernesto Ara�jo no futuro das rela��es diplom�ticas brasileiras. Disc�pulo do escritor Olavo de Carvalho, Ara�jo tinha rela��o simbi�tica com um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, frequentemente considerado muito influente na atual postura internacional do Brasil.

 

Para muitos embaixadores e analistas, Ara�jo seria o mensageiro das ideias que, no limite, provinham do pr�prio Pal�cio do Planalto, e n�o o formulador do que seria uma diplomacia bolsonarista.

A gest�o Ernesto Ara�jo

Hist�rica aliada de pa�ses em desenvolvimento e de organismos multilaterais, como a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), a diplomacia brasileira sob Ara�jo passou a atacar esses instrumentos, que segundo o chanceler seriam uma face do que ele chamava de "globalismo", "est�gio preparat�rio para o comunismo", em oposi��o ao nacionalismo que prezava.

 

Sa�ram de cena coopera��es estreitas com os vizinhos do Mercosul, com pa�ses africanos ou mesmo com o bloco dos emergentes BRICS, composto por Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul, e entraram em jogo alinhamentos aos posicionamentos dos Estados Unidos, sob o comando do ent�o presidente republicano Donald Trump, e Israel, sob a batuta do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ambos s�o expoentes de uma direita conservadora e populista com a qual o governo Bolsonaro se empenhou em estreitar la�os.

 

Ainda em f�runs internacionais, o Brasil alterou sua postura de mediador de conflitos entre diferentes pa�ses e passou a assumir posi��es mais diretas - muitas vezes pol�micas e minorit�rias -, em rela��o a temas em que antes era um interlocutor respeitado (como na quest�o dos direitos humanos) ou mesmo uma refer�ncia (como em medidas contra o aquecimento global).

 

A prop�sito da defesa de liberdades religiosas e valores da fam�lia, se alinhou a pa�ses como Ar�bia Saudita contra a promo��o de a��es em favor da educa��o sexual e de igualdade de g�nero. Os diplomatas brasileiros foram orientados a substituir o termo "g�nero" por "sexo" em suas manifesta��es, o que seria uma forma de combater a chamada "ideologia de g�nero".

 

Nos EUA, Ernesto Ara�jo afirmou em mais de uma ocasi�o que as mudan�as clim�ticas eram na verdade "alarmismo" para retirar soberania do Brasil sobre a Amaz�nia, enquanto repercutia no mundo as not�cias de queimadas e desmatamento nos biomas brasileiros. "Qual o maior desafio que nossa civiliza��o enfrenta? Algumas pessoas dir�o 'mudan�as clim�ticas' e isso absolutamente n�o � verdade", afirmou Ara�jo, em setembro de 2019, em palestra em Washington.

 

Na Assembleia Geral da ONU no ano passado, Bolsonaro disse que press�es internacionais contra o desmatamento derivavam de "brutal campanha de desinforma��o contra o Brasil" e responsabilizou os povos ind�genas pelas queimadas, apesar pesquisadores da Universidade da Calif�rnia terem mostrado, no ano passado, que as �reas demarcadas costumam ser menos desmatadas. A postura se alinhava com o que preconizava o ent�o presidente americano Donald Trump, que havia retirado os EUA do Acordo de Paris.

 

Contrariando seu hist�rico n�o intervencionista, o governo brasileiro se expressou abertamente sobre prefer�ncias eleitorais em pa�ses com interesses estrat�gicos. Foi assim na Argentina, onde apoiou o candidato Maur�cio Macri, derrotado pelo peronista Alberto Fern�ndez. Foi assim nos EUA, onde apoiou Donald Trump e chegou a falar em fraude eleitoral antes de reconhecer a vit�ria do democrata Joe Biden. Foi assim na Bol�via, onde expressou simpatia pela direita de Luis Fernando Camacho, mas quem levou a presid�ncia foi o candidato de Evo Morales, Luis Arce.

 

O chanceler tamb�m atacou abertamente a China, maior parceiro comercial do Brasil, em diversas postagens de Twitter. Ao fazer uma analogia entre o novo coronav�rus e o que chamou de "comunav�rus", um suposto plano chin�s para implementar sua ideologia comunista globalmente por meio de medidas contra a covid-19 tomadas pela OMS.

 

Ainda no tema da pandemia, o Brasil n�o apoiou a quebra de patente de vacinas contra a covid-19, proposta pela �ndia na Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC) no ano passado, colocando-se ao lado do interesse dos americanos e demais pa�ses ricos e contrariando lideran�a hist�rica do pa�s no tema, conquistado com a quebra de patentes do coquetel anti-HIV/AIDS nos anos 2000.

 

E entrou no Covax, o cons�rcio da OMS pelo desenvolvimento e distribui��o global de vacinas, apenas com a cota m�nima, de 42 milh�es de doses de vacinas. Segundo a revista �poca, esse montante poderia ter ido a zero j� que originalmente o chanceler, cr�tico da OMS, n�o pretendia ser parte do Covax e teria sido dissuadido pela embaixadora Nazareth Farani.


Ernesto sofreu pressão do Congresso para sair(foto: Ricardo Moraes/Reuters)
Ernesto sofreu press�o do Congresso para sair (foto: Ricardo Moraes/Reuters)

A tempestade perfeita do chanceler

 

Em conjunto, as a��es do Brasil no exterior provocaram uma tempestade perfeita. O Acordo Mercosul-Uni�o Europeia, assinado ainda no in�cio da gest�o Bolsonaro, teve sua implementa��o interrompida por alegadas preocupa��es dos europeus com a pol�tica ambiental do Brasil.

 

O meio ambiente tamb�m se tornou ponto priorit�rio do novo governo americano sob Joe Biden, que substituiu o principal aliado de Bolsonaro na Casa Branca. O Brasil passou a ser pressionado a se comprometer com metas ambiciosas para conserva��o ambiental e redu��o das emiss�es de gases estufa.

 

Diante dos desgastes de rela��es acumulados nos �ltimos meses, EUA, China e �ndia n�o demonstraram grande disposi��o de ajudar o Brasil a aumentar seus estoques de vacina e de insumos para fabrica��o de imunizantes quando isso se tornou urgente, a partir de fevereiro. Tanto no caso da China quanto da �ndia, houve atrasos e dificuldade na libera��o de doses e insumos. J� os EUA anunciaram que liberariam 4 milh�es de doses do imunizante AstraZeneca-Oxford, hoje sem uso no pa�s, para M�xico e Canad�, mas n�o se posicionaram pela venda de vacinas ao Brasil, apesar da recomenda��o para tal da pr�pria comunidade acad�mica do pa�s.

 

E a crise sanit�ria da covid se tornou tamb�m uma crise de imagem para o pa�s, at� ent�o uma refer�ncia em sa�de p�blica gra�as ao Sistema �nico de Sa�de. No �ltimo fim de semana, os tr�s mais importantes jornais dos EUA publicavam reportagens sobre o que chamavam de "colapso previs�vel" do Brasil. No domingo, o chefe da consultoria Eurasia Group, Ian Bremmer, destacou em suas redes sociais que um em cada tr�s mortos por covid-19 no �ltimo s�bado estava no Brasil. "Pior gest�o da epidemia - de longe - em qualquer grande economia", disse Bremmer.


Base aliada do governo via Ernesto Araújo como empecilho para governo Bolsonaro superar crise política e sanitária(foto: Agência Brasil)
Base aliada do governo via Ernesto Ara�jo como empecilho para governo Bolsonaro superar crise pol�tica e sanit�ria (foto: Ag�ncia Brasil)

Os estertores de Ara�jo

� nesse contexto que a condi��o de Ernesto Ara�jo, considerada "insustent�vel" dentro do Itamaraty h� meses, chega ao limite. Diante do diagn�stico de que a pol�tica do Planalto em rela��o � pandemia era um equ�voco e poderia custar caro �s suas pretens�es eleitorais futuras, o Congresso passou a pressionar pela sa�da dos auxiliares de Bolsonaro que representavam a fonte do que o presidente da C�mara, Arthur Lira (PP-AL), qualificou como "erros prim�rios" de gest�o. O primeiro a ser desalojado da cadeira foi o general Eduardo Pazuello, at� ent�o ministro da Sa�de.

 

Na sequ�ncia, as aten��es dos parlamentares se voltaram a Ara�jo. "N�s tivemos muitos erros no enfrentamento dessa pandemia e um deles foi o n�o estabelecimento de uma rela��o diplom�tica de produtividade com diversos pa�ses que poderiam ser colaboradores nesse momento agudo de crise que temos no Brasil. Ent�o ainda est� em tempo de mudar para poder salvar vida", afirmou Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, na �ltima quinta, 25/3.

 

A declara��o foi feita um dia depois de Ara�jo ter falhado em explicar suas a��es no combate � pandemia no Senado. Mais de dez senadores pediram abertamente que ele se demitisse, em uma situa��o considerada no Itamaraty como de "humilha��o sem precedentes para um chanceler". Na mesma sess�o em que Ara�jo chegou a ser chamado de "office boy de luxo", Filipe G. Martins, assessor internacional da presid�ncia com grande ascend�ncia sobre Ara�jo, fez um gesto considerado obsceno e racista aos senadores.

 

Depois do epis�dio, a sa�da de Ara�jo do posto passou a ser considerada apenas uma quest�o de (pouco) tempo tempor�ria. Entre senadores, a percep��o era de que Bolsonaro tentaria mant�-lo ainda por mais alguns dias, para n�o admitir fraqueza diante do Congresso e para viabilizar uma sa�da honrosa para um de seus ministros preferidos. Diante da incerteza, um grupo de 300 diplomatas do Itamaraty fez circular uma carta cr�tica a Ara�jo, iniciativa considerada in�dita pelo tom e o tamanho da mobiliza��o em um �rg�o de servidores disciplinados e respeitosos da hierarquia.

 

"Nos �ltimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompat�veis com os princ�pios constitucionais e at� mesmo os c�digos mais elementares da pr�tica diplom�tica. O Itamaraty enfrenta aguda crise or�ament�ria e uma s�rie numerosa de incidentes diplom�ticos, com graves preju�zos para as rela��es internacionais e a imagem do Brasil", dizia a carta, revelada pela Folha de S.Paulo.

 

A comunica��o expunha que Ara�jo j� n�o contava com apoio consistente dentro do �rg�o que dirigia e n�o s� por quest�es ideol�gicas. No come�o do ano, embaixadas e consulados tiveram dificuldades de pagar contas b�sicas - como luz e �gua - por falta de aprova��o do or�amento do �rg�o. A gest�o de recursos humanos e financeiros foi considerada "ca�tica" por um embaixador ouvido pela BBC News Brasil que enfrentou dificuldades em quitar o aluguel do pr�dio onde funciona a reparti��o no exterior que comanda.

 

Mas foi o pr�prio Ara�jo quem precipitou o fim de seu per�odo � frente do Minist�rio das Rela��es Exteriores com um tu�te publicado na tarde de domingo, 29/3. "Em 4/3 recebi a Senadora K�tia Abreu para almo�ar no Minist�rio de Rela��es Exteriores. Conversa cort�s. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, � mesa, disse: 'Ministro, se o senhor fizer um gesto em rela��o ao 5G, ser� o rei do Senado. 'N�o fiz gesto algum", diz o post.

 

Abreu reagiu com indigna��o � sugest�o de que ela teria tentando operar lobby em favor dos chineses no certame da rede 5G brasileira, e negou que isso tenha acontecido. Chamou Ara�jo de marginal e cobrou sua imediata demiss�o, no que contou com o endosso de seus colegas senadores.

 

Ainda sem posto definido, Ara�jo, que � funcion�rio de carreira e sempre foi considerado pelos pares uma figura discreta e de pouco brilho dentro do Itamaraty deve submergir na estrutura do �rg�o. A menos que a experi�ncia de ministro o tenha convertido definitivamente de diplomata em pol�tico.


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