
Segundo especialistas em direito do trabalho, sem que haja decreto determinando lockdown em vigor, n�o h� ilegalidade em empresas exigirem o trabalho presencial, mesmo no caso de atividades n�o essenciais.
No entanto, expedientes como amea�ar cortar o sal�rio de quem ficar em casa s�o considerados abusivos.
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Na avalia��o dos entrevistados, falta sensibilidade a esses patr�es para preservar o bem comum e a sa�de de funcion�rios, j� que a redu��o de circula��o de trabalhadores n�o essenciais � considerada fundamental para diminuir a transmiss�o do v�rus.
"A hist�ria das rela��es de trabalho no Brasil � muito marcada pelo autoritarismo. O que, na sociologia do trabalho, chamamos de 'despotismo gerencial' ou 'despotismo empresarial', que � a ideia de que o trabalho � um ativo como outro qualquer, que pode eventualmente ser sacrificado", afirma Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de S�o Paulo) e especialista em sociologia do trabalho.
"O trabalhador n�o � visto como uma vida humana que deva ser protegida, mas como um instrumento para obten��o de algum tipo de retorno."

'Eles falaram que n�o ia ningu�m trabalhar de casa'
A BBC News Brasil conversou com um trabalhador que est� passando por essa situa��o. Funcion�rio h� quatro anos de uma produtora de v�deo no interior de S�o Paulo, ele pediu para ter seu nome preservado.
"Na semana passada, a chefia fez uma reuni�o com todos os funcion�rios. Somos 20 e poucas pessoas. Eles chamaram todo mundo e falaram que, mesmo com as restri��es, n�o ia ningu�m trabalhar de casa", conta o trabalhador.
"Disseram que quem n�o se sentisse confort�vel podia ir embora para casa, mas n�o ia receber sal�rio", relata, acrescentando que todos teriam a possibilidade de trabalhar � dist�ncia, j� que disp�em de notebooks e celulares fornecidos pela empresa.
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"Todo t�m a possibilidade [de trabalhar de casa], mas os chefes acham que n�o funciona. Para eles, um funcion�rio em casa � um funcion�rio que n�o est� trabalhando", diz.
Assim, todos os funcion�rios da produtora de v�deo seguem trabalhando presencialmente, mesmo em meio � fase emergencial do Plano S�o Paulo de combate � pandemia, que desde 15 de mar�o estabeleceu uma s�rie de restri��es para atividades n�o essenciais.
Mar�o � o m�s mais letal da pandemia em S�o Paulo. No domingo (28/03), a m�dia di�ria de mortes no Estado foi a maior desde o surgimento do novo coronav�rus: 633 �bitos.
O Estado tem 31 mil pacientes internados em hospitais p�blicos e privados: 18.305 em enfermarias e 12.911 em UTIs.
Na cidade onde fica a produtora, o boletim da Secretaria Municipal de Sa�de indicava na semana passada que a ocupa��o dos leitos de UTI superava 80% em todos os hospitais da cidade. Em um deles, chegava a 100%.
"Eu vou para o trabalho a p�, porque para mim � perto. Mas tem gente que vai de �nibus ou de Uber e at� quem more em outra cidade e pega �nibus intermunicipal para vir", conta.
"Trabalhamos com uma m�dia de quatro pessoas por sala. Na �rea comercial, as pessoas trabalham em baias, separadas apenas por uma reparti��o. Na produ��o, trabalha todo mundo junto, ent�o n�o tem como manter um distanciamento m�nimo", acrescenta.
Segundo o funcion�rio, a decis�o dos s�cios da empresa de impedir o trabalho em home office nesse ano teve origem na experi�ncia do ano passado.
"L� em 2020, eles suspenderam o contrato de boa parte dos funcion�rios. Ainda assim, queriam que o pessoal trabalhasse, mesmo com os contratos suspensos.
O pessoal se recusou e hoje eles acham que home office n�o funciona por causa disso."
Prefeitura de Crici�ma
Casos como esse n�o est�o acontecendo apenas no setor privado.
Na semana passada, o prefeito de Crici�ma (SC), Cl�sio Salvaro (PSDB), decretou o que chamou de "lockdown volunt�rio". Pela decis�o, os servidores municipais podem se afastar das atividades no per�odo da pandemia, desde que renunciem ao sal�rio.
"N�o quer vir trabalhar? N�o tem problema. Quer se cuidar? �timo, vai ficar em casa, mas n�o vai receber sal�rio", afirmou Salvaro, em v�deo publicado em seu perfil no Twitter.
"� muito f�cil pedir lockdown quando a geladeira est� cheia e o sal�rio est� garantido. Ent�o estou decretando lockdown na prefeitura, s� que � volunt�rio, facultativo. Quer lockdown? Vai ter lockdown, s� n�o vai ter sal�rio."
Lockdown n�o remunerado na prefeitura. %uD83D%uDC47%uD83C%uDFFB#ClesioSalvaro #Criciuma #SantaCatarina pic.twitter.com/bqvteHnKfj
— Cl�sio Salvaro (@ClesioSalvaro) March 17, 2021
Segundo o site da Prefeitura de Crici�ma, 100% dos leitos de UTI da cidade est�o ocupados.
De acordo com o boletim epidemiol�gico do governo do Estado de Santa Catarina, na segunda-feira (22), 57 pacientes aguardavam na fila por um leito de UTI no munic�pio.
A iniciativa do prefeito de Crici�ma foi celebrada por Salim Mattar, que foi secret�rio especial de Desestatiza��o e Privatiza��o do Minist�rio da Economia at� agosto do ano passado, e � fundador da locadora de ve�culos Localiza.
"Parab�ns ao prefeito de Crici�ma, Cl�sio Salvaro, pela coragem de enfrentar o establishment e decretar que o servidor que quiser aderir ao lockdown ter� de abrir m�o do sal�rio", escreveu Mattar em sua conta no Twitter.
Parab�ns ao prefeito de Crici�ma, Cl�sio Salvaro, pela coragem de enfrentar o establishment e decretar que o servidor que quiser aderir ao lockdown ter� de abrir m�o do sal�rio. “� muito f�cil pedir lockdown com a geladeira cheia e o sal�rio garantido”, disse o prefeito.
— Salim Mattar (@salimmattarBR) March 18, 2021
O que diz a legisla��o trabalhista
Segundo Ricardo Calcini, advogado e professor de direito do trabalho, se n�o h� lockdown decretado no munic�pio, n�o � ilegal uma empresa exigir dos seus funcion�rios que trabalhem presencialmente.
"Se n�o h� nenhum tipo de justificativa pela qual a pessoa n�o poderia prestar o servi�o presencialmente, como ser de grupo de risco ou ter alguma comorbidade, n�o cabe ao funcion�rio escolher trabalhar em casa. Quem define se a pessoa fica em casa ou n�o � a empresa, n�o � o funcion�rio, ainda que o servi�o possa ser prestado de forma remota."
Calcini avalia, por�m, que n�o h� previs�o legal para o trabalhador abrir m�o do sal�rio e ficar em casa, seja no setor privado ou p�blico.
"N�o existe essa possibilidade de o funcion�rio, seja no setor p�blico ou privado, renunciar a algo que n�o � pass�vel de disposi��o", diz Calcini.
"Na �rea trabalhista, os direitos que est�o previstos principalmente no artigo 7º da Constitui��o Federal s�o direitos que a jurisprud�ncia entende que n�o s�o pass�veis de disponibilidade. � o tal 'patamar civilizat�rio m�nimo', ou seja, o m�nimo que o trabalhador tem direito e a isso ele n�o pode renunciar", afirma.

'Responsabilidade social deveria prevalecer'
Para a ju�za Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associa��o Nacional dos Magistrados da Justi�a do Trabalho), ao exigir a continuidade do trabalho presencial em meio ao agravamento da pandemia, a empresa se exp�e a risco jur�dico.
"Com o recrudescimento da pandemia, n�o estando a empresa inserida em atividade essencial, independentemente da quest�o do lockdown, reza a prud�ncia que a empresa deveria estar nesse momento se preocupando com a sa�de e seguran�a dos seus trabalhadores", avalia a ju�za.
"At� em favor da produtividade, porque adoecimento e contamina��o de trabalhadores agridem a produtividade, ao gerar absente�smo", afirma.
"Al�m disso, a empresa se exp�e a risco jur�dico, pois em uma situa��o pand�mica, em uma atividade n�o essencial, usando do discurso abusivo de 'se voc� ficar em casa, eu desconto o sal�rio', se o trabalhador vai trabalhar e se contamina em raz�o disso, ou de alguma regra de seguran�a que a empresa n�o observou, ele pode considerar ter se contaminado em raz�o do comportamento do empregador e exigir repara��o civil."
Na avalia��o da presidente da Anamatra, falta sensibilidade aos empregadores que exigem o trabalho presencial de trabalhadores n�o essenciais na atual conjuntura da pandemia.
"O empregador, seja ele do setor privado ou p�blico, deveria ter a sensibilidade nesse momento de compreender que o distanciamento social e possibilitar o teletrabalho quando poss�vel � a atitude mais respons�vel, socialmente falando, para que todos n�s possamos sair dessa situa��o", avalia a magistrada.
"Independentemente do que est� escrito num artigo de lei, o que deveria prevalecer nesse momento � a postura de responsabilidade social."
Na contram�o do mercado
Ruy Braga, da USP, observa que os empregadores que n�o permitem aos seus funcion�rios trabalhar � dist�ncia na pandemia, quando isso � poss�vel, est�o na contram�o da tend�ncia observada no �ltimo ano.
"O teletrabalho, no caso do trabalho de escrit�rio, tem sido utilizado com muito sucesso nesse �ltimo per�odo", diz o soci�logo.
"� um expediente que as empresas t�m utilizado inclusive para cortar custos, porque os escrit�rios deixam de consumir internet, energia, �gua, e assim por diante. E, normalmente, esses custos, que seriam custos empresariais, s�o transferidos aos trabalhadores, sem nenhum tipo de �nus para a empresa."
O soci�logo destaca que muitas empresas est�o preferindo fechar seus escrit�rios, para reduzir custos com aluguel, e migrando exclusivamente para o home office ou para um sistema misto entre presencial e � dist�ncia.
"O que me causa espanto � que esse gerente ou esse empres�rio est� optando por lan�ar m�o de um expediente autorit�rio, desp�tico [ao amea�ar cortar o sal�rio do funcion�rio que fizer home office], mas que vai na contracorrente do que tem sido feito nas cidades, com bons resultados em termos de produtividade do trabalho."

Trabalho remoto e desigualdade
Braga destaca que o expediente do home office amplia o fosso entre trabalhadores de maior e menor renda, j� que s�o as atividades mais bem remuneradas que no geral t�m a possibilidade de serem exercidas � dist�ncia.
Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada), com base em dados da pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), mostrou que, em novembro, os trabalhadores que faziam trabalho remoto no pa�s somavam 7,3 milh�es.
Apesar de representarem 9,1% da popula��o ocupada, esses trabalhadores respondiam por 17,4% da massa de rendimentos efetivamente gerada naquele m�s - a massa de rendimentos � a soma de todos os sal�rios.
Ainda conforme o estudo, a maioria das pessoas que realizavam trabalho remoto em novembro eram empregadas no setor formal, com n�vel superior completo, 65% delas se classificavam como brancas e 58% moravam na regi�o Sudeste.
Mesmo com esse car�ter de ampliar a desigualdade entre trabalhadores, o trabalho remoto na conjuntura atual � ben�fico at� mesmo para os trabalhadores que n�o podem recorrer a ele, avalia Braga.
Isso porque ele reduz a circula��o nas cidades, diminu�do o risco de transmiss�o do v�rus para a sociedade como um todo.
"Neste momento, com o descontrole catastr�fico do v�rus e da pandemia, � dever das empresas preservar a vida dos seus trabalhadores, mas tamb�m dos cidad�os e das cidades", diz Braga. "Fazer com que as pessoas possam trabalhar remotamente hoje, para al�m dos benef�cios econ�micos de eleva��o de produtividade e redu��o de custos nas empresas, tem evidente impacto sanit�rio."
"N�o adotar esse tipo de estrat�gia � um crime", opina o professor. "Voc� podendo adotar e n�o adotando significa que voc� est� contribuindo para que a pandemia se espalhe ainda mais."
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O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.Como se prevenir?
A recomenda��o � evitar aglomera��es, ficar longe de quem apresenta sintomas de infec��o respirat�ria, lavar as m�os com frequ�ncia, tossir com o antebra�o em frente � boca e frequentemente fazer o uso de �gua e sab�o para lavar as m�os ou �lcool em gel ap�s ter contato com superf�cies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.Quais os sintomas do coronav�rus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas g�stricos
- Diarreia
Em casos graves, as v�timas apresentam:
- Pneumonia
- S�ndrome respirat�ria aguda severa
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V�deo explica por que voc� deve 'aprender a tossir'
Mitos e verdades sobre o v�rus
Nas redes sociais, a propaga��o da COVID-19 espalhou tamb�m boatos sobre como o v�rus Sars-CoV-2 � transmitido. E outras d�vidas foram surgindo: O �lcool em gel � capaz de matar o v�rus? O coronav�rus � letal em um n�vel preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar v�rias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS n�o teria condi��es de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um m�dico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronav�rus.Para saber mais sobre o coronav�rus, leia tamb�m:
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