
*Atualizada em 30/3
A troca de comando das For�as Armadas nesta ter�a-feira (30/3) e a demiss�o do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, nessa segunda trouxeram de volta ao notici�rio os momentos em que o presidente Jair Bolsonaro levantou publicamente a ideia de declarar um Estado de Defesa, no ano passado, e citou o Estado de S�tio, na semana passada.
A demiss�o sum�ria de Azevedo tem sido atribu�da a desaven�as entre o ministro em rela��o � possibilidade de decreta��o de um Estado de Defesa em meio � crise sanit�ria e � queda de popularidade do presidente diante de sua resposta � pandemia.
Na sexta-feira (19/3), ele entrou com uma a��o no Supremo Tribunal Federal (STF) em que compara as medidas criadas pelos governadores para conter a pandemia com Estado de S�tio, uma situa��o excepcional prevista pela Constitui��o.
A a��o foi, inclusive, o principal motivo de desaven�a com o Advogado-Geral da Uni�o Jos� Levi, que tamb�m foi substitu�do na segunda. Levi se recusou a assinar o pedido ao STF, que foi entregue � corte com a assinatura do pr�prio Bolsonaro.
N�o � a primeira vez que o presidente faz esse tipo de compara��o.
"Aqui, no Distrito Federal, toma-se medida por decreto, de Estado de S�tio. Das 22h �s 5h, ningu�m pode andar", afirmou Bolsonaro na quinta-feira (11) em refer�ncia ao toque de recolher no DF.
Mas segundo a Constitui��o Federal e juristas ouvidos pela BBC News Brasil, o lockdown e as medidas contra a pandemia n�o s�o de forma alguma equipar�veis ao Estado de S�tio.
"S�o coisas completamente diferentes, que n�o t�m rela��o alguma", diz Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administra��o p�blica pela Funda��o Getulio Vargas de S�o Paulo.
Entenda o que � estado de defesa, estado de s�tio e como os termos t�m sido usados por Bolsonaro.
O que � Estado de S�tio
O Estado de S�tio � uma situa��o excepcional prevista pela Constitui��o, explica Vera Chemim, para a defesa interna do pa�s em caso de instabilidade institucional devido a crise pol�tica, militar ou de calamidade natural, como um desastre ambiental de grandes propor��es.
Para que ele seja decretado pelo presidente da Rep�blica � preciso que exista uma s�rie de condi��es espec�ficas e a decreta��o precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Em um estado de s�tio, a Constitui��o prev� a possibilidade uma s�rie de restri��es, explica o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo, especialista em direito p�blico.
Bolsonaro, diz Corbo, tenta comparar as duas situa��es porque o toque de recolher, ou seja, a restri��o de circula��o em certos hor�rios, � uma medida que tamb�m pode acontecer durante um Estado de S�tio.
"Mas o Estado de S�tio n�o � s� a restri��o de circula��o, ele estabelece uma s�rie de limita��es de direito fundamental, uma s�rie de medidas que n�o se confundem em nada com o combate � pandemia", explica Corbo.
Durante um Estado de S�tio, o governo pode estabelecer intercepta��o de comunica��es, controle da imprensa, proibi��o de reuni�es de grupos de pessoas, deten��o e busca e apreens�o sem autoriza��o judicial e requisi��o de bens de particulares.
"S�o medidas excepcionais pensadas para situa��es em que h� necessidade de defesa interna, quando h� instabilidade institucional por causa de uma crise militar ou pol�tica", explica Vera Chemim.

J� as medidas para conter a pandemia decretadas em alguns estados, como fechamento do com�rcio e toque de recolher, s�o uma resposta a uma crise sanit�ria e de sa�de p�blica.
"Ou seja, s�o situa��es de natureza diferente", afirma. "As medidas de um estado de s�tio n�o s�o adequadas para o combate � pandemia."
Al�m disso, h� uma diferen�a central entre as medidas de combate � pandemia de COVID-19 e um Estado de S�tio: as consequ�ncias para quem desrespeita as determina��es do poder p�blico s�o completamente distintas.
Corbo explica que os decretos que estabelecem medidas de combate � pandemia t�m natureza administrativa, ou seja, se algu�m desrespeitar o fechamento do comercial ou o toque de recolher, a consequ�ncia principal � uma multa.
"Em uma situa��o de Estado de S�tio, o desrespeito �s regras pode levar inclusive � deten��o. Mas ningu�m vai ser preso por desrespeitar o hor�rio de fechamento do com�rcio", explica Corbo.
No Estado de S�tio, a Constitui��o prev� inclusive a possibilidade de o governo usar as for�as de seguran�a para impor as restri��es estabelecidas.
"Isso n�o vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown n�o existe essa previs�o", afirma.
Corbo explica que existem algumas situa��es em que a pol�cia poderia deter algu�m, se suas a��es se enquadrassem no art. 268 do c�digo penal, que diz que � crime infringir medida do poder p�blico destinada � prote��o da sa�de.
"Mas � algo v�lido para situa��es pontuais, em que houve um crime, e que n�o t�m nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de s�tio", afirma.
Condi��es para o estado de s�tio e para medidas de lockdown
Os juristas explicam que as medidas de combate � pandemia sendo tomadas nos estados s�o amparadas pela Constitui��o em diversos momentos.
Chemin explica que Constitui��o determina que cuidar da sa�de coletiva da popula��o � uma compet�ncia compartilhada por todos os entes federativos - Uni�o, estados e munic�pios.
"A Constitui��o determina que o Estado tem o poder e o dever de agir para garantir o direito � sa�de. E em uma crise sanit�ria de grandes propor��es como a que vivemos, e com a situa��o se agravando, ela ampara a restri��o de circula��o para prote��o da sa�de", afirma Chemim.
Nenhum direito fundamental � absoluto, explica Chemin, e no caso em quest�o o direito � sa�de se sobrep�e ao direito de livre circula��o .
Al�m disso, a possibilidade de medidas restritivas � tamb�m � prevista pela lei 13.979, que trata do combate � pandemia, sancionada pelo pr�prio presidente Jair Bolsonaro em 2020.
O Supremo Tribunal Federal tamb�m j� determinou que estados e munic�pios t�m total compet�ncia para adotar medidas restritivas no combate � pandemia, desde que estejam amparadas por autoridade sanit�ria e m�dicas de car�ter nacional e internacional e atendam aos princ�pios de proporcionalidade e razoabilidade.
A OMS e diversas entidades m�dicas se posicionam, desde o in�cio da pandemia, no sentido de que medidas de isolamento social e quarentena s�o adequadas e recomendadas para o combate � grave crise sanit�ria que vivemos.
J� a decreta��o de um Estado de S�tio — cujas restri��es v�o muito al�m da circula��o — exige condi��es que n�o est�o presentes no momento no pa�s, explica Wallace Corbo.
Uma das condi��es em que o Estado de S�tio � previsto � em situa��o de guerra ou amea�a de um inimigo internacional.
Outra � a exist�ncia de uma como��o grave, de repercuss�o nacional — mas antes do Estado de S�tio, � preciso que tenha sido decretado um Estado de Defesa e que ele n�o tenha sido capaz de resolver o problema.
O Estado de Defesa � uma etapa anterior ao de S�tio, e s� pode ser decretado em locais restritos e determinados — e n�o no pa�s todo —, pelo prazo de 30 dias, quando houver amea�a � ordem p�blica ou paz social "amea�adas por grave e iminente instabilidade institucional" ou "calamidade de grande propor��o".
Em tese, uma pandemia pode se encaixar no conceito de "calamidade de grande propor��o", mas apenas se as restri��es estabelecidas pelo instrumento tivessem utilidade no combate � pandemia em quest�o.
E o momento atual n�o � o caso, segundo leitura de Corbo, Chemim e an�lises j� feitas por ministros do STF como Marco Aur�lio de Mello e Gilmar Mendes.
"Como o governo j� podem decretar medidas de combate � pandemia que j� s�o previstas e muito adequadas, como o fechamento do com�rcio, o toque de recolher, o aux�lio emergencial etc., n�o h� necessidade nem seria justific�vel a ado��o de medidas extremas como um Estado de Defesa e muito menos um Estado de S�tio", afirma Chemim.
"J� temos previs�o legal de outras medidas mais adequadas para a crise de sa�de. N�o � preciso chegar em um n�vel t�o grave, com medidas t�o extremas, em um momento em que as institui��es j� est�o t�o fr�geis", defende Corbo.
Para Corbo, � preocupante a tentativa do presidente de comparar as medidas de combate � pandemia decretadas pelos estados com o Estado de S�tio.
"Com essa a��o no STF o que ele tenta fazer �, por um lado afastar a responsabilidade dele pelo estado de crise e, por outro, legitimar a atua��o dele caso queira no futuro decretar um estado de s�tio para conter cr�ticas e conter a oposi��o", afirma. "Por isso � importante que o poder legislativo e o judici�rio contenham esse tipo de atitude se ela vier a acontecer."
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