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Estado de Minas

Massacre de Realengo: os 10 anos do ataque a escola que deixou 12 mortos e chocou o Brasil

Um ex-aluno de um col�gio p�blico no Rio, movido pelo ressentimento criado por anos de bullying, abriu fogo contra os estudantes, executando muitos a queima roupa. Dez das v�timas eram meninas.


06/04/2021 20:36 - atualizado 06/04/2021 20:36

Diversas homenagens foram feitas às crianças assassinadas(foto: Tânia Rego/Ag. Brasil)
Diversas homenagens foram feitas �s crian�as assassinadas (foto: T�nia Rego/Ag. Brasil)
Professora, engenheira e atleta ol�mpica. Atriz, militar e jogador de futebol. Modelo, veterin�ria e t�cnico em Inform�tica. Esses eram alguns dos sonhos das 12 crian�as mortas no dia 7 de abril de 2011, no crime b�rbaro que ficou conhecido como o Massacre de Realengo.

 

Todas elas, com idades entre 13 e 15 anos, eram estudantes da Escola Municipal Tasso da Silveira, o bairro de Realengo, na Zona Norte do Rio.

�s 8h15 daquela quinta-feira, um ex-aluno, Wellington Menezes de Oliveira, ent�o com 23 anos, parou diante do port�o da escola, se apresentou como palestrante e entrou.

 

Em comemora��o aos seus 40 anos, a Tasso da Silveira estava recebendo ex-alunos para falar sobre suas vidas fora do ambiente escolar. Na mochila, Wellington levava dois rev�lveres. Pelas duas armas, pagou R$ 1.460.

 

Dentro do col�gio, ele pediu uma c�pia de seu hist�rico escolar na secretaria, cumprimentou uma antiga professora de Literatura com um beijo na testa e subiu para o segundo andar, onde invadiu uma sala da 8ª s�rie.

 

Ali, cerca de 40 alunos assistiam a uma aula de Portugu�s. Wellington come�ou a atirar. Segundo os sobreviventes, ele mirava na cabe�a das meninas e no corpo dos meninos. Todos foram disparados � queima-roupa.

 

Enquanto recarregava as armas, o assassino invadiu uma segunda sala, em frente � primeira, e recome�ou o massacre.

 

Muitos alunos, ao ouvirem os tiros, sa�ram de suas salas e correram, assustados, para o terceiro e o quarto andares. Na fuga, muitos ca�ram e foram pisoteados.

Alguns professores montaram barricadas na porta de suas salas com mesas e carteiras e mandaram os estudantes para o fundo da classe.

 

Mesmo ferido no rosto, no ombro e em uma das m�os, Allan Mendes da Silva, de 13 anos, conseguiu escapar e pedir socorro a tr�s PMs que faziam uma blitz a 200 metros dali.

 

O primeiro a chegar foi o sargento M�rcio Alexandre Alves, de 38 anos. O atirador se preparava para subir para o terceiro andar quando ouviu o oficial gritar: "Larga a arma. � a pol�cia!".

 

Wellington chegou a apontar a arma em sua dire��o, mas n�o disparou. Foi atingido com um tiro de fuzil na barriga. Ca�do no ch�o, ele atirou na pr�pria cabe�a.

 

Em carta, o criminoso disse ter sido v�tima de bullying na escola. O delegado Felipe Ettore descartou a hip�tese de ele fazer parte de grupos extremistas. Para o ent�o titular da Divis�o de Homic�dios (DH), Wellington agiu sozinho.

O massacre terminou por volta das 8h30, com 12 crian�as mortas e outras 12 feridas.


Adriana Silveira ao lado de sua filha, Luiza, assassinada aos 15 anos pelo atirador de Realengo. Ela fundou a associação dos Anjos de Realengo para lutar por mais segurança nas escolas(foto: Acervo pessoal)
Adriana Silveira ao lado de sua filha, Luiza, assassinada aos 15 anos pelo atirador de Realengo. Ela fundou a associa��o dos Anjos de Realengo para lutar por mais seguran�a nas escolas (foto: Acervo pessoal)

Do luto � luta

Das 12 crian�as mortas, 10 eram meninas. A estudante Luiza Paula da Silveira Machado, de 14 anos, foi uma delas.

 

"De t�o terr�vel, at� hoje, n�o sei o nome que eu dou para o que aconteceu naquela manh�. Quando soube da morte da Lu, foi como se v�rios pr�dios tivessem desabado sobre minha cabe�a", se recorda Adriana Silveira, de 50 anos, a m�e de Luiza.

 

Para sobreviver � morte de sua ca�ula, Adriana fundou a associa��o Os Anjos de Realengo, que re�ne familiares das v�timas da trag�dia. Tamb�m lan�ou um livro, Meu Anjo Luiza (2016), e passou a dar palestras sobre preven��o de viol�ncia nas escolas para pais e alunos.

 

"O bullying � um monstro que precisa ser enfrentado. Ele existe, � real e vive dentro de nossas escolas. O Massacre de Realengo n�o pode cair no esquecimento. Lembrar � reagir. Esquecer � permitir", diz ela.

 

Em 2015, um memorial com esculturas em bronze de onze das doze crian�as mortas foi inaugurado bem ao lado da Tasso da Silveira. A fam�lia de uma das v�timas n�o permitiu que sua imagem fosse reproduzida.


Thayane ficou paraplégica com os tiros que levou no ataque e teve que aprender a conviver com o preconceito e as dificuldades de ser cadeirante(foto: Arquivo pessoal)
Thayane ficou parapl�gica com os tiros que levou no ataque e teve que aprender a conviver com o preconceito e as dificuldades de ser cadeirante (foto: Arquivo pessoal)

Dos 62 tiros disparados pelo assassino, quatro atingiram Thayane Tavares Monteiro, de 13 anos. E ela s� n�o levou mais porque fingiu que estava morta.

Com o fim dos disparos, Thayane tentou levantar, mas n�o conseguiu. Uma das balas tinha se alojado em sua coluna. Estava parapl�gica.

 

"Entrei na escola andando e sa� de l� com uma les�o na medula. Na �poca, senti muita raiva. Fiquei revoltada mesmo. Tive que reaprender a viver", avalia.

 

Depois de passar 68 dias hospitalizada, Thayane voltou � Tasso da Silveira para concluir o ensino fundamental. De l� para c�, descobriu um novo hobbie: a canoagem. Hoje, cursa Direito e sonha, um dia, prestar concurso para ju�za.

 

"H� quatro anos, luto pelo direito de ter um tratamento digno. Tive que gastar parte da indeniza��o que ganhei para custear minha recupera��o em S�o Paulo.

 

� muito bizarro. Nada disso seria necess�rio se crian�as estivessem seguras em sala de aula", desabafa.

Segunda chance

O Massacre de Realengo marcou a vida n�o somente de quem estudava na Tasso da Silveira ou de quem tinha filhos matriculados l�, mas, tamb�m, de quem cobriu a trag�dia.

 

A rep�rter Daniela Kopsch, que trabalhava na revista Capricho, foi uma das dezenas de jornalistas mandadas ao local. Ao chegar, se deparou com in�meros profissionais — de m�dicos a policiais — segurando o choro.

 

"Naquela manh�, como todo mundo, fui pega de surpresa. Ningu�m acreditava que aquilo pudesse ter acontecido. Foi um trauma coletivo", recorda a jornalista, hoje com 34 anos.

 

Em 2019, Daniela resolveu tornar o que viu, ouviu e apurou no livro de fic��o, O Pior Dia de Todos. Duas das muitas sobreviventes, Larissa e Liliane, foram transformadas em personagens, Malu e Nat�lia.

 

As duas estudantes aproveitaram o momento em que o atirador recarregou as armas para fugirem, de m�os dadas. Encontraram abrigo na casa de uma vizinha, onde se esconderam debaixo da cama.

 

"Acesso a armas, culto � viol�ncia, misoginia e cultura do feminic�dio. Esses foram os elementos que tornaram poss�vel o Massacre de Realengo. Apesar de doloroso, n�o podemos esquec�-lo", avisa Daniela.

 

Fonte de inspira��o para uma das protagonistas do livro, Liliane Santos, hoje com 23 anos, ganhou uma c�pia de presente da autora quando participou de um ato ecum�nico na Tasso da Silveira em abril de 2019.

 

"Foi sofrido, sim, relembrar o que aconteceu. Mas, por outro lado, me encheu de esperan�a para continuar correndo atr�s dos meus sonhos", conta.

 

Atualmente, ela estuda Enfermagem e trabalha em um escrit�rio de Direito. Nas horas vagas, gosta de ler, fazer trabalhos volunt�rios e viajar.

 

"Apesar de todos os medos e traumas, quero fazer valer a pena o fato de ter recebido a oportunidade de ainda estar aqui", emociona-se.

 

Ela e Larissa nunca mais se viram. As duas amigas perderam o contato depois de conclui o ensino fundamental.


Allan levou diversos tiros no Massacre de Realengo, mas conseguiu fugir(foto: Arquivo pessoal)
Allan levou diversos tiros no Massacre de Realengo, mas conseguiu fugir (foto: Arquivo pessoal)

Feminic�dio em massa

Se depender do jornalista Vagner Fernandes e da cineasta Bianca Lenti, o Massacre de Realengo n�o ser� esquecido. Os dois trabalham em projetos para manter viva a mem�ria das doze crian�as assassinadas.

 

Fernandes est� escrevendo o livro O Massacre de Realengo: A Trag�dia que Abalou o Brasil, previsto para ser publicado no segundo semestre, e Bianca aguarda a libera��o dos recursos para a s�rie documental As Meninas de Realengo, com previs�o de estreia para 2022.

 

"O que acontece dentro de um col�gio p�blico n�o � responsabilidade apenas de professores, coordenadores acad�micos e diretores. Mas, de um Estado que n�o se compromete e n�o oferece os instrumentos necess�rios para que esses profissionais auxiliem os alunos na constru��o da cidadania", afirma Fernandes.

 

Quando crian�a, ele estudou em duas escolas p�blicas de Realengo, onde ocorreu a trag�dia. "Tem sido desafiador ouvir os depoimentos de pais e familiares que, mesmo ap�s dez anos, sofrem e vive um luto c�clico a cada 7 de abril".

 

Foi lendo o livro de Daniela que Bianca teve a ideia de dirigir uma s�rie sobre o feminic�dio em massa que ocorreu naquele dia.

 

Ao pesquisar sobre a trag�dia, a cineasta ficou impactada ao saber que o assassino miravana cabe�a das meninas que ele considerava bonitas e de quem se ressentia por ter sido "menosprezado" sexual e afetivamente.

 

Para ela, o atirador de Realengo � um dos primeiros exemplos de "incels" ("celibat�rios involunt�rios") conhecidos no Brasil. O termo faz alus�o aos jovens que t�m dificuldade de socializa��o com o sexo oposto e direcionam �s mulheres discursos violentos de �dio.

 

"Hoje, h� espa�o para quem valoriza, incentiva ou planeja crimes contra mulheres em comunidades virtuais na internet: os chamados 'chans' da deep web", diz Bianca.

 

"No mais famoso 'chan' do Brasil, um dos temas mais recorrentes � a 'feminiza��o' da sociedade. Os homens estariam sendo relegados a posi��es socialmente inferiores. Dentro dos 'chans', membros que se disp�em a chegar �s vias de fato, cometendo crimes de �dio, s�o enaltecidos e viram 'sanctus'. N�o � toa, o atirador de Realengo � considerado um �dolo pelos usu�rios desses f�runs de discuss�o", explica a cineasta.

Realengo, nunca mais!

Quem tamb�m teve a vida impactada pelo Massacre de Realengo foi a educadora Claudia Costin. No dia, "um dos mais tristes" de sua vida, a ent�o secretaria de Educa��o do Rio estava nos Estados Unidos para uma palestra.

 

Quando soube do epis�dio, voltou na mesma hora. Do aeroporto, seguiu direto para a escola.

 

"Conversei com pais, educadores e funcion�rios. Todos ficaram muito traumatizados. Para ajudar a cicatrizar essa dor, reformamos a escola. Demos um aspecto diferente � institui��o".

 

� �poca, a Prefeitura do Rio prestou homenagem �s v�timas batizando doze creches da cidade com seus nomes.

 

Passados dez anos, Claudia lamenta que um ex-aluno da Tasso da Silveira (o atirador estudou l� de 1999 a 2002) tenha permanecido desacompanhado dentro da escola.

 

T�o importante quanto investir na cria��o de protocolos de seguran�a, diz, � estimular a forma��o de docentes e gestores como mediadores de conflitos.

 

"� importante construir uma conviv�ncia pac�fica dentro do ambiente escolar.

Mas, se houver conflitos, que eles sejam resolvidos na base do di�logo, de maneira saud�vel e respeitosa. O que n�o podemos permitir � que outros massacres se repitam no Brasil. Realengo, nunca mais!"


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