Enquanto grande parte do mundo v� uma diminui��o no n�mero de casos e mortes por covid-19, o Brasil vive seu maior pico na pandemia e responde hoje por um em cada tr�s mortos pelo novo coronav�rus no mundo.
"Todos reconhecem que h� uma situa��o muito grave no Brasil", afirmou o m�dico americano Anthony Fauci em entrevista exclusiva � BBC News Brasil.
- Esc�ndalo sexual amea�a um dos principais herdeiros pol�ticos de Donald Trump
- Quando o mundo todo estar� vacinado contra a covid-19?
Fauci � um dos olhares preocupados que a situa��o sanit�ria do pa�s atraiu.
L�der da for�a-tarefa contra a pandemia nos Estados Unidos, o m�dico ganhou proemin�ncia global ao contrariar publicamente as declara��es do ent�o presidente americano Donald Trump, que minimizou a gravidade da pandemia e atuou contra medidas de distanciamento social e a favor de tratamentos sem efic�cia comprovada contra a covid, como a hidroxicloroquina.
Fauci prefere n�o tratar o Brasil como "amea�a", termo corrente na imprensa internacional diante da onda de cont�gio brasileira, mas reconhece que a grave situa��o do Brasil est� se espalhando pela Am�rica do Sul e que, para cont�-la, ser�o necess�rias duas medidas: aumento na vacina��o e ado��o de medidas como lockdowns.
"N�o h� d�vida de que medidas severas de sa�de p�blica, incluindo lockdowns, t�m se mostrado muito bem-sucedidas em diminuir a expans�o dos casos. Ent�o, essa � uma das coisas que o Brasil deveria pensar e considerar seriamente dado o per�odo t�o dif�cil que est� passando", argumentou Fauci.
H� tr�s dias, no entanto, o ministro da Sa�de do Brasil, Marcelo Queiroga, praticamente descartou essa medida ao dizer que "a ordem � evitar lockdown".
Na outra frente, a das vacinas, a situa��o tamb�m n�o � confort�vel: apenas 20 milh�es de brasileiros (pouco mais de 9% da popula��o) j� receberam ao menos uma dose de imunizante, e no ritmo atual n�o chegaria � metade da popula��o neste semestre.
Depois de recusar ofertas de vacinas da Pfizer, amea�ar boicotar a CoronVvac e n�o buscar outros fornecedores al�m da AstraZeneca-Oxford, cuja fabrica��o pela Fiocruz vem sofrendo sucessivos atrasos, o governo Bolsonaro se viu sem muitas op��es para acelerar a chegada das vacinas aos bra�os brasileiros.
Desde mar�o deste ano, o governo federal tenta negociar a compra de alguns milh�es de doses da vacina AstraZeneca-Oxford que est�o sem uso nos Estados Unidos atualmente e n�o devem ser necess�rias ao pa�s, que conta com estoques de Pfizer, Moderna e Janssen suficientes para a popula��o.
Fauci, no entanto, indica que os Estados Unidos n�o devem repassar essas doses ao Brasil em uma negocia��o bilateral.
"Os Estados Unidos j� desempenham um papel importante na tentativa de levar vacinas para outros pa�ses que precisam. N�s retornamos � Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), estamos nos juntando ao Covax", afirmou Fauci, em refer�cia ao cons�rcio de pa�ses lderado pela OMS para distribuir vacinas aos pa�ses mais pobres.
O m�dico completou: "E j� deixamos bem claro que assim que levarmos as vacinas para a esmagadora maioria das pessoas nos EUA, al�m de termos o suficiente para refor�os, colocaremos o excesso de vacina � disposi��o dos pa�ses em todo o mundo que precisarem".
Segundo ele, isso seria feito via Covax, que, no entanto, n�o deve trazer grande al�vio � condi��o do Brasil, j� que o governo federal optou por participar da iniciativa apenas com a cota m�nima, de 42 milh�es de doses (e at� agora s� recebeu 1 milh�o delas).
Fauci, que chefia o Instituto Nacional de Alergia e Doen�as Infecciosas (NIAID) desde 1984, n�o quis comentar sobre a responsabilidade de Bolsonaro no agravamento da pandemia.
Ele disse, no entanto, que o exemplo dos Estados Unidos, onde mais de 550 mil morreram de covid-19, mostra ao Brasil que "negar a gravidade do surto nunca ajuda. Na verdade, muitas vezes piora a situa��o".
"Para controlar uma epidemia, voc� precisa admitir que tem um problema s�rio. Depois de admitir que tem um problema s�rio, voc� pode come�ar a fazer as coisas para resolv�-lo", afirmou Fauci.
Para ele, os pa�ses que tiveram mais efici�ncia em lidar com a covid-19, como Austr�lia e Nova Zel�ndia, devem seu sucesso ao acerto de um comando central que contou com a coopera��o da popula��o. "Quando voc� tem conflitos, sejam eles pol�ticos ou n�o, isso sempre diminui a efic�cia do controle do v�rus."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Anthony Fauci � BBC News Brasil.
BBC News Brasil - Um em cada tr�s mortos por covid-19 no mundo hoje � do Brasil. No pa�s, as pessoas est�o morrendo sem acessos a UTIs, h� falta de oxig�nio e sedativos em hospitais e uma despropor��o no n�mero de mortes de jovens. Como avalia o que est� acontecendo?
Anthony Fauci - O Brasil est� passando por uma situa��o muito infeliz. A variante P1, que parece estar dominando o pa�s, tem a caracter�stica de ser muito eficiente na propaga��o de pessoa para pessoa. N�o temos certeza se causa uma doen�a mais s�ria (do que o v�rus da covid-19 original), mas muito provavelmente pode.
E, dado de que o Brasil ainda n�o vacinou uma grande propor��o de sua popula��o, � bastante compreens�vel que o sistema de sa�de no Brasil esteja sobrecarregado. Est� tendo um grande aumento de casos que teve um impacto muito negativo sobre o sistema de sa�de, que, em muitos aspectos, n�o tem sido capaz de lidar com o fluxo de pacientes que chega agora. Ent�o, todos reconhecem que � uma situa��o muito grave no Brasil.
BBC News Brasil - A vacina��o contra covid-19 no Brasil segue em ritmo lento por falta de doses, e o presidente brasileiro foi � Justi�a lutar contra a ado��o de lockdown, que ele diz que n�o funciona. Considerando isso, que medidas o Brasil poderia tomar para combater a pandemia?
Fauci - N�o h� d�vida de que medidas severas de sa�de p�blica, incluindo lockdowns, t�m se mostrado muito bem-sucedidas em diminuir a expans�o dos casos. Voc� n�o precisa fazer um lockdown sem prazo pra acabar, mas, se restringir a circula��o e garantir que todos usem m�scara, voc� n�o ter� pessoas se reunindo em ambientes fechados como em restaurantes e bares, e isso diminui o n�mero de casos.
Portanto, acho importante ressaltar que esses tipos de restri��es de sa�de p�blica s�o cruciais para se obter controle sobre epidemias. Vimos em muitos outros pa�ses onde houve uma grande quantidade de casos que, quando as medidas de sa�de p�blica foram implementadas, o n�mero de casos diminuiu drasticamente. Ent�o, essa � uma das coisas que o Brasil deveria pensar e considerar seriamente dado o per�odo t�o dif�cil que est� passando.
BBC News Brasil - O jornal americano The Washington Post mostrou que a variante P1, surgida no Brasil, se espalhou pela Am�rica do Sul. Ela j� foi identificada em 25 pa�ses. O mesmo jornal afirmou que a pandemia no Brasil faz do pa�s uma amea�a global. O senhor v� o Brasil como amea�a, n�o s� pela P1 como pela possibilidade de surgimento de outras variantes?
Fauci - N�o vou fazer uma declara��o de que o Brasil � uma amea�a, porque isso poderia ser tirado do contexto e seria uma frase de efeito infeliz. O que estou dizendo � que o Brasil est� em uma situa��o grave que est� se espalhando para outros pa�ses da Am�rica do Sul, o que � lament�vel. E esse � um dos motivos pelos quais � muito importante para a Am�rica do Sul e o Brasil, em particular, tentar vacinar o m�ximo de pessoas o mais r�pido poss�vel.
BBC News Brasil - Existem doses extras da vacina AstraZeneca-Oxford nos Estados Unidos que n�o est�o sendo usadas. Alguns cientistas do pa�s argumentam que as doses devem ser enviadas ao Brasil o mais r�pido poss�vel. Qual sua opini�o?
Fauci - Os Estados Unidos j� desempenham um papel importante na tentativa de levar vacinas para outros pa�ses que precisam. Como voc� provavelmente sabe, n�s retornamos � Organiza��o Mundial de Sa�de, estamos nos juntando ao Covax, que � um cons�rcio de organiza��es e pa�ses cuja finalidade � levar doses de vacina para aquelas partes do mundo que n�o t�m acesso �s vacinas.
Demos ou j� prometemos US$ 4 bilh�es (R$ 22,4 bilh�es) em recursos para fazer isso. E j� deixamos bem claro que assim que levarmos as vacinas para a esmagadora maioria das pessoas nos Estados Unidos, al�m de termos o suficiente para refor�os, colocaremos o excesso de vacina � disposi��o dos pa�ses em todo o mundo que precisam delas.
BBC News Brasil - E isso vai ser feito por meio do Covax?
Fauci - Sim, por meio do Covax.
BBC News Brasil - Os Estados Unidos parecem j� ter deixado para tr�s o maior pico de infec��es. Que li��es o Brasil pode tirar da experi�ncia dos americanos?
Fauci - Acho que a li��o � sempre seguir a ci�ncia da maneira que venho tentando dizer h� mais de um ano, porque, se voc� seguir a ci�ncia, provavelmente ter� um melhor controle sobre o v�rus e ser� capaz de seguir as evid�ncias que surgirem.
�s vezes, � necess�rio impor restri��es mais duras que s�o diretrizes de sa�de p�blica para controlar a epidemia. Negar a gravidade do surto nunca ajuda. Na verdade, muitas vezes piora a situa��o. Para controlar um surto, voc� precisa admitir que tem um problema s�rio.
Depois de admitir que tem um problema s�rio, voc� pode come�ar a fazer as coisas para resolv�-lo.
BBC News Brasil - � poss�vel determinar o que faz de um pa�s um exemplo de sucesso na pandemia? Poderia dar bons e maus exemplos disso e explicar o porqu�?
Fauci - N�o vou dar maus exemplos. Vou te dar bons exemplos. Uma das coisas que � importante � que um pa�s tem que se unir, e as pessoas t�m que agir de forma uniforme, reconhecendo que o inimigo comum � o v�rus e n�o ter conflitos sobre qual � a melhor abordagem. � preciso ter uma dire��o e garantir que a popula��o seja cooperativa no cumprimento das ordens do poder central.
Vemos em pa�ses como Austr�lia, Nova Zel�ndia, Taiwan e Cingapura, nos quais uma das decis�es tomada foi a de fazer lockdown, e o pa�s seguiu isso e entrou em lockdown. Quando foi a hora de abrir, houve a reabertura. Mas quando se tomou essa decis�o de restringir certas coisas, todos cooperaram.
� realmente uma situa��o em que � importante que haja coopera��o, que as pessoas tenham o objetivo comum de combater o v�rus. Quando voc� tem conflitos, sejam eles pol�ticos ou n�o, isso sempre diminui a efic�cia do controle do v�rus.
BBC News Brasil - Dever�amos j� ter uma vacina focada especificamente na variante P1?
Fauci - As vacinas funcionam muito bem contra a maioria das variantes. Acho que o importante � levar a vacina ao povo brasileiro o mais r�pido poss�vel. N�o precisa ser espec�fica contra a P1. A P1 diminui um pouco a efic�cia (dos imunizantes), mas n�o a elimina. Portanto, � poss�vel obter um grande benef�cio com a vacina padr�o.
BBC News Brasil - O senhor v� dias dif�ceis pela frente para o Brasil?
Fauci - Acho que se voc� levar as vacinas ao povo brasileiro, as coisas v�o melhorar com certeza. Isso � o que importa. Voc� tem que conseguir controlar (o cont�gio) com medidas de sa�de p�blica, al�m de levar o m�ximo de vacina o mais r�pido poss�vel para o povo brasileiro.
BBC News Brasil - Existe uma disputa no Brasil agora porque as pessoas querem ir � igreja. N�s vimos isso nos Estados Unidos. O que diria sobre isso nesse momento dif�cil da pandemia?
Fauci - Diria que as pessoas precisam evitar ambientes fechados e cheios de gente. Sei que todo mundo quer ir � igreja, e isso � muito importante, mas � preciso ter cuidado ao lidar com lugares lotados. Geralmente, � um local de dissemina��o do v�rus.
Minha mensagem ao povo brasileiro � tentar ao m�ximo evitar aquelas coisas que levam � propaga��o do v�rus, usar m�scaras, evitar ir a ambientes lotados, manter dist�ncia f�sica, lavar as m�os. Sempre que voc� puder. Esses s�o os elementos b�sicos de sa�de que, se os brasileiros seguirem, poder�o controlar a pandemia.
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