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Brasileiro perdeu quase 2 anos de expectativa de vida na pandemia, e 2021 deve ser pior, diz dem�grafa de Harvard

Antes de meados de abril, Brasil j� registra quase metade da quantidade total de mortes por COVID-19 em 2020


14/04/2021 16:43 - atualizado 14/04/2021 17:29

A esperança de longevidade dos brasileiros retornou ao patamar de 2013(foto: EPA)
A esperan�a de longevidade dos brasileiros retornou ao patamar de 2013 (foto: EPA)

O brasileiro perdeu quase dois anos de expectativa de vida em 2020 por causa da pandemia de COVID-19. Em m�dia, beb�s nascidos no Brasil em 2020 viver�o 1,94 ano a menos do que se esperaria sem o quadro sanit�rio atual no pa�s. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados.

Com isso, a esperan�a de longevidade dos brasileiros retornou ao patamar de 2013. A queda interrompe um ciclo de crescimento da expectativa de vida no pa�s, que partiu da m�dia de 45,5 anos, em 1945, at� atingir os estimados 76,7 anos, em 2020, um ganho m�dio de cinco meses por ano-calend�rio.

O c�lculo do impacto da COVID-19 na sobrevida da popula��o foi feito por uma equipe de pesquisadores liderados pela dem�grafa M�rcia Castro, professora da Faculdade de Sa�de P�blica da Universidade Harvard. A expectativa de vida, ou seja, a estimativa de quantos anos uma determinada popula��o nascida em um dado ano deve viver, � um importante indicador de qualidade de vida e um dos componentes no c�lculo do �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) das na��es.

"Funciona como um term�metro social porque ela te mostra como a gente est� progredindo em aumentar a longevidade da popula��o, atrav�s de medidas de sa�de p�blica, saneamento, e tamb�m te mostra como determinado choque, como uma guerra ou, neste momento, a pandemia, reduz esse indicador porque h� um padr�o de mortalidade maior do que o esperado", afirmou M�rcia Castro � BBC News Brasil.


Pandemia de covid atingiu muitos idosos, que receberam prioridade na vacinação(foto: Reuters)
Pandemia de covid atingiu muitos idosos, que receberam prioridade na vacina��o (foto: Reuters)

Com a segunda maior taxa de mortalidade do mundo em n�meros absolutos, o Brasil registra mais de 355 mil �bitos causados pelo novo coronav�rus. E o impacto dessa mortalidade na expectativa de vida da popula��o do pa�s j� � 72% maior do que a verificada nos Estados Unidos, l�der em �bitos por COVID-19 (560 mil). Enquanto os brasileiros perderam 1,94, ano, na m�dia, os americanos perderam 1,13 ano de expectativa de vida em 2020 por conta da pandemia (redu��o de 78,8 anos para 77,8 anos).

Mais de dois anos?

Mas os dados podem ser na verdade piores do que essa estimativa. "A gente sabe que houve muita dificuldade de acesso ao teste de COVID-19, subnotifica��o e muita morte pelo novo coronav�rus que n�o foi registrada dessa maneira", explica Castro.

Assim, os pesquisadores contemplaram um cen�rio alternativo: contabilizaram o impacto na expectativa de vida brasileira a partir da soma de todas as mortes oficialmente registradas como COVID-19 acrescidas de 90% daquelas identificadas como causadas por S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (SRAG), quadro comumente provocado pelo novo coronav�rus. Nesse cen�rio, a redu��o na expectativa de vida no Brasil ultrapassaria os dois anos e meio.

"Ainda assim, s�o duas estimativas bastante conservadoras. As medidas devem ser ainda maiores porque mesmo depois de contabilizar mortes por COVID-19 e por SRAG, verificamos que h� ainda um excesso de �bitos em rela��o ao esperado, que pode ser causado por falta de assist�ncia m�dica b�sica para outras doen�as, por exemplo", afirma Castro. A dem�grafa e os demais pesquisadores j� trabalham em novas pesquisas para estimar essa perda.

Em 2021 vai ser maior?

Al�m disso, o atual estado da pandemia no Brasil indica que, em 2021, em vez de se recuperar um pouco do tombo, a expectativa de vida no pa�s pode sofrer uma redu��o ainda mais severa. Esse ano, o pa�s j� registra o equivalente a quase metade de todas as mortes por COVID-19 de 2020. "N�o estamos nem em meados de abril e Estados como Amazonas e Rond�nia j� t�m mais mais mortes esse ano do que em todo o ano passado. Ent�o � f�cil prever que esse ano deve ser ainda pior", nota Castro.

A tend�ncia, de acordo com a cientista, n�o � de melhora porque a vacina��o avan�a a passos lentos no pa�s - nem 12% da popula��o recebeu ao menos uma dose de imunizante - e as medidas de sa�de p�blica que poderiam conter a transmiss�o do v�rus - como o uso de m�scaras e o distanciamento social - n�o t�m sido adotadas de forma consistente ao redor do Brasil. A atual m�dia m�vel de mortes di�rias de brasileiros por COVID-19 est� acima de 3 mil.


Nas últimas semanas o Brasil enfrenta o maior colapso hospitalar de sua história(foto: Reuters)
Nas �ltimas semanas o Brasil enfrenta o maior colapso hospitalar de sua hist�ria (foto: Reuters)

Para piorar, de acordo com a Fiocruz, nas �ltimas semanas o pa�s enfrenta o maior colapso hospitalar de sua hist�ria. Nessas circunst�ncias, o n�mero de mortes por causas trat�veis e evit�veis tende a aumentar, j� que a popula��o n�o consegue acesso regular a tratamento de sa�de em um sistema sobrecarregado por v�timas da COVID-19.

� situa��o, se somam a inseguran�a alimentar, estimada em dezenas de milh�es de pessoas, j� que a economia patina e o aux�lio emergencial atual equivale a menos da metade do concedido em 2020. "Ent�o voc� tem a pandemia, o restante do atendimento de sa�de prec�rio, um conjunto de fam�lias com sua vida e renda desestruturada porque perderam um ou os dois mantenedores da casa, h� fome de novo no Brasil, e tudo isso afeta os �ndices de mortalidade n�o s� entre idosos, mas a mortalidade infantil e a for�a produtiva brasileira tamb�m", afirma Castro.

Em um pior cen�rio, o Brasil poderia verificar uma redu��o da expectativa de vida compar�vel � registrada nos Estados Unidos durante a epidemia de gripe espanhola, em 1918, quando se verificou uma perda entre 7 e 12 anos da longevidade estimada dos americanos. "O que percebemos � que o Brasil n�o est� nem tomando as medidas necess�rias para tentar sair da onda atual, j� que a pandemia corre solta, nem se preparando para a possibilidade de uma nova onda da COVID-19 ainda neste ano", diz Castro.

Pior no Norte, melhor no Nordeste

O estudo, ainda em vers�o pr�-print (sem revis�o pelos pares), indica tamb�m que a pandemia reduziu de modo desigual a expectativa de vida a depender da regi�o do pa�s.

Fen�meno parecido foi registrado nos Estados Unidos. L�, estudos feitos com recorte de ra�a mostraram que, enquanto um homem americano branco teve uma redu��o de 0,8 ano na expectativa de vida em decorr�ncia da pandemia, um negro registrou queda de 3 anos no indicador e um hisp�nico, de 2,4 anos.

No Brasil, o c�lculo por ra�a n�o se mostrou vi�vel porque um ter�o dos registros de �bito por COVID-19 n�o continha essa informa��o. "N�o tenho d�vidas que encontrar�amos dados semelhantes aos americanos, com pretos e pardos mais vitimados tamb�m no Brasil, mas a estimativa ficaria fr�gil pela falta do dado completo", afirmou Castro.

A solu��o foi verificar as diferen�as da mortalidade por Estado. A primeira constata��o � que, diante da inexist�ncia de uma estrat�gia centralizada do governo federal para combater a pandemia, as estrat�gias locais variaram e os resultados em rela��o � pandemia, tamb�m.

Os pesquisadores descobriram que o Distrito Federal, onde est� a capital do pa�s, registrou o pior resultado: ali, a expectativa de vida recuou em mais de 3 anos. A regi�o ganhou destaque tanto pelo colapso do sistema de sa�de que, recentemente levou a cenas de ac�mulo de corpos de v�timas da covid-19 no ch�o de hospitais p�blicos, como pelas repetidas excurs�es do presidente Jair Bolsonaro �s cidades sat�lites que comp�em o DF. Nessas ocasi�es, o mandat�rio, sem m�scara, provocou aglomera��es e repetiu o costumeiro discurso contra medidas de como o distanciamento social.

O DF foi seguido por tr�s Estados do Norte: Amap�, com queda de 2,98 anos na expectativa de vida, Amazonas, com perda de 2,92 anos, e Roraima, com redu��o de 2,74 anos.


Queda menor da expectativa de vida em Estados como a Bahia intrigou pesquisadores(foto: EPA)
Queda menor da expectativa de vida em Estados como a Bahia intrigou pesquisadores (foto: EPA)

Na outra ponta, entre os Estados que menos perderam na expectativa de vida em 2020, est�o v�rios nordestinos, como Maranh�o, Piau� e Bahia, os tr�s abaixo de 1,49 ano de redu��o na expectativa de vida.

A descoberta intrigou os pesquisadores, j� que, conforme assinalam no estudo, os "Estados das regi�es Norte e Nordeste t�m os piores indicadores de desigualdade de renda, pobreza, acesso � infraestrutura e disponibilidade de m�dicos e leitos hospitalares". Ent�o, por que o Nordeste n�o foi t�o devastado pela pandemia quanto o Norte do pa�s?

Em um artigo publicado nesta quarta-feira, 14/4, na revista cient�fica Science, eles abordam hip�teses para essa disparidade entre as duas regi�es mais pobres do pa�s.

Uma delas � a rapidez com que a pandemia se interiorizou nos Estados. Os pesquisadores usaram uma escala de 0 a 100, em que quanto mais pr�ximo de 100 mais concentrados geograficamente os casos e mortes est�o. Se a pandemia tivesse sido restringida com sucesso a poucos munic�pios, os �ndices deveriam se manter em valores acima de 50 por v�rias semanas. Se ela tivesse se espalhado sem controle pelo territ�rio, a tend�ncia seria de uma queda r�pida desses valores em poucas semanas.

O achado n�o poderia ser mais ilustrativo. Na primeira semana em que casos de COVID-19 foram diagnosticados, Amazonas, Roraima e Amap� (justamente aqueles Estados com maior redu��o na expectativa de vida) j� registravam �ndices de casos e morte abaixo dos 50 na metodologia dos pesquisadores, ou seja, uma transmiss�o altamente disseminada e veloz em todo o territ�rio.

"Isso sugere a circula��o n�o detectada do v�rus antes do primeiros registros oficiais (e, portanto, quando os diagn�sticos come�aram j� havia uma grande fra��o da popula��o infectada), ou introdu��es r�pidas e m�ltiplas do v�rus seguidas por r�pida propaga��o espacial", escrevem os cientistas no estudo. Os cientistas conclu�ram que o novo coronav�rus j� circulava no Brasil ao menos um m�s antes do primeiro caso oficialmente diagnosticado, no final de fevereiro de 2020.

O resultado do quadro visto em Amazonas, Roraima e Amap� � um n�mero muito alto de casos em um amplo espa�o geogr�fico e em um curto espa�o de tempo. E essa �, segundo Castro, a receita para que a mortalidade avance n�o s� pelos efeitos do v�rus, mas pela falta de estrutura de sa�de. "No Amazonas, por exemplo, s� Manaus t�m leitos de UTI. Se esses leitos se esgotam rapidamente, apenas com pacientes da capital, enquanto h� doentes que precisam deles a muitas horas de dist�ncia dali, o que acontece � inevit�vel: esse paciente distante vai morrer", explica Castro.

Mas n�o � s� isso. Os pesquisadores tamb�m notaram de que maneira a resposta dos Estados produzia melhores ou piores resultados com o passar das semanas. "O impacto na expectativa de vida est� ligado obviamente a como a epidemia se espalhou, que � uma fun��o direta da aus�ncia de controle do v�rus. E a aus�ncia de controle do v�rus est� ligada � quest�o do alinhamento pol�tico dos governadores a Bolsonaro", afirma Castro.

Segundo ela, os pesquisadores encontraram uma correla��o entre o apoio dos atuais governadores ao ent�o candidato � presid�ncia Jair Bolsonaro, em 2018, com sua propens�o a tomar medidas como lockdowns e imposi��o do uso de m�scaras, que contrariavam as diretrizes dadas pelo governo federal. Na Regi�o Norte, dos sete governadores eleitos, cinco apoiaram abertamente Bolsonaro: Gladson Cameli (PP), no Acre; Wilson Lima (PSC), Amazonas; Coronel Marcos Rocha (PSL), em Rond�nia; Antonio Denarium (PSL), em Roraima; e Waldez G�es (PDT), no Amap�. Do outro lado, no Nordeste, dos nove governadores, nenhum declarou apoio a Bolsonaro no pleito.

"As medidas que foram tomadas contra a pandemia quando voc� compara as duas regi�es s�o completamente diferentes. Na regi�o Nordeste voc� verifica medidas que iam completamente contra o que o presidente queria que fosse feito", diz Castro. Bolsonaro chegou a entrar com a��o contra os governadores no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir lockdowns. Em mar�o de 2021, quando o governador baiano Rui Costa decretou severas restri��es � circula��o da popula��o e ao com�rcio, Bolsonaro prometeu ir � Justi�a para derrubar a ordem estadual. Costa reagiu dizendo que o presidente era "aliado do v�rus".

'Baby boom' � vista?

Para Castro, os pr�ximos meses ser�o cruciais para definir o futuro demogr�fico do pa�s. Segundo a dem�grafa, ap�s um choque de mortalidade como o experimentado pelo Brasil, � comum ver um "baby boom", uma onda de nascimentos que recupere as taxas populacionais do lugar.

A pesquisadora, no entanto, tem d�vidas se algo semelhante acontecer� no Brasil agora, dado o cen�rio sombrio que se projeta para os pr�ximos meses e a dificuldade de ver um fim para a pandemia no pa�s. "� prov�vel que tenhamos muitos casais que tenham adiado os planos de filhos no ano passado. Mas isso n�o significa que eles ver�o condi��o de ter um filho agora", diz Castro.


Demógrafa tem dúvidas quanto a se pode haver um 'baby boom' no Brasil após a pandemia(foto: Reuters)
Dem�grafa tem d�vidas quanto a se pode haver um 'baby boom' no Brasil ap�s a pandemia (foto: Reuters)

Em 2020, cidades como o Rio de Janeiro j� registraram mais mortes do que nascimentos. O d�ficit populacional carioca ficou em quase 5 mil pessoas. Essa era uma tend�ncia projetada pelo IBGE para acontecer apenas em 2047.

Segundo Castro, � dif�cil prever como a pandemia alterar� os aspectos demogr�ficos do pa�s. "A gente ainda faz c�lculos com base no Censo de 2010. A gente n�o sabe, por exemplo, o tamanho do impacto que essas mortes podem ter sobre o sistema da previd�ncia social. Ou na composi��o populacional das cidades. Ou na taxa de reposi��o da popula��o em dadas �reas, com mais mortes do que nascimentos", diz Castro.

A pandemia atrasou a execu��o do Censo, realizado a cada 10 anos, e empurrou a pesquisa para 2021. Mas a redu��o no or�amento p�blico reservado para a empreitada - de R$ 2 bilh�es para R$ 71 milh�es - agora amea�a inviabilizar a realiza��o de um novo Censo, o que deixaria o Brasil no escuro sobre a configura��o de sua pr�pria popula��o.

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