
H� cerca de um ano, uma crise era desencadeada no governo Bolsonaro com a divulga��o do v�deo de uma reuni�o interministerial que o ex-ministro Sergio Moro dizia ser a prova de interfer�ncia do presidente na Pol�cia Federal.
As falas do presidente e dos ministros no encontro, que tinha acontecido um m�s antes, em 22 de abril, tiveram enorme repercuss�o — inflamaram a base de apoio de Bolsonaro e geraram cr�ticas de diversos setores da sociedade.
Ficaram marcadas especialmente a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que disse que era preciso aproveitar a pandemia para "passar a boiada" e a do ent�o ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, que disse que, por ele, "botava esses vagabundos todos na cadeia. Come�ando no STF". Tamb�m teve destaque a reclama��o do presidente sobre a atua��o da Pol�cia Federal, de quem ele dizia n�o receber informa��es suficientes.
No �ltimo ano, muitas mudan�as se passaram nas diversas �reas citadas na reuni�o. A BBC News Brasil fez um balan�o dos acontecimentos em setores mencionados e mostra no que deram as falas e projetos revelados pelo v�deo.
Interfer�ncia na PF
Um ano depois da reuni�o, o inqu�rito aberto sobre a acusa��o feita por Moro de que Bolsonaro interferiu na PF ainda n�o foi conclu�do — o STF (Supremo Tribunal Federal) n�o decidiu nem o formato (escrito ou presencial) do depoimento de Bolsonaro na investiga��o.
Na reuni�o, Bolsonaro mostra insatisfa��o com o �rg�o e com o caminho tomado pelas investiga��es sobre supostas condutas criminosas de seus filhos.
"Eu n�o posso ser surpreendido com not�cias. P�, eu tenho a PF que n�o me d� informa��es. Eu tenho as intelig�ncias das For�as Armadas que n�o tenho informa��es; a Abin tem os seus problemas, tenho algumas informa��es. S� n�o tem mais porque t� faltando realmente, temos problemas, p�! Aparelhamento etc. Mas a gente n�o pode viver sem informa��o", afirma o presidente no v�deo.
Bolsonaro nega a interfer�ncia na PF para proteger os filhos at� hoje. Desde ent�o, o presidente trocou a lideran�a da Pol�cia Federal tr�s vezes — em uma delas tentou emplacar um amigo da fam�lia, Alexandre Ramagem, cuja indica��o foi barrada pelo STF. A mudan�a mais recente foi neste m�s, quando nomeou Paulo Gustavo Maiurino.
Nesse um ano, no entanto, a quest�o da interfer�ncia da Bolsonaro na Pol�cia Federal foi ofuscada por outras crises graves que o governo enfrenta, apontam analistas pol�ticos. A contamina��o desenfreada e o pico de mortes na pandemia; a CPI da pandemia que quer investigar a atua��o do governo diante da crise sanit�ria, o desemprego, a infla��o e o retorno da fome, entre outros problemas.
"O n�vel da pandemia j� era preocupante, mas ainda permitia que outras agendas viessem � tona. Mas com a situa��o como est� hoje, outras tem�ticas acabam indo para um espa�o perif�rico", afirma Creomar de Souza, professor da Funda��o Dom Cabral e fundador da consultoria pol�tica Dharma.

Mudan�as de ministros
Ao todo, a reuni�o de um ano atr�s teve a participa��o de 25 autoridades. Dos ministros que estiveram no encontro, seis j� sa�ram do cargo - dois pediram demiss�o e quatro foram trocados pelo governo em meio a crises.
Sergio Moro, que ocupou a pasta da Justi�a e Seguran�a P�blica, j� havia deixado o governo e foi o piv� da divulga��o do v�deo.
O ministro da educa��o, Abraham Weintraub, foi um dos que perderam o cargo ap�s a fala sobre "pris�o dos ministros do STF".
Nelson Teich, da Sa�de, saiu em meio ao agravamento da pandemia e discord�ncias com o presidente sobre os rumos no combate ao coronav�rus.

O chanceler Ernesto Ara�jo perdeu o cargo neste ano ap�s press�o do Congresso, por causa do seu desgaste com a China.
O ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o ministro do turismo Marcelo �lvaro Ant�nio tamb�m foram demitidos desde ent�o.
Na reuni�o, Bolsonaro havia deixado claro que a preocupa��o com a situa��o pol�tica do governo deveria ser prioridade nos minist�rios, avalia o cientista pol�tico Rafael Cortez, s�cio da Tend�ncias Consultoria Integrada.
"Ficou claro o inc�modo do presidente com o protagonismo de ministros e falta de suporte de nomes que ele considerava que deveriam estar defendendo o governo mais ativamente", afirma Cortez.
Na reuni�o, Bolsonaro fez "um apelo" aos ministros para "que se preocupem com pol�tica, pra n�o ser surpreendido. Eu n�o vou esperar o barco come�ar a afundar para tirar �gua. Estou tirando �gua, e vou continuar tirando �gua de todos os minist�rios no tocante a isso."
"Eu tenho o poder e vou interferir em todos os minist�rios, sem exce��o. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes", disse Bolsonaro.
'Passar a boiada' no meio-ambiente
Talvez a fala que mais tenha marcado a reuni�o tenha sido a do ministro Ricardo Salles, que afirmou que era preciso aproveitar a aten��o gerada pela pandemia e "ir passando a boiada" de reformas de desregulamenta��o na �rea de meio ambiente.
"A oportunidade que n�s temos, que a imprensa t� nos dando um pouco de al�vio nos outros temas, � passar as reformas infralegais de desregulamenta��o, simplifica��o, todas as reformas", afirmou Salles. "O Meio Ambiente � o mais dif�cil, de passar qualquer mudan�a infralegal (...). Ent�o pra isso precisa ter um esfor�o nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque s� fala de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas."
Desde ent�o, o governo modificou centenas de normas e portarias em diversas inst�ncias — do minist�rio do Meio Ambiente a decretos da Presid�ncia — com efeito direto no meio ambiente. Um monitoramento da Folha de S.Paulo com o Monitor de Pol�tica Ambiental detectou pelo menos 606 normas com impacto ambiental entre abril e dezembro de 2020.
Essa desregulamenta��o foi grave, explica M�rcio Astrini, presidente do Observat�rio do Clima, porque afetou todas as �reas de controle ambiental.
"Existe um sistema de governan�a ambiental: institui��es, procedimentos administrativos, ag�ncias de fiscaliza��o e controle, etc. A boiada passou a� — v�rios dos regramentos que sustentam o aparato de prote��o foram modificados", explica. "Houve um desmonte total de todos os mecanismos de prote��o ambiental."
Desde a reuni�o, no ano passado, os alertas do Inpe (�rg�o de monitoramento do governo) mostraram 7.961 km² de desmatamento no pa�s.

"O desmatamento � uma consequ�ncia de a��es dentro do minist�rio e do governo que facilitaram a atua��o de criminosos ambientais", afirma Astrini.
Ele cita como exemplo o fato de o sistema de multas ambientais estar parado desde de outubro de 2019, facilita��o de exporta��o de madeira ilegal, a diminui��o de opera��es de fiscaliza��o e controle.
"E tudo isso � s� na quest�o do desmatamento, outros setores de prote��o ambiental est�o sofrendo do mesmo jeito", diz.
O pesquisador explica que grande parte desses problemas � irrevers�vel ou muito dif�cil de reverter.
"Outro governo pode mudar as portarias e normas, mas os garimpeiros e madeireiros criminosos est�o cada vez mais ricos e poderosos, e fica cada vez mais dif�cil de combat�-los", afirma.
Combate � pandemia
Embora a reuni�o tenha acontecido em um momento cr�tico da pandemia no ano passado, o avan�o da covid-19 foi muito pouco mencionado. O ent�o ministro da Sa�de, Nelson Teich, falou pouco, n�o apresentou um plano e foi logo interrompido pela fala de outro ministro.
O presidente reclamou da press�o que sofreu para mostrar seus exames de covid e demonstrou maior preocupa��o com a reabertura do com�rcio — e os efeitos do fechamento na popularidade do governo e na demanda por aux�lio emergencial.

"A ideia que n�s temos de reabrir o com�rcio. A desgra�a que vem pela frente, eu acho que o Paulo Guedes t� sendo at� legal, hein, Paulo Guedes? Eu n�o sou economista n�o. Vai ser uma porrada muito maior do que voc� possa imaginar", afirmou o presidente.
"A desgra�a t� a�. Eles v�o querer empurrar essa trozoba pra cima da gente, e a gente vai reagir porque aqui n�o � saco sem fundo. T�?", disse Bolsonaro.
Desde ent�o, o governo vem sofrendo fortes cr�ticas interna e externamente por sua atua��o diante da pandemia.
Bolsonaro n�o declarou lockdown — medida recomendada por cientistas e autoridades sanit�rias —, promoveu a ideia de tratamento precoce com rem�dios sem comprova��o cient�fica, fez cr�ticas �s vacinas, minimizou a gravidade da pandemia e o n�mero de mortes, vetou lei que obrigava uso de m�scaras e trocou mais duas vezes de ministro da Sa�de.
Em mar�o deste ano, o n�mero de mortos pelo coronav�rus ultrapassou 300 mil e diversas cidades no pa�s todo enfrentaram um colapso no sistema de sa�de.
Esse cen�rio levou � cria��o da CPI (Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito) da pandemia para investigar a��es do governo durante a crise sanit�ria.
A quest�o da interfer�ncia na PF, que era o centro da crise pol�tica para o governo quando a reuni�o ministerial foi divulgada, atualmente foi ofuscada pela quest�o da CPI e o colapso sanit�rio, avaliam analistas pol�ticos.
"Na �poca, a quest�o da interfer�ncia era central porque colocava em cheque um elemento importante: a sintonia de a��es entre o governo e o que se convencionou a chamar de 'lavajatismo'", afirma Creomar de Souza. "Mas hoje a crise pol�tica tem caracter�sticas diferentes."
Se a reuni�o deixou claro que o governo estava mais preocupado com sua sobreviv�ncia do que com o combate ao coronav�rus, diz Souza, � justamente o fato de n�o conseguir dar uma resposta efetiva � pandemia que agora coloca o governo sob press�o.
"� uma crise muito mais grave", afirma o analista pol�tico Rafael Cortez. "O governo est� em um momento muito mais delicado do ponto de vista das chances de interrup��o. O presidente enfrenta muito mais inseguran�a sobre continuidade do seu governo e h� uma ac�mulo de desgaste."

Disputa com governadores
Na v�deo da reuni�o, � poss�vel ouvir Bolsonaro chamando o ent�o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de "estrume". Adjetivo semelhante foi reservado para o governador de S�o Paulo, Jo�o Doria, em discuss�o sobre a resposta dos Estados � pandemia.
"O que esses caras fizeram com o v�rus, esse bosta desse governador de S�o Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, � exatamente isso. Aproveitaram o v�rus, t� um bosta de um prefeito l� de Manaus agora, abrindo covas coletivas. Um bosta", disse Bolsonaro, que afirmou que os pol�ticos que citou estavam "se aproveitando" do "clima" para "levar terror para o Brasil".
A t�tica de Bolsonaro tentar encontrar algu�m para antagonizar n�o arrefeceu desde ent�o, avalia Creomar de Souza, mas o presidente tem tido mais dificuldade nesse sentido.
"Bolsonaro � um polarizador, ele gosta do antagonismo, precisa disso. Isso permite que ele suba o tom e construa uma narrativa manique�sta", diz Souza.
Mas, pelo menos contra o governador de S�o Paulo, diz o analista, a batalha de narrativa sobre o coronav�rus foi perdida.
"Quando o Doria aplicou uma vacina primeiro, foi um golpe muito forte (contra Bolsonaro). E mesmo ele tentando recuperar depois, dizendo que a vacina era do Brasil, que ele nunca tinha criticado, foram meses criando constrangimento contra a vacina", afirma Souza.
"Bolsonaro apostou muito na ideia de que o discurso de que era preciso 'salvar a economia' ia vencer essa narrativa, mas a popularidade que ele conseguiu manter com isso n�o durou", diz Rafael Cortez.
Souza afirma que o presidente n�o tem tido a mesma facilidade em encontrar um novo antagonista diante da queda de popularidade e de pesquisas que mostram cen�rios eleitorais com nomes como o apresentador Luciano Huck e o ex-presidente Lula � frente de Bolsonaro.
"Huck n�o � candidato. E mesmo Lula n�o partiu para uma antagoniza��o no mesmo n�vel, ele nem fala o nome do Bolsonaro", diz Souza.
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