
Em novembro passado, quando teve os primeiros sintomas de covid-19, o advogado Luiz Antonio Leprevost, de 69 anos, decidiu aderir ao "tratamento precoce".
Ele dizia que por meio de medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina poderia se curar da doen�a causada pelo novo coronav�rus. Em raz�o disso, Luiz demorou para buscar atendimento m�dico.O advogado somente foi a uma unidade de sa�de quando o seu quadro de covid-19 piorou. Ele foi internado em estado grave, mas posteriormente melhorou e teve alta hospitalar.
Quando voltou para casa, o idoso estava debilitado. O estado de sa�de de Luiz piorou cada vez mais, por complica��es em �rg�os como os rins e o f�gado. Os m�dicos suspeitam que esses problemas est�o relacionados ao excesso de rem�dios que ele tomou no "tratamento precoce".
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Primog�nito de Luiz, o secret�rio de Justi�a, Fam�lia e Trabalho do Paran�, Ney Leprevost, se recorda de uma confiss�o feita pelo pai em uma das �ltimas conversas que eles tiveram. "Ele me contou que se arrependeu de ter feito esse tratamento e disse que foi um erro", relata. O idoso morreu no in�cio deste m�s.
Ney afirma que o pai foi enganado pela promessa de uma falsa cura. "A grande maioria dessas pessoas que adotam esse tratamento precoce n�o faz isso por mal. S�o pessoas desesperadas, que querem se proteger e acabam entrando nesse falso milagre que est� sendo anunciado", diz � BBC News Brasil.
A fam�lia acredita que o advogado soube do "tratamento precoce" por meio das redes sociais, WhatsApp ou at� informalmente por m�dicos conhecidos que defendem esses rem�dios contra a covid-19. "O que tenho certeza � que ele n�o foi ao consult�rio de um m�dico especialista para decidir tomar esses rem�dios", diz Ney.
Mesmo sem evid�ncias cient�ficas e com entidades m�dicas se manifestando contra, o "tratamento precoce" para a covid-19 tem sido difundido no pa�s por muitos m�dicos e por parte da popula��o. Al�m disso, j� chegou a ser indicado pelo Minist�rio da Sa�de e frequentemente � defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Desde o in�cio da pandemia, diversas cidades distribu�ram medicamentos que fazem parte desse "tratamento precoce", como ivermectina e hidroxicloroquina, gratuitamente para a popula��o. At� mesmo empresas entregaram esses f�rmacos a seus funcion�rios, afirmando que seria uma forma de prevenir a doen�a ou evitar que uma pessoa infectada tivesse um quadro grave.
Enquanto muitos ainda incentivam a ado��o desse tipo de coquetel de medicamentos, cada vez mais t�m se tornado comuns relatos de m�dicos sobre pacientes que tiveram o quadro de sa�de agravado em decorr�ncia de complica��es causadas pelo uso de medicamentos que comp�em o "tratamento precoce".
A esperan�a em tratamento sem comprova��o cient�fica
Desde os primeiros meses da pandemia de covid-19, no ano passado, o "tratamento precoce" � divulgado massivamente nas redes sociais e em mensagens compartilhadas no WhatsApp. Nos v�deos, h� m�dicos e pol�ticos afirmando que se trata da melhor forma de enfrentar a covid-19.
Mas estudos t�m apontado, cada vez mais, que rem�dios como hidroxicloroquina (usado em pacientes com doen�as como l�pus, artrite, reumatoide e mal�ria) e ivermectina (usado para combater vermes, piolhos e carrapatos) n�o t�m efeito de preven��o ou tratamento da covid-19.
A falta de comprova��o cient�fica n�o tem sido um problema para diversas autoridades, que continuam defendendo esses rem�dios.
Ney critica aqueles que atualmente defendem o "tratamento precoce" nas redes sociais. "� preocupante propagandear isso nas redes hoje em dia. Uma coisa � o m�dico receitar e o pacientes querer correr esse risco. Outra coisa � fazer apologia dessas drogas. Fazer apologia a uma droga, l�cita ou n�o, � crime no Brasil", assevera.
No ano passado, Ney tamb�m defendeu o uso desses rem�dios sem comprova��o cient�fica. Por�m, hoje admite que errou. "Confesso que tinha esperan�a de que ele funcionasse, porque na �poca n�o havia relatos de m�dicos sobre os riscos desse tratamento. A discuss�o ainda n�o era muito forte", afirma o secret�rio do Paran�.
A esperan�a no tratamento era tamanha que Ney admite que tomou ivermectina no ano passado, por acreditar que poderia prevenir uma poss�vel infec��o pelo coronav�rus. Ele relata que o pai, meses antes de ter a covid-19, tamb�m tomou o f�rmaco para tentar evitar ser infectado pelo novo coronav�rus.

Apesar de acreditarem que poderiam prevenir a contamina��o por meio do verm�fugo, o secret�rio do Paran� diz que ele e o pai sempre seguiram os cuidados sanit�rios para evitar a contamina��o pelo v�rus.
"O meu pai se cuidou muito, mas infelizmente acabou infectado. A fam�lia n�o sabe exatamente como ele pegou o v�rus, porque � dif�cil saber isso (com a alta propaga��o do coronav�rus)", diz Ney.
Quando apresentou os primeiros sintomas, junto com a esposa, Luiz optou por fazer todo o protocolo, sem qualquer respaldo cient�fico, do "tratamento precoce".
"Ele seguiu � risca esse 'tratamento precoce': tomou hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina… tudo aquilo que costumam indicar", diz Ney.
Para os familiares, al�m do incentivo em publica��es de amigos que defendiam o uso desses rem�dios, Luiz encontrou respaldo ao "tratamento precoce" nas declara��es do presidente Jair Bolsonaro, que defende a pr�tica mesmo com diversas entidades m�dicas se manifestando contra.
"Em Curitiba h� muitas pessoas boas, mas com extrema admira��o ao presidente, que repassam a centenas de outras pessoas as ideias daquilo que o presidente defende", afirma Ney. Para ele, assim como no caso do pai, h� outros in�meros casos de pessoas que acreditaram nesses medicamentos ap�s declara��es de Bolsonaro.
A esposa de Luiz, Jussara Abr�o, tamb�m testou positivo e optou por buscar um hospital e foi internada. Ela n�o quis fazer o "tratamento precoce". Na unidade de sa�de, seu quadro piorou e ela foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Em casa, Luiz ficou cada vez mais debilitado. O vereador de Curitiba Alexandre Leprevost, um dos filhos do advogado, relatou, durante uma sess�o da C�mara Municipal, que o pai demorou para procurar um hospital em raz�o da "cren�a ferrenha" que tinha no "tratamento precoce".
Quando decidiu procurar um hospital, o advogado j� estava com 80% dos pulm�es comprometidos pela covid-19. Ele foi encaminhado diretamente para a UTI.
M�dicos alertam sobre riscos do 'tratamento precoce'
Assim como no caso de Leprevost, um dos riscos do "tratamento precoce" � fazer com que a pessoa demore para procurar atendimento m�dico por acreditar que ir� se curar da covid-19 por meio de rem�dios como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina.
M�dicos relatam que os pacientes que t�m mais chances de sobreviver s�o aqueles que recebem m�scara de oxig�nio ou ventila��o mec�nica invasiva antes de chegar � insufici�ncia respirat�ria aguda. Por�m, muitas pessoas que fazem o "tratamento precoce" buscam atendimento quando j� est�o em estado grave, com os pulm�es severamente comprometidos.

Em reportagem recente da BBC News Brasil, m�dicos de hospitais de refer�ncia afirmaram que a defesa e o uso do "kit covid", como tamb�m � conhecido o conjunto de medica��es do "tratamento precoce", contribuem de diferentes maneiras para aumentar as mortes no pa�s.
Estudos apontam que entre 80% a 85% dos pacientes infectados pelo novo coronav�rus n�o v�o desenvolver forma grave de covid-19. Para essas pessoas que n�o devem precisar de interna��o, al�m de n�o ajudar no combate � doen�a, o "tratamento precoce" pode criar a falsa sensa��o de que foi o respons�vel pela cura, mesmo pesquisas apontando que esses medicamentos s�o ineficazes contra a enfermidade.
Esse tratamento sem comprova��o cient�fica pode trazer complica��es at� para quem n�o desenvolve quadro grave da covid-19, porque pode causar efeitos colaterais em diferentes �rg�os em virtude de doses excessivas de medicamentos.
Para os 15% ou 20% dos infectados pelo coronav�rus que v�o precisar de interna��o, o uso dessas drogas do "tratamento precoce" pode prejudicar ainda mais o quadro de sa�de. Profissionais que est�o na linha de frente apontam que os efeitos desses f�rmacos s�o mais frequentes entre essas pessoas e, al�m de dificultar o tratamento, podem contribuir para mortes de pacientes, porque podem afetar as fun��es de �rg�os vitais.
Os efeitos colaterais dessas drogas junto com as consequ�ncias de um quadro grave de covid-19 s�o extremamente preocupantes.
"Esses rem�dios n�o ajudam, n�o impedem o quadro de intuba��o, e trazem efeitos colaterais, como hepatite, problema renal, mais infec��es bacterianas, diarreia, gastrite. E a intera��o entre esses medicamentos pode ser perigosa", disse, em recente entrevista � BBC News Brasil, a pneumologista Carmen Valente Barbas, que � professora de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP) e refer�ncia internacional em ventila��o mec�nica.
"A falta de organiza��o central e as informa��es desconexas sobre medica��o sem efic�cia contribu�ram para a letalidade maior na nossa popula��o. N�o vou dizer que representa 1% ou 99% (das mortes), mas contribuiu", afirmou, tamb�m em recente entrevista � BBC News Brasil, Carlos Carvalho, diretor da Divis�o de Pneumologia Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo e professor de Medicina da USP.
As complica��es ap�s a alta hospitalar
Na interna��o para tratar a covid-19, Luiz ficou pouco mais de dois meses em um hospital particular de Curitiba (PR). Ele passou parte desse per�odo intubado.
Quando voltou para casa, o advogado estava com a sa�de debilitada. Diariamente fazia acompanhamento com fisioterapeuta. Por diversas vezes, ap�s o retorno ao lar, ele precisou voltar ao hospital por complica��es de sa�de.

Alguns dos m�dicos que acompanharam Luiz suspeitam que o quadro dele pode ter piorado em decorr�ncia do "tratamento precoce". Isso porque a fam�lia diz que o advogado tinha apenas cardiopatia antes da covid-19, mas desenvolveu problemas em diferentes �rg�os posteriormente. Os profissionais de sa�de suspeitam que esses problemas podem ter sido causados ou agravados pelo uso excessivo de medicamentos.
"N�o podemos afirmar categoricamente que os problemas que ele teve s�o oriundos do "tratamento precoce". Mas o que posso afirmar categoricamente � que o meu pai seguiu � risca esse tratamento, usou os medicamentos que s�o indicados, mas isso n�o evitou a interna��o dele, muito menos que ele fosse intubado", declara Ney.
"E depois de receber alta pela covid-19, ele teve complica��es semelhantes �s que m�dicos de grandes hospitais do Brasil t�m descrito como relacionadas ao tratamento precoce", acrescenta o primog�nito de Luiz.
O advogado teve complica��es nos rins e hepatite (inflama��o do f�gado) que os m�dicos suspeitam que tenha sido medicamentosa, pelo uso desmedido de f�rmacos como hidroxicloroquina e ivermectina. "Mas n�o aprofundaram o estudo da bi�psia dele", diz Ney.
Em um dos encontros que teve com o pai, antes da �ltima interna��o do idoso, o primog�nito ouviu o pai relatar o arrependimento por ter feito o tratamento sem comprova��o cient�fica.
"Ele teve tempo de dizer que estava arrependido. Ele me falou que por ter tomado esses medicamentos demorou muito para aceitar procurar um hospital. Essa demora influenciou bastante (nas complica��es do idoso)", diz o secret�rio do Paran�.
Enquanto Luiz piorava mais em casa, a esposa dele estava recuperada da covid-19 ap�s passar dias na UTI. "Quando eles foram diagnosticados com a covid, meu pai queria que ela tamb�m fizesse o "tratamento precoce", mas ela n�o fez. Al�m disso, ela aceitou ser internada muito rapidamente, diferente do meu pai. Hoje ela est� �tima", diz Ney.
Junto com a fam�lia em casa, Luiz ficou cada vez mais fraco. Os parentes contam que a �ltima interna��o dele foi ap�s o advogado apresentar uma colora��o amarelada. Ele foi levado �s pressas ao hospital e o quadro foi considerado grav�ssimo. O idoso foi para a UTI. Na noite de 9 de abril, ele n�o resistiu �s complica��es de sa�de.
Na certid�o de �bito consta que Luiz morreu em decorr�ncia de insufici�ncia renal e fal�ncia m�ltipla dos �rg�os.
"O problema dele n�o foi a covid-19, foram outras complica��es. Meu pai acabou entrando nessa canoa furada. Foi, de certa forma, descuido. Se voc� me perguntar se eu acredito que meu pai estaria vivo se n�o tivesse feito o tratamento precoce e fosse mais cedo ao hospital, eu diria que acredito que sim"', afirma o primog�nito de Luiz.
O advogado, que era vice-presidente da Associa��o Comercial do Paran� (ACP), deixa a esposa com quem foi casado durante d�cadas, quatro filhos e seis netos.
'Tudo isso precisa ser passado a limpo'
Para Ney, tudo o que o pai viveu desde novembro passado se tornou uma li��o sobre o "tratamento precoce". Ele afirma que mudou a vis�o sobre o tema ap�s vivenciar a situa��o do pai e espera que hist�rias como a de Luiz sirvam de alerta para que as pessoas n�o acreditem em medica��es sem respaldo cient�fico.
"Quando algu�m tem uma doen�a, deve procurar m�dicos s�rios e confiar. � preciso avaliar os pr�s e contras do tratamento e devem ficar atentas a informa��es e a estudos cient�ficos. Nosso pa�s n�o suporta mais, em hip�tese alguma, a nega��o da ci�ncia. Acreditar na ci�ncia � o melhor caminho para a preven��o da covid-19", afirma.
O secret�rio diz que espera que as aquisi��es de hidroxicloroquina pelo poder p�blico e o incentivo ao uso desse f�rmaco se tornem alvos de investiga��es. Esses pontos est�o entre os principais alvos da Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da Covid-19.
"Em alguma hora vai acontecer uma investiga��o s�ria. N�o sei se vai acontecer nessa CPI (da Pandemia) ou n�o. Mas penso que � necess�rio que a Pol�cia Federal, a Procuradoria-Geral da Rep�blica e os Minist�rios P�blicos Estaduais verifiquem se autoridades federais, estaduais ou municipais tiveram alguma liga��o com laborat�rios de cloroquina e se tiveram acr�scimos em seus ganhos pessoais no ano passado…", declara.
"Tudo isso precisa ser passado a limpo, porque � dif�cil entender ainda hoje, depois de todo esse tempo e de tantos estudos feitos, porque ainda h� tantas autoridades e pessoas da �rea da sa�de defendendo esse tipo de medicamento", completa.
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