
O fim da pandemia de coronav�rus nem aparece ainda no horizonte, mas j� est� claro para muita gente que os impactos ser�o sentidos por muitos anos mesmo quando a circula��o do v�rus estiver controlada no mundo.
Na �rea da sa�de p�blica, esse cen�rio cr�tico deve durar pelo menos uma d�cada, estima Suzana Lobo, diretora-presidente da Associa��o de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), em entrevista � BBC News Brasil. O problema, segundo ela, se agrava ainda mais por causa das desigualdades de acesso a sa�de no Brasil, tanto regionais quanto socioecon�micas.
"O servi�o de urg�ncia e emerg�ncia vai sofrer muita press�o tanto pelos problemas pr�vios dessa desigualdade de distribui��o de leitos como o que a gente v� pela frente, que vai ter outras ondas, vai ter agravamento de comorbidades dos sobreviventes da covid, a desassist�ncia provocada pela restri��o de acesso a pacientes que n�o foram ao hospital porque tinham medo, doen�as psicossom�ticas, condi��es cr�nicas agudizadas... Os desafios do Brasil para a pr�xima d�cada s�o enormes", enumera Lobo.
Em sua avalia��o, muitos pa�ses ricos tamb�m n�o estavam preparados para enfrentar a pandemia, mas "o que faz a diferen�a � depois voc� virar a chave e come�ar fazer as coisas certas". No curto prazo, Lobo defende o controle do espalhamento da doen�a na popula��o, com medidas como restri��es � circula��o de pessoas "na hora certa e no local certo, onde os leitos est�o saturados" e uso obrigat�rio de m�scara.
No m�dio e no longo prazo, as sa�das passam por pontos como redu��o de desigualdades e a amplia��o do n�mero de profissionais capacitados para atender �s novas demandas da pandemia, conforme diagn�stico apresentado por ela e outros colegas ao ministro da Sa�de, Marcelo Queiroga.
O principal obst�culo � obviamente financeiro. A falta de recursos para a sa�de ante uma demanda crescente ser� potencializada pelo aumento do rombo nas contas p�blicas e pela emenda constitucional do teto de gastos, que limitou o aumento de despesas p�blicas at� 2030.
Um ano antes da pandemia, um estudo publicado no peri�dico BMC Medicine j� apontava que a restri��o financeira em programas de aten��o prim�ria poderia levar a quase 30 mil mortes evit�veis no pa�s.
A BBC News Brasil lista abaixo quatro desafios importantes de sa�de p�blica para o pa�s nos pr�ximos meses e anos, al�m da falta de verbas.
- Milhares de pacientes com sequelas da covid-19;
- Demanda reprimida de cirurgias eletivas que foram canceladas na pandemia;
- Impacto negativo no tratamento de doen�as como c�ncer;
- Vacina��o lenta e novas ondas de infec��o.
1. Sequelas da covid e o mito dos 'recuperados'
Em um dado momento da pandemia, quando o n�mero de mortes por covid no pa�s j� passava de 100 mil (hoje s�o 365 mil), o governo de Jair Bolsonaro decidiu a exaltar diariamente o n�mero de "recuperados" da doen�a.
O objetivo da estrat�gia, considerada negacionista por especialistas, era fazer frente a uma "cobertura maci�a de fatos negativos", como chegou a dizer o ministro da Secretaria de Governo, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos.

O conceito de recuperado inclui pessoas que foram diagnosticadas pela doen�a, mas n�o morreram. S� que muitas delas nem poderiam ser consideradas recuperadas, muito menos curadas, por causa da chamada covid longa.
Essa condi��o de sa�de persistente tem atingido centenas de milhares de pessoas ao redor com mundo com sintomas que duram semanas ou meses, e alguns deles podem ser inclusive permanentes.
Ao longo de um ano de pandemia, cientistas e profissionais de sa�de ao redor do mundo descobriram que a covid estava associada a mais de 50 manifesta��es de sa�de relacionadas a diversas partes do corpo. Foram identificados danos neurol�gicos, psicol�gicos, pulmonares, imunol�gicos, renais, card�acos, motores, entre muitos outros.
H� dezenas deles, como cansa�o extremo, falta de ar, perda de olfato, dores nas articula��es, problemas de mem�ria, depress�o, dores nas articula��es e erup��es na pele.
Segundo pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, do M�xico e da Su�cia, que analisaram dezenas de estudos sobre o tema com 48 mil pacientes ao todo, os cinco sintomas mais comuns da covid prolongada s�o fadiga (58%), dor de cabe�a (44%), dificuldade de aten��o (27%), perda de cabelo (25%) e falta de ar (24%).
N�o h� dados dispon�veis sobre o n�mero de pessoas atingidas por essa condi��o no Brasil, mas � poss�vel ter a dimens�o a partir de outros pa�ses. No Reino Unido, por exemplo, pa�s com um ter�o da popula��o brasileira, estima-se que 300 mil pessoas enfrentem a chamada covid longa.
Segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de, 1 em cada 10 pessoas que contra�ram o v�rus continua doente tr�s meses depois dos primeiros sintomas.

O impacto dessa condi��o prolongada, ainda cercada de d�vidas e incompreens�o, deve ser sentido por anos na vida desses pacientes e no sistema de sa�de, em raz�o do aumento da demanda por tratamentos, profissionais, medicamentos e reabilita��o, por exemplo.
"O fardo � real e significativo", afirmou Hans Kluge, diretor da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) na Europa.
2. Explos�o da fila de cirurgias eletivas
"O incentivo (de R$ 250 milh�es) aos munic�pios � para zerar a fila de espera de cirurgias eletivas de m�dia complexidade e diminuir o tempo de espera daqueles que aguardam por procedimentos agendados." Esse an�ncio de verba extra do Minist�rio da Sa�de brasileiro, de janeiro de 2020, mal poderia esperar que a fila fosse come�ar a explodir poucos meses depois, com a pandemia de covid-19.
As cirurgias eletivas s�o consideradas necess�rias, mas n�o urgentes e podem ser agendadas. Entre as mais demandadas est�o as oftalmol�gicas (tratamento de catarata, por exemplo), a corre��o de h�rnias e a retirada da ves�cula biliar.
Desde o in�cio de 2020, pa�ses, Estados e munic�pios t�m suspendido muitos procedimentos do tipo por causa da sobrecarga do sistema de sa�de (leitos, profissionais e insumos) e dos riscos de cont�gio por covid-19. Na Inglaterra, por exemplo, a fila desses pacientes passou de 1.600 pessoas para quase 388 mil em um ano de pandemia, � a pior marca desde 2008.

N�o h� dados atualizados sobre o tamanho da fila brasileira. Em 2018, o Conselho Federal de Medicina falava em 900 mil pessoas na fila da rede p�blica. Segundo dados atuais do Sistema �nico de Sa�de (SUS), em 2020 houve uma queda de 1 milh�o de cirurgias eletivas em rela��o ao ano anterior, montante que se soma � fila hist�rica.
De 2018 para 2019, o Brasil havia conseguido ampliar em quase 10% a realiza��o desses procedimentos. Se o pa�s atingisse o mesmo patamar a partir de 2021, levaria quase cinco anos apenas para zerar essa demanda represada pela pandemia.
Isso sem considerar outros fatores que possam levar ao aumento da demanda, como as sequelas deixadas pela pr�pria covid.
Estados como o Mato Grosso do Sul j� t�m anunciado medidas para tentar desafogar a fila, como recursos extras e mutir�es. Mas se espera uma explos�o ainda maior da demanda quando a pandemia perder for�a de vez.
No setor privado, houve ainda um impacto financeiro significativo. A queda de procedimentos eletivos levou diversos hospitais a ficarem no vermelho, porque a receita caiu, mas os custos se mantiveram fixos, aponta levantamento da Associa��o Nacional de Hospitais Privados.
3. Mais de 50% dos pacientes com c�ncer atrasaram tratamento
Os efeitos da pandemia foram sentidos no Brasil e outros pa�ses tamb�m no tratamento e no diagn�sticos de outras doen�as, como c�ncer.
Kluge, diretor da OMS na Europa, Hans Kluge, afirmou que o impacto da pandemia no tratamento do c�ncer foi "catastr�fico". Na regi�o, a �rea oncol�gica sofreu interrup��es parciais ou totais em um ter�o dos pa�ses europeus.
Para Sara Bainbridge, da institui��o filantr�pica brit�nica Macmillan Cancer Support, o ano de 2020 foi devastador para muitas pessoas que vivem com c�ncer e enfrentaram "atrasos angustiantes ou interrup��es no tratamento ou no diagn�stico". Estimativas apontam dezenas de milhares de pessoas no pa�s deixaram de receber o primeiro diagn�stico da doen�a e assim iniciar o tratamento.
Cerca de metade dos pacientes com c�ncer no mundo sofreram atrasos no tratamento, entre eles adiamentos na radioterapia ou quimioterapia e cancelamentos de consultas e bi�psias, apontou um levantamento liderado por Rachel Riera, professora da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) e coordenadora no hospital S�rio Liban�s, em parceria com a OMS a partir da revis�o de dezenas de estudos sobre o tema.
O impacto da covid no tratamento, no diagn�stico e na pr�pria sa�de dos pacientes oncol�gicos pode levar a um aumento do n�mero de mortes por c�ncer. Um estudo liderado por pesquisadores da University College London, do Reino Unido, estimou que pode haver quase 18 mil mortes a mais associadas ao c�ncer ao longo de 12 meses.
4. Novas ondas de covid e vacina��o
Como se n�o bastassem os problemas citados acima, a pandemia ainda n�o acabou. Isso significa que o sistema de sa�de brasileiro continuar� pressionado por meses (ou anos) com os infectados pela covid em si.
Dados compilados pela Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que 1,8 milh�o de pessoas no Brasil foram internadas em 2020 e 2021 por casos suspeitos ou confirmados de covid grave. O sistema de sa�de colapsou ou esteve � beira do colapso em praticamente todos os Estados do pa�s.

Apesar de alguns sinais positivos de uma melhora da situa��o ca�tica e tr�gica, o v�rus continua circulando com for�a no pa�s e a vacina��o caminha a passos lentos. Ou seja, enquanto a grande maioria da popula��o n�o estiver imunizada, o Brasil continuar� a enfrentar ondas da doen�a que lotam hospitais, matam cada vez mais jovens e agravam a situa��o econ�mica do pa�s.
Em mar�o de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou que com "R$ 5 bilh�es a gente aniquila o coronav�rus". S� o aux�lio emergencial custou quase R$ 300 bilh�es.
Na �rea da sa�de, um levantamento do Senado Federal aponta que o enfrentamento brasileiro � pandemia demandou dos cofres da Uni�o mais R$ 63 bilh�es em a��es diretas, como compra de equipamentos, testes e medicamentos.
Enquanto a doen�a n�o for controlada, milhares de pessoas continuar�o a ficar doentes e os gastos gigantescos dominar�o o or�amento nacional para sa�de, que j� enfrentava restri��es antes da pandemia.
Cada leito de UTI custa de R$ 2.500 a R$ 3.000 por dia, segundo dados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ou seja, uma unidade com 30 leitos de UTI custa pelo menos R$ 2,3 milh�es por m�s. O pa�s aumentou a oferta de UTIs em um ter�o na pandemia, e a implanta��o de cada um dos leitos, seguindo os crit�rios b�sicos, � estimada em R$ 180 mil.
Al�m da satura��o dos hospitais, o outro grande desafio atual � o programa de vacina��o, considerado a principal porta de sa�da da pandemia.
No papel, o cronograma atual do Minist�rio da Sa�de prev� 563 milh�es de doses, e a entrega de 154 milh�es delas no primeiro semestre de 2021, considerando apenas vacinas aprovadas pela Anvisa: Coronavac, AstraZeneca-Oxford e Pfizer.
Isso seria suficiente para imunizar o grupo priorit�rio inteiro, mas n�o significa que todas essas 78 milh�es de pessoas estariam vacinadas antes de julho — o Brasil tem conseguido aplicar cerca de metade das doses dispon�veis e h� um intervalo de semanas entre a primeira e a segunda dose.
Mas os constantes atrasos em importa��es de insumos e vacinas, al�m de problemas na produ��o em territ�rio nacional e a n�o aprova��o de outros imunizantes por parte da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) fazem com que esse cronograma seja cada vez mais dif�cil de ser atingido.
A tend�ncia, at� o momento, � que o in�cio da vacina��o dos adultos n�o priorit�rios deva acontecer pelo menos em meados do segundo semestre de 2021, enquanto a de jovens com menos de 25 anos deve acontecer s� em 2022. A situa��o dos menores de idade � ainda mais incerta.
Um estudo recente da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) apontou que que Brasil precisa vacinar 2 milh�es por dia para controlar pandemia em at� um ano. Mas desde o in�cio da vacina��o, s� ultrapassou tr�s vezes a marca de 1 milh�o de vacinados.
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