O Minist�rio P�blico Estadual do Cear� (MP-CE) multou a operadora de sa�de HapVida, uma das maiores da �rea de sa�de privada do pa�s, em R$ 468 mil por impor que os m�dicos prescrevam cloroquina ou hidroxicloroquina a pacientes com a covid-19.
A decis�o administrativa, da segunda-feira (26/04), foi tomada ap�s relatos de um m�dico que prestou servi�os � operadora de sa�de e de uma paciente, que disse ter sido orientada a tomar hidroxicloroquina mesmo sem ter um diagn�stico de covid-19.
Em nota � BBC News Brasil, ap�s a publica��o desta reportagem, a HapVida confirma que foi notificada pelo MP-CE sobre a decis�o administrativa. A empresa argumenta que "sempre respeitou a soberania m�dica quando o objetivo � salvar vidas" e diz que atua "em conformidade com as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM) para os tratamentos contra a covid-19".
"Para a empresa, cada vida importa e seguir� firme no combate ao v�rus", conclui a nota da operadora de sa�de.
Conforme mostrado por reportagem da BBC News Brasil em agosto passado, m�dicos de diferentes regi�es do pa�s relatam que a empresa imp�e a prescri��o de hidroxicloroquina a pacientes com suspeita ou confirma��o de covid-19.
O medicamento � parte de um "kit" que foi defendido por alguns setores, sem qualquer comprova��o cient�fica, como "tratamento precoce".
Ao MP-CE, a HapVida afirmou que nunca pressionou seus m�dicos a prescreverem uma determinada medica��o aos pacientes. A empresa tem o prazo de 10 dias para se manifestar contra a decis�o administrativa.
Em maio de 2020, a operadora de sa�de anunciou que havia adquirido milhares de unidades de hidroxicloroquina e passou a entreg�-las gratuitamente aos seus clientes. Segundo m�dicos ouvidos pela reportagem, foi nesse per�odo que a press�o para a prescri��o do f�rmaco aumentou.
A cloroquina e o seu derivado, a hidroxicloroquina, s�o medicamentos usados para tratar doen�as como l�pus, artrite, reumatoide e mal�ria. Desde o ano passado, estudos apontam a inefic�cia desses f�rmacos para o combate � covid-19. Apesar disso, diversos m�dicos e empresas continuam defendendo o uso desses rem�dios para combater a doen�a causada pelo novo coronav�rus.

Um dos maiores defensores desses medicamentos no pa�s, desde o in�cio da pandemia, � o presidente Jair Bolsonaro. Por diversas vezes, ele propagou o uso do f�rmaco contra a covid-19, mesmo sem qualquer evid�ncia cient�fica.
Entidades m�dicas n�o recomendam o uso do medicamento para pessoas infectadas pelo novo coronav�rus.
Os estudos apontaram que o uso do medicamento contra a covid-19 n�o traz nenhum benef�cio e pode causar efeitos colaterais como retinopatias (problema de vis�o), hipoglicemia grave e toxicidade card�aca.
Imposi��o do uso de hidroxicloroquina
Os detalhes sobre a conduta da HapVida em rela��o ao uso de hidroxicloroquina no Cear� foram encaminhados ao Programa Estadual de Prote��o e Defesa do Consumidor (Decon), do MPCE.
O m�dico Felipe Peixoto relatou ao MPCE que a press�o da HapVida come�ou a partir de maio passado. Segundo ele, a empresa analisava prontu�rios de clientes com a covid-19 para avaliar se os profissionais de sa�de estavam prescrevendo hidroxicloroquina. Peixoto disse que a empresa criou um "ranking de m�dicos ofensores" para apontar aqueles que n�o indicavam o medicamento.
Ainda segundo o m�dico, um chefe respons�vel por uma unidade de sa�de da rede afirmou, em um grupo de WhatsApp, que "n�o cabe discuss�o sobre a hidroxicloroquina" e orientou os profissionais a parar de informar sobre o risco da medica��o.
Felipe disse que n�o prescrevia hidroxicloroquina a pacientes com suspeita de covid-19 e foi questionado por um coordenador. O m�dico disse ter argumentado que n�o havia estudos sobre a efic�cia do medicamento contra a doen�a e apontou que o rem�dio poderia trazer riscos a alguns pacientes, por isso n�o recomendaria quando n�o fosse "expressamente necess�rio e cab�vel". Dias depois, o m�dico foi dispensado pela operadora de sa�de.
O M-PCE ressalta que h� comprovantes dos registros eletr�nicos de Peixoto, que confirmam o per�odo em que ele atuou na empresa. O m�dico tamb�m encaminhou prints das conversas em grupos de WhatsApp na qual os m�dicos recebiam as orienta��es para receitar o medicamento sem comprova��o cient�fica.
O Minist�rio P�blico do Cear� tamb�m recebeu uma reclama��o de uma cliente do plano de sa�de. Ela relatou que um m�dico da HapVida prescreveu o uso de hidroxicloroquina sem que ela tivesse feito o teste para confirmar se estava com covid-19.
Al�m disso, o Minist�rio P�blico menciona que diversas reportagens revelaram a imposi��o da HapVida sobre a prescri��o do f�rmaco.
Empresa nega
Em resposta ao Minist�rio P�blico do Cear�, a HapVida argumentou que n�o existe qualquer imposi��o a m�dicos da operadora para a prescri��o da hidroxicloroquina.
A empresa afirmou que entende que qualquer prescri��o � uma prerrogativa do m�dico e acrescentou que "o tratamento do paciente � baseado na autonomia m�dica e na valoriza��o da rela��o m�dico-paciente, com o prop�sito de oferecer o melhor tratamento dispon�vel".
Ainda em resposta ao MP-CE, a HapVida disse que n�o faz qualquer tipo de an�lise das prescri��es dos m�dicos para verificar se indicaram o uso da hidroxicloroquina.
Em rela��o ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com a covid-19, a empresa alegou que elaborou um protocolo para pacientes com a doen�a que inclui essas medica��es. A operadora argumentou que medida semelhante foi adotada pelo Minist�rio da Sa�de, Estados, Munic�pios e outras operadoras privadas.
Sobre o assunto, o Minist�rio da Sa�de tem alegado que n�o se trata de um protocolo, mas sim uma possibilidade de a��o, conforme documento divulgado ainda sob a gest�o do general Eduardo Pazuello.
Segundo a empresa, em resposta ao MP-CE, esse documento tem o objetivo de "orientar e uniformizar a informa��o para os profissionais que atuam na rede da empresa" e " n�o implicam em qualquer tipo de imposi��o ou limita��o � autonomia do m�dico assistente".
Sobre o relato da paciente que disse ter sido orientada a tomar hidroxicloroquina mesmo sem comprova��o de que estava com a covid-19, a HapVida argumentou que a mulher havia recebido autoriza��o para passar por exame para avaliar se havia contra�do o novo coronav�rus.

A multa
Respons�vel por conduzir o caso, o promotor de Justi�a Hugo Vasconcelos Xerez, apontou que a imposi��o para que os m�dicos prescrevam medicamentos sem comprova��o cient�fica fere diretamente as autonomias desses profissionais e desrespeita a rela��o m�dico-paciente. Ele frisou tamb�m que a medida � contr�ria ao C�digo de Defesa do Consumidor (CDC) e � autonomia profissional garantida pelo C�digo de �tica M�dica.
"Mesmo existindo qualquer protocolo de manejo cl�nico da covid-19 por parte do Minist�rio da Sa�de ou do pr�prio plano de sa�de, s�o os profissionais t�cnicos habilitados que possuem a palavra final quanto � prescri��o ou n�o dos medicamentos para tratamento da doen�a. De acordo com o C�digo de �tica dos M�dicos brasileiros, o profissional tem o direito de 'recusar-se a realizar atos m�dicos que, embora permitidos por lei, sejam contr�rios aos ditames de sua consci�ncia'", assinalou o promotor, que � secret�rio-executivo do Decon do MP-CE.
Xerez ressaltou que a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) recomendou que as pesquisas sobre a cloroquina contra a covid-19 sejam abandonadas.
"Portanto, n�o h� que se falar, ainda, em insubsist�ncia da atua��o deste �rg�o, uma vez que as normas em vigor s�o espec�ficas e vedam colocar no mercado de consumo qualquer produto ou servi�o em desacordo com as normas expedidas pelos �rg�os oficiais. A conduta adotada pela reclamada (HapVida) � indevida/ilegal, sendo abusivo que persista e se desdobre para continuar com a pr�tica il�cita objeto do presente procedimento administrativo", asseverou.
"Ante a constata��o de que a irregularidade existiu, deve a demanda seguir o seu regular processamento, aplicando � autuada san��o administrativa cab�vel ao caso", acrescentou Xerez.
Para aplicar a multa de R$ 468.333, o promotor apontou fatores como o porte econ�mico da empresa, os diversos relatos sobre a imposi��o para o uso de hidroxicloroquina e o fato de a operadora de sa�de n�o ter reconhecido os relatos dos denunciantes e n�o ter adotado solu��es internas para resolver a situa��o.
O promotor pediu que a decis�o administrativa seja encaminhada para a Ag�ncia Nacional de Sa�de Suplementar e para o Conselho Regional de Medicina do Cear� (Cremec).
No ano passado, o Cremec recebeu den�ncias de m�dicos que relataram ter sido obrigados a prescrever hidroxicloroquina a pacientes com a covid-19. A entidade disse que estava apurando os casos, mas n�o informou a quais empresas se referiam, sob o argumento de que os procedimentos tramitam em sigilo.
A HapVida foi notificada da decis�o administrativa do MP-CE na segunda-feira. A operadora de sa�de tem at� 7 de junho para pagar a multa ou 10 dias �teis para apresentar um recurso administrativo contra a decis�o na Junta Recursal do Programa Estadual de Prote��o ao Consumidor (Jurdecon).
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