Nas �ltimas semanas, profissionais da sa�de observaram um aumento consider�vel na busca por testes que avaliam a presen�a de anticorpos contra o coronav�rus no organismo.
Apesar de n�o existirem estat�sticas oficiais sobre o assunto, acredita-se que o aumento do interesse por esses exames esteja diretamente relacionado ao avan�o da vacina��o no pa�s.
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Ap�s tomarem as duas doses do imunizante, as pessoas querem saber se est�o efetivamente protegidas contra a covid-19.
Mas h� um problema s�rio nisso: os testes dispon�veis no mercado atualmente n�o s�o capazes de fornecer essa resposta de forma satisfat�ria.
E isso sem contar que a medi��o de anticorpos p�s-vacinais n�o muda em nada as recomenda��es de cuidados e preven��o durante a pandemia.
O assunto evoluiu a tal ponto que a Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm) precisou emitir um parecer t�cnico oficial em que n�o recomenda a realiza��o desses exames depois da imuniza��o.
"Avalia��es laboratoriais desse tipo n�o v�o esclarecer nada e podem causar confus�o. Quando o resultado d� negativo, a pessoa pode acreditar que a vacina n�o funcionou nela. Se der positivo, h� o risco de abandono das medidas de prote��o", explica a pediatra Fl�via Bravo, diretora da SBIm.
"E, na realidade, nenhuma dessas interpreta��es est� correta", completa.
"Esses testes s�o muito novos e n�s n�o temos ainda informa��o suficiente sobre qual � a real aplicabilidade deles", concorda o patologista cl�nico Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Cl�nica e Medicina Laboratorial.
Mas como os especialistas chegaram nesse posicionamento? E por que os exames de anticorpos podem mais atrapalhar que ajudar?
Para responder a essas quest�es, � preciso antes desvendar alguns detalhes do misterioso e fascinante mundo da imunidade.
Sempre alerta
V�rus, bact�rias, picadas de inseto, farpas Todo corpo estranho que invade nosso organismo logo � identificado (e, se necess�rio, atacado) por um time de c�lulas que integram o sistema imunol�gico.
Falamos aqui dos linf�citos, mon�citos, neutr�filos, bas�filos, eosin�filos, macr�fagos e outras unidades respons�veis por proteger o corpo contra as mais variadas amea�as.
De forma bastante resumida, essa equipe possui tr�s formas de atua��o principais.
A primeira delas � a chamada imunidade inata.
"Parte do sistema de defesa tem essa capacidade de agir rapidamente, em quest�o de minutos ou poucas horas", ensina o m�dico Jo�o Viola, presidente do Comit� Cient�fico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Essa resposta inata pode ser facilmente observada quando a gente toma uma picada de pernilongo na pele: a regi�o fica ligeiramente inchada, avermelhada e come�a a co�ar.
Isso significa que algumas c�lulas est�o agindo ali, em tempo real, para identificar e combater aquelas subst�ncias que o mosquito injeta ao sugar nosso sangue.
Prazo estendido
Os outros dois tipos de imunidade demoram um pouquinho mais para surtir resultado.
Tratam-se das respostas humoral e celular. Ambas s�o mediadas por um tipo de c�lula important�ssima do sistema de defesa: os linf�citos.
"A resposta humoral � feita pelos linf�citos B, que entram em contato com partes do agente patog�nico e, ap�s dez a 20 dias, desenvolvem anticorpos conhecidos como IgA, IgG e IgM", detalha Viola, que tamb�m � pesquisador do Instituto Nacional de C�ncer (Inca), no Rio de Janeiro.

J� a resposta celular depende dos linf�citos T, que tamb�m demoram de duas a tr�s semanas para "aprender a lidar" com os agentes infecciosos.
Eles s�o respons�veis por coordenar todo um batalh�o de outras c�lulas que contra-atacam e destroem os v�rus, bact�rias, fungos, protozo�rios ou outros vil�es que est�o causando problema em alguma parte do corpo.
Da teoria � pr�tica
Vale dizer que esse mesmo racioc�nio se aplica �s vacinas: elas trazem informa��es (como v�rus inteiros inativados ou pedacinhos deles, por exemplo) capazes de suscitar toda essa rea��o imunol�gica sem causar a doen�a em si.
Com isso, o sistema de defesa j� constitui um verdadeiro arsenal de anticorpos e c�lulas "bem treinadas" para saber como reagir quando for exposto a um perigo real.
� justamente isso que ocorre com os imunizantes desenvolvidos contra a covid-19: por meio de diferentes plataformas tecnol�gicas e mecanismos de a��o, eles conseguem ativar uma resposta contra o coronav�rus que impede a infec��o (ou ao menos as suas formas mais graves).
As vacinas aprovadas foram avaliadas em dezenas de milhares de volunt�rios e se mostraram seguras e eficazes.
E isso nos faz voltar � pergunta l� do in�cio da reportagem: diante de todo esse conhecimento, qual seria a utilidade dos testes que medem a produ��o de anticorpos ap�s a vacina��o?
Santos explica que os exames j� dispon�veis s�o feitos a partir da coleta de uma amostra de sangue.
"Eles mensuram a quantidade de anticorpos neutralizantes ou outros anticorpos que agem especificamente em alguma parte do coronav�rus, como a prote�na S, que fica na superf�cie do agente infeccioso", diz o patologista cl�nico.

Ou seja: esses exames medem apenas uma parte muito pequena e espec�fica da resposta imunol�gica humoral.
Com isso, eles n�o mostram toda a realidade do que � desencadeado ap�s a vacina��o, algo muito mais complexo e diverso.
Pode ser, portanto, que a pessoa n�o desenvolva muitos anticorpos espec�ficos contra a tal prote�na S ap�s a vacina��o, mas tenha obtido uma resposta humoral satisfat�ria contra outros pedacinhos do v�rus.
Uma segunda possibilidade est� na imunidade celular: os seus linf�citos T podem estar muito bem treinados para extirpar a amea�a do corpo antes que ela se agrave.
E n�o d� pra ignorar a imunidade inata: ela tamb�m tem um papel importante a cumprir no meio de toda essa confus�o.
Em outras palavras, fazer esses testes ap�s a vacina��o pode ser comparado a olhar um quarto atrav�s do buraquinho da fechadura: voc� pode at� ter uma leve ideia do que ocorre l� dentro, mas isso n�o � suficiente para entender o que est� acontecendo de verdade do outro lado daquela porta.
Conclus�es precipitadas
Vamos supor que um indiv�duo desavisado tomou as duas doses da vacina, esperou alguns dias e quis saber se suas c�lulas trabalharam direitinho e produziram os tais anticorpos protetores.
Ele vai ent�o at� um laborat�rio, deixa um pouco de sangue l� e recebe o laudo do exame alguns dias depois.
Possibilidade um: o teste n�o detectou um n�mero suficiente de anticorpos para lidar com a covid-19.
Um resultado desses pode causar frustra��o e desembocar numa s�rie de conclus�es precipitadas sobre a efetividade das vacinas (quando sabemos que a imunidade � muito mais complexa que a simples quantidade de anticorpos).
Possibilidade dois: o teste encontrou um bom n�vel de anticorpos contra o coronav�rus.
"Uma observa��o dessas pode at� deixar a pessoa feliz, mas tamb�m representa um risco: h� uma tend�ncia de relaxarmos nas medidas de prote��o quando acreditamos que estamos mais resguardados", raciocina Bravo.
Al�m de armarem essas arapucas, os testes p�s-imuniza��o n�o mudam em nada o comportamento que devemos ter pelos pr�ximos meses: vacinados e n�o vacinados precisam continuar a usar m�scaras, manter distanciamento social, cuidar da higiene das m�os, privilegiar ambientes arejados
"Na pr�tica, resultados positivos ou negativos n�o representam nada. Por isso, os testes n�o s�o recomendados nesse contexto n�o s� pela SBIm, mas tamb�m por outras entidades como a Organiza��o Mundial da Sa�de e o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as dos Estados Unidos", completa a pediatra.
Sem nenhuma utilidade?
Na �rea da imunologia, os testes de anticorpos ap�s a vacina��o s�o utilizados apenas em situa��es muito espec�ficas.
Uma indica��o clara deles acontece nos pacientes que precisam se vacinar contra a hepatite B e est�o com o sistema imunol�gico suprimido por doen�as ou tratamentos m�dicos.
Nessa situa��o, os profissionais de sa�de podem pedir esses exames para entender se os imunizantes surtiram o efeito desejado.
Se os resultados estiverem abaixo do esperado, � poss�vel tomar doses de refor�o para garantir prote��o contra esse v�rus que afeta o f�gado e pode causar cirrose ou c�ncer.
Na atual pandemia, essas an�lises laboratoriais t�m um papel muito importante a cumprir do ponto de vista coletivo: quando feitas em milhares de pessoas de uma determinada comunidade, elas ajudam a calcular o impacto da doen�a ou da vacina��o naquele local.
"Esses trabalhos acad�micos nos permitem entender a epidemiologia da covid-19 e quanto tempo dura a prote��o ap�s a infec��o ou a vacina��o", esclarece Viola.

Esse conhecimento ser� essencial para determinar, num futuro pr�ximo, qual ser� a periodicidade da aplica��o de doses para ficar protegido do coronav�rus.
Esses inqu�ritos sorol�gicos populacionais, como s�o conhecidos, poder�o indicar o tempo que a resposta do sistema de defesa (obtida com a vacina��o ou a infec��o) permanece ativa ap�s a covid-19.
Em algumas doen�as infecciosas, como a febre amarela e a catapora, essa prote��o dura d�cadas ou praticamente por toda a vida.
J� em outras, como a gripe, essa imunidade se enfraquece ap�s alguns meses da� a necessidade, inclusive, de se vacinar todos os anos.
Por ora, ainda n�o h� uma resposta clara sobre isso para a covid-19, mas tudo indica que ser� necess�rio fazer campanhas de imuniza��es de tempos em tempos.
E quem vai ajudar a determinar essa periodicidade s�o justamente as pesquisas sobre como nosso sistema imunol�gico se comporta no longo prazo.
"A ci�ncia ainda est� buscando meios de entender essas diferen�as imunol�gicas entre as doen�as. E quem fizer essa descoberta provavelmente ganhar� um Pr�mio Nobel", aponta Viola.
Recomenda��es finais
Num texto que viralizou nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais, o bi�logo Martin Bonamino, do Inca, traz uma s�rie de recomenda��es e ideias relacionadas � discuss�o sobre os testes ap�s a vacina��o.
Primeiro, ele apresenta que os efeitos da imuniza��o s�o medidos do ponto de vista coletivo. "O dado que nos interessa de fato � o impacto das vacinas na popula��o em termos de n�mero de cont�gios, interna��es, casos graves e �bitos. E, ao que parece, todas as vacinas aprovadas t�m impacto positivo nestes quesitos, inclusive as duas que s�o oferecidas atualmente no pa�s".
O especialista continua: "Os dados est�o come�ando a aparecer no Brasil e indicam que ao menos a CoronaVac protegeria das variantes na mesma taxa que faz com o v�rus original, o que realmente � uma �tima not�cia se confirmada. Nas pr�ximas semanas certamente teremos mais dados dispon�veis para avaliarmos estes perfis de resposta e prote��o. Confiemos, portanto, no efeito das vacinas. Tem pouca serventia se preocupar com a quantidade ou qualidade dos seus anticorpos."
Bonamino tamb�m destaca a import�ncia de vacinarmos as pessoas o mais r�pido poss�vel: "Mais vale pressionar para que tenhamos a maior quantidade de vacinas no menor prazo poss�vel. Ap�s se vacinar, siga se protegendo para n�o se expor e n�o expor os demais. E aguardemos que, assim que muita gente tenha sido vacinada, consigamos diminuir a circula��o do v�rus. S� ent�o estaremos todos mais seguros."
Por fim, o imunologista deixa uma orienta��o para todas as pessoas que est�o interessadas em passar por esses testes. "Se voc� tem recursos financeiros sobrando e quer se sentir mais confort�vel com tudo o que est� acontecendo � nossa volta, n�o gaste seu dinheiro com estes testes. Feitos desta maneira, eles n�o ter�o qualquer impacto real na evolu��o da doen�a no pa�s e dir�o pouco sobre sua chance de pegar covid-19 ap�s vacinado".
"Doe estes recursos para as iniciativas que est�o apoiando as pessoas com mais necessidades e os mais vulner�veis neste momento t�o delicado. Este gesto sim ajudar� a mitigar os efeitos da pandemia", completa.
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