
Agora, a mesma t�cnica est� sendo repetida na ButanVac, a vacina que o instituto paulista est� desenvolvendo contra a covid-19, em um processo que visa produzir e entregar 40 milh�es de doses a partir de julho - um prazo por enquanto considerado irreal por alguns especialistas independentes, uma vez que sequer foi testada a efic�cia desse novo imunizante em humanos at� o momento.
De qualquer modo, para fazer chegar a essa quantidade, ter�o de passar pelas instala��es do Butantan cerca de 20 milh�es de ovos de galinha especificamente para a ButanVac - e, em teoria, muitos milh�es mais depois disso, quando houver resultados dos testes cl�nicos da vacina e informa��es mais concretas a respeito de qu�o amplo ser� seu uso contra a covid-19 no Brasil.
Em cada um desses ovos - por enquanto, s�o 521 mil j� entregues ao laborat�rio paulista por granjas especializadas - est� sendo injetada uma pequena quantidade do v�rus da "doen�a de Newcastle", um mal avi�rio que � inofensivo em humanos.
Esse v�rus foi geneticamente modificado para receber a "prote�na S" do SARS-CoV-2, ou seja, a estrutura do coronav�rus que se encaixa nas c�lulas humanas e as infecta, causando a covid-19.
A inten��o � que, munido da prote�na S do coronav�rus, o v�rus da doen�a de Newcastle seja capaz de estimular a produ��o de anticorpos contra a covid-19 no organismo humano.
E � a� que os ovos de galinha entram na hist�ria: � dentro de cada um deles, nos laborat�rios do Butantan, que o v�rus de Newcastle vai se alimentar e se multiplicar em n�vel suficiente para produzir (segundo estimativas) duas doses de vacina por ovo.
"O v�rus usa as c�lulas do embri�o do ovo para essa replica��o", explica � BBC News Brasil Douglas Gon�alves de Macedo, gerente de produ��o da f�brica do Butantan onde ser� feita a ButanVac. "Deixamos o ovo na temperatura ideal, entre 35° e 40° Celsius, para o v�rus crescer exponencialmente l� dentro. Depois de 72 horas, ele passa por um processo de purifica��o (que inclui a inativa��o do v�rus e a dilui��o do produto final). E disso temos o IFA."
IFA � a sigla de Ingrediente Farmac�utico Ativo, que o Brasil tem por enquanto importado da �ndia e da China para envasar aqui - especificamente os IFAs das vacinas CoronaVac e AstraZeneca, respectivamente no Butantan e na Fiocruz.
Extra�do do ovo, esse IFA nacional ser� purificado, dilu�do e embalado na pr�pria f�brica do Instituto Butantan, no que se espera que seja a primeira vacina integralmente produzida no Brasil contra a covid-19, mais barata e mais facilmente dispon�vel por n�o depender desse IFA importado, atualmente escasso no mercado internacional.

Em teoria, essa tecnologia tamb�m ser� capaz de produzir vacinas eficazes contra as novas variantes do coronav�rus, uma vez que se pode escolher de qual cepa (por exemplo, a brasileira P.1) ser� retirada a prote�na S.
Mas para tudo isso se concretizar dentro do cronograma e volume esperados pelo governo paulista, muita coisa ainda falta acontecer: desde a aprova��o pela Anvisa at� testes cl�nicos que sejam bem-sucedidos. � a� que come�a uma corrida de obst�culos.
Por enquanto, "� muita expectativa em cima de algo que ainda n�o tem nenhum estudo feito em humanos, que � quando teremos ideia de como a vacina funciona", adverte � BBC News Brasil a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ci�ncias de Porto Alegre e membro dos comit�s cient�fico e cl�nico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Testes de efic�cia
O desenvolvimento da ButanVac foi anunciado pela primeira vez em 26 de mar�o, pelo governador paulista Jo�o Doria e pelo presidente do Butantan, Dimas Covas (no mesmo dia, o Minist�rio da Ci�ncia anunciou que tamb�m pediu aprova��o na Anvisa para testes cl�nicos de outra vacina nacional, chamada Versamune, em desenvolvimento com a Faculdade de Medicina da USP de Ribeir�o Preto).
"Este � um an�ncio hist�rico para o Brasil e para o mundo. A Butanvac � a primeira vacina 100% nacional, integralmente desenvolvida e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, que � um orgulho do Brasil", disse Doria na ocasi�o.
Os an�ncios das vacinas nacionais foram recebidos com otimismo pelo p�blico e por cientistas. � bom lembrar, por�m, que naquele mesmo dia a Folha de S.Paulo publicou reportagem mostrando qu, na verdade, a patente da vacina viera de um hospital americano e fora cedida ao Butantan.
O fato de isso n�o ter sido detalhado por Doria e Covas na entrevista coletiva impactou negativamente a credibilidade dos an�ncios do Butantan perante os cientistas, diz Bonorino.
"Pegou supermal. A vacina n�o foi desenvolvida no Brasil - foi desenvolvida l� fora e da� foi cedida a patente."
� �poca, o Butantan confirmou � Folha que tinha obtido a "licen�a de explora��o de parte da tecnologia desenvolvida pela Icahn School of Medicine do Hospital Mount Sinai de Nova York para obter o v�rus (da 'doen�a de Newcastle') e a partir disso o desenvolvimento da vacina � feito completamente com tecnologia do Butantan".
Por conta desse epis�dio, de outros atrasos e de aus�ncias de divulga��o de dados relacionados aos testes e aos prazos de entrega da CoronaVac, Bonorino e outros especialistas veem com ceticismo tamb�m os prazos apresentados at� agora para a ButanVac, de ter as 40 milh�es de doses prontas e, sobretudo, devidamente aprovadas em t�o poucos meses.

No momento, o Instituto Butantan ainda est� em processo de entregar documenta��o para obter, perante a Anvisa, aprova��o para realizar testes cl�nicos de fase 1, 2 e 3 com a ButanVac. E s� nesses testes que ser�o analisadas a seguran�a, a melhor dosagem e qual � de fato a efic�cia do imunizante contra a covid-19, ou seja, o quanto a ButanVac induz o corpo a produzir anticorpos e as c�lulas de defesa do organismo chamadas de linf�citos T.
"Otimisticamente, estamos falando de estudos que devem levar 8 ou 9 meses, com intervalos entre (as fases) dos estudos e a publica��o dos dados", explica Bonorino.
Esses testes, diz a assessoria do Butantan, ainda est�o sendo desenhados, enquanto se aguarda o aval da Anvisa.
Isso em tese pode tornar invi�vel o an�ncio de Jo�o Doria, de ofertar "18 milh�es de doses prontas na primeira quinzena de junho, quando o processo de aprova��o da Anvisa for conclu�do".
Fornecimento e processo fabril
Uma curiosidade sobre os testes cl�nicos � que em ao menos um ponto importante eles devem ser diferentes dos feitos nas vacinas j� feitas at� agora: a aus�ncia do uso de placebos.
Como agora j� existem vacinas dispon�veis e comprovadas contra a covid-19 (o que n�o era o caso quando foram testadas inicialmente a CoronaVac e a AstraZeneca, por exemplo), a ButanVac precisar� ter sua efic�cia testada em rela��o a esses imunizantes, e n�o em rela��o a placebos, explica Bonorino.
� s� depois que esses testes - se bem-sucedidos - forem conclu�dos e validados que a ButanVac poder�, de fato, ser aplicada no bra�o dos brasileiros.
Mesmo enquanto isso n�o ocorre, o Butantan anunciou em 28 de abril que j� havia recebido o lote inicial de 520 mil ovos para iniciar a produ��o de estimadas 1 milh�o de doses de sua vacina, para chegar em junho aos 18 milh�es anunciados por Doria.

Douglas Macedo, gerente de produ��o do Butantan, confirma que a principal inc�gnita s�o os testes cl�nicos. Do ponto de vista log�stico, diz ele, a estrutura fabril do Instituto est� preparada para atender a demanda e cumprir o cronograma mencionado pelo governador, uma vez que j� conta com um suprimento constante de mat�rias-primas e que a produ��o da ButanVac pode ser facilmente intercalada com o processo de envase da CoronaVac.
"Tirando a parte cl�nica, a log�stica de encaixar (a produ��o) n�o tem complexidade alta por conta da nossa capacidade produtiva. Como o recebimento da CoronaVac tem janelas (ou seja, n�o ocorre o tempo todo), � tranquilo de encaixar a formula��o e o envase da ButanVac, ou dedicar alguma linha de produ��o especificamente para ela, sem causar atrasos nem desabastecimento", diz Macedo.
Como os insumos b�sicos (desde ovos de galinha at� frascos e embalagens) s�o os mesmos usados para fazer a vacina da gripe, "j� temos um certo estoque, programa��o de recebimento de fornecedores que atendem o Butantan durante o ano todo. As aves j� est�o alojadas, eles (fornecedores) j� t�m processos de controle e caminh�es de entrega", prossegue.
Trata-se de granjas espec�ficas, explica Macedo, que passam por avalia��es de qualidade para produzir "ovos embrionados controlados" a serem usados exclusivamente para a produ��o de vacinas.
Com base em projetos piloto, estima-se por enquanto que cada ovo tenha material suficiente para produzir duas doses de vacina.
Por enquanto, "um dia normal nosso realmente n�o tem hora para come�ar e terminar. Por mais que a f�brica tenha muita experi�ncia com a plataforma de ovos com a vacina da influenza, (a ButanVac) � algo novo, que est� sendo validado, testado, acompanhado de ponta a ponta. Cada passo e cada inje��o de ovos e coleta depois t�m que ser acompanhados, para vermos se tem alguma coisa a ser melhorada. Mas o pensamento � que � um produto que pode ajudar muito (o Brasil)", diz Macedo.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!