"Quem quer que tenha sido o pai de uma doen�a, a m�e foi uma dieta deficiente", diz o m�dico Ribas Filho, presidente da Associa��o Brasileira de Nutrologia (Abran), em refer�ncia a um lema da nutrologia.
A falta de alimentos em quantidade e qualidade nutricional suficientes pode acarretar em crian�as danos neurol�gicos, problemas de sa�de mental, queda no rendimento escolar, diabetes, obesidade, hipertens�o e maior vulnerabilidade a doen�as infecciosas como a covid-19.
A fome, que crescia no Brasil na �ltima d�cada, acabou se agravando na pandemia. Em 2020, 19 milh�es de pessoas viviam em situa��o de fome no pa�s, segundo o Inqu�rito Nacional sobre Inseguran�a Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil. Em 2018, eram 10,3 milh�es. Ou seja, em dois anos houve um aumento de 27,6% (ou quase 9 milh�es de pessoas a mais).
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A Unicef (bra�o da ONU voltado para crian�as e adolescentes) afirmou que, no mundo, "6,7 milh�es de crian�as menores de cinco anos podem sofrer definhamento (baixo peso para a altura) e, portanto, tornar-se perigosamente subnutridas em 2020 como resultado do impacto socioecon�mico da pandemia de covid-19".
O fechamento das escolas em grande parte do pa�s tamb�m levou a interrup��es da merenda escolar, fundamental na alimenta��o de parte dos alunos da rede p�blica. Sem falar da infla��o, que corroeu o poder de compra da popula��o, principalmente de alimentos pela parcela mais pobre.
O impacto � tamb�m imunol�gico. A piora na alimenta��o de muitos brasileiros na pandemia tem impacto direto, segundo estudos e especialistas, na capacidade do corpo de combater invasores como o Sars-CoV-2. E por muito tempo.
Um estudo recente da Universidade da Calif�rnia sobre a preval�ncia de doen�as cr�nicas no Brasil apontou que adultos que passaram fome na inf�ncia tinham maior probabilidade de desenvolver diabetes e osteoporose d�cadas depois.
A BBC News Brasil explica abaixo o que � a fome e qual foi o impacto dela durante a pandemia no prato e no sistema imunol�gico de milh�es de brasileiros.
O impacto da fome no sistema imunol�gico
Uma dieta equilibrada � fundamental para o sistema imunol�gico do corpo humano, embora ela por si s� n�o seja capaz de prevenir doen�as infecciosas como a covid-19. O que comemos afeta diretamente seu funcionamento e, por isso, como nos sentimos.
Para entender esses mecanismos, � preciso primeiro entender como a fome f�sica � ativada e inibida. Nosso corpo precisa de energia para funcionar, e sua gera��o demanda "combust�vel", no caso os nutrientes: os macro, que s�o as prote�nas, carboidratos e gorduras, e os micro, que incluem vitaminas e minerais.

A ingest�o deles � controlada pelo hipot�lamo, parte do c�rebro localizada atr�s dos olhos. C�lulas nervosas presentes ali produzem, ao serem ativadas, a sensa��o de fome. Isso ocorre por meio de duas prote�nas que "causam" a fome. Perto dali h� outra regi�o do sistema nervoso capaz de "neutralizar" a fome, por meio de outras duas prote�nas.
A grosso modo, esse dois conjuntos de c�lulas nervosas est�o ligados a sinais como "estou com fome" ou "estou sem fome". A transmiss�o desses sinais envolve tamb�m horm�nios que circulam no sangue, principalmente, que podem chegar de v�rias regi�es do corpo que cuidam da ingest�o de alimentos e do armazenamento de energia, como o intestino e o p�ncreas.
Mas o que � a fome em si e de onde v�m os "dados" para o c�rebro "saber o que fazer"?
Bem, a fome f�sica � a necessidade de comer, que nos leva a sair em busca de alimentos para, portanto, continuarmos vivos. � um sinal fisiol�gico. Mas tamb�m tem a ver com subalimenta��o e desnutri��o, ou melhor, a impossibilidade de se alimentar ou o fato de fazer isso de forma errada. Logo, n�o se trata apenas de est�mago cheio ou vazio, mas tamb�m da carga de nutrientes no intestino delgado, por exemplo. Uma pessoa obesa pode estar desnutrida.
Durval Ribas Filho, m�dico nutr�logo e presidente da Associa��o Brasileira de Nutrologia (Abran), explica que o eixo intestino-c�rebro � respons�vel por essa transmiss�o de m�o dupla. A microbiota intestinal, composta principalmente por bact�rias que colonizam o corpo logo ap�s o nascimento, produz diversas subst�ncias que modulam o sistema nervoso central. � dessa rela��o com o sistema nervoso central que surgem as ordens como "coma mais" ou "coma menos" e a regula��o do metabolismo.
O alimento e seus nutrientes entram como combust�vel necess�rio para o funcionamento desses processos.
Imagine uma cenoura, vegetal rico em uma subst�ncia antioxidante que protege a c�lula, o carotenoide. Ela � mastigada, segue pelo trato digest�rio, � digerida no est�mago e absorvida no intestino delgado. Depois de uma s�rie de processos de quebra, a cenoura � transformada em macro e micronutrientes, segue pela corrente sangu�nea at� o f�gado, onde � metabolizada por meio de milhares de rea��es enzim�ticas. Depois volta para a corrente sangu�nea e, com ajuda do cora��o, chega ao organismo como um todo.
Um dos destinos s�o c�lulas, que para sobreviver tamb�m precisam de energia, que � basicamente a glicose, uma das mol�culas resultantes da quebra dos nutrientes da cenoura.
Mas "cada refei��o que voc� ingere, voc� est� alimentando n�o apenas voc�, mas milh�es e trilh�es de bact�rias no seu intestino", explica Ribas Filho.
E essas bact�rias presentes no intestino t�m papel fundamental nas defesas do corpo contra invasores, j� que o sistema imunol�gico tem em sua base a "microbiota comensal". A maioria das c�lulas imunes do corpo ficam nessa regi�o, e a microbiota intestinal atua no amadurecimento, no desenvolvimento e na regula��o imunol�gica.
Mas n�o � qualquer quantidade ou variedade de comida que far� todo esse processo dar certo. "O segredo da vida est� no meio", resume o nutr�logo.
Em n�veis adequados, os nutrientes fazem com que o sistema imunol�gico adquirido, aquele que foi gerado ao longo da vida, tenha uma "produ��o maior de imunoglobulina, mais elimina��o de bact�rias, mais elimina��o de v�rus, mais elimina��o de fungos, uma resposta autoimune maior e destrui��o de c�lulas, quer seja cancerosas ou infectadas por v�rus".
Nutrientes tamb�m estimulam o timo (gl�ndula do sistema imunol�gico) a produzir linf�citos, que expressam citocinas anti-inflamat�rias e macr�fagos, que far�o fagocitose (processo de ingest�o e destrui��o) e te defendem contra agentes bacterianos, fungicidas, f�ngicos, v�rus e c�lulas cancerosas."
E a falta de nutrientes faz toda a diferen�a na defesa do corpo. "Quando h� defici�ncia de nutrientes, h�, vamos assim dizer, uma diminui��o na produ��o de imunoglobulinas, ou seja, aquelas c�lulas, aquelas prote�nas que lhe protegem. E, consequentemente, voc� tem uma redu��o na sua elimina��o bacteriana e na sua destrui��o de c�lulas infectadas."
Segundo Ribas Filho, n�o � por acaso que, em geral, pessoas desnutridas demandam mais cuidados intensivos do que atletas, por exemplo. A rela��o direta com uma maior gravidade da doen�a vale tamb�m para obesidade, tabagismo e sedentarismo, por exemplo.
S� que a solu��o n�o � tirar o atraso de uma hora para a outra.

"O problema � que muitas vezes se confunde, e se oferece uma grande quantidade de energia para aquela pessoa achando que est� desnutrida e magra. Mas se voc� for observar em favelas, nas classes mais pobres, no Brasil e em outros pa�ses, a grande maioria s�o mulheres obesas. E elas est�o desnutridas. Mas porque t�m uma ingest�o alt�ssima de calorias, de macronutrientes, principalmente carboidratos, que s�o baratos, e gorduras."
Mas qual seria o tempo ideal? Bem, isso varia de uma pessoa para outra, mas em geral dura pelo menos tr�s meses para mudan�as na alimenta��o come�arem a surtir efeito no sistema imunol�gico.
"O sistema imunol�gico demanda tempo para come�ar a produzir as suas c�lulas de defesa, pois tem as c�lulas inatas, com as quais voc� j� nasce, e outras que com o passar do tempo voc� vai se adaptando e vai recebendo e seu organismo vai se defendendo. Se n�s fiz�ssemos uma avalia��o, por exemplo, em um paciente X que tem defici�ncia de zinco e c�lcio e fiz�ssemos a reposi��o, � l�gico, evidente, que seria o ideal. Mas tamb�m n�o posso dar altas doses de vitaminas ou de minerais porque o excesso tamb�m tem a��o pr�-oxidante. A falta � um problema e o excesso tamb�m. Baseado nisso, � o velho segredo da vida que est� no meio."
Consequ�ncias da desnutri��o no combate ao coronav�rus
Ao longo da pandemia, grupos de pesquisa investigaram as consequ�ncias da nutri��o deficiente em pacientes infectados com covid-19. E as causas para problemas de alimenta��o v�o al�m da fome ligada � pobreza.
Um dos primeiros estudos sobre o tema foi publicado no European Journal of Clinical Nutrition em abril de 2020 a partir de dados de 182 pacientes de Wuhan, cidade chinesa onde come�ou oficialmente a pandemia, no fim de 2019.
Os pesquisadores levantaram diversas hip�teses para os quadros de desnutri��o, presente em metade dos pacientes com covid-19, principalmente os idosos. Entre eles, o impacto de sintomas gastrointestinais na ingest�o de alimentos, a perda de apetite por ansiedade, a redu��o dos n�veis de algumas prote�nas durante a resposta do corpo ante uma inflama��o grave e o quadro de diabetes mellitus (associado a problemas no metabolismo de nutrientes).
Outro estudo sobre o tema foi publicado no British Journal of Nutrition e produzido por pesquisadores de Toulouse, cidade do sul da Fran�a. Eles acompanharam 80 pacientes diagnosticados com covid-19 que foram internados em um hospital da regi�o.
Do total, 30 foram diagnosticados com subnutri��o. Esse quadro � definido a partir de diversos crit�rios, como o �ndice de massa corporal (rela��o entre peso e altura), perda de peso recente e redu��o na ingest�o de comida.
No caso desses pacientes, muitos passaram a ter problema com alimenta��o depois de contra�rem covid-19, que costuma afetar o olfato e o paladar dos pacientes. Por exemplo, 46% dos pacientes reduziram pela metade o consumo de alimentos durante a infec��o e 28% tiveram perda de apetite.

Segundo os pesquisadores, ao chegarem aos hospitais, esses pacientes tinham uma concentra��o da prote�na albumina no sangue t�o baixa quanto a detectada em outras doen�as inflamat�rias graves. Essa prote�na, ligada � regula��o do pH sangu�neo, � usada por profissionais de sa�de como indicador do n�vel nutricional do paciente, e a presen�a dela em n�veis muito baixos � associada a uma mortalidade maior.
O n�mero reduzido de pacientes envolvidos nesse estudo n�o permite conclus�es amplas sobre o impacto de subnutri��o na mortalidade por covid-19. De todo modo, por um lado, o n�mero de pacientes nutridos e subnutridos que precisaram de um leito UTI era equivalente; de outro, os �nicos tr�s pacientes que morreram eram subnutridos. "Tendo em vista a alta preval�ncia, � um elemento essencial o suporte nutricional para pacientes em tratamento por covid-19", afirmam os pesquisadores franceses.
Impacto da alimenta��o em rela��o � covid-19
Para o m�dico Arnold R. Eiser, professor em�rito da Universidade da Pensilv�nia (EUA), a alimenta��o adequada talvez seja o fator mais importante na origem da tempestade de citocinas, nome dado a uma rea��o desmedida do sistema imunol�gico contra invasores como a covid-19 que acaba prejudicando o pr�prio corpo e em alguns casos levando � morte.
Em artigo publicado no Journal of Alternative and Complementary Medicine, ele discorre sobre caracter�sticas anti-inflamat�rias das dietas japonesa e mediterr�nea (ricas em �mega 3, verduras, legumes e cereais integrais, por exemplo) em compara��o ao perfil pr�-inflamat�rio da dieta ocidental, rica em carne vermelha, latic�nios e a��car, entre outros. Estes est�o ligados a rea��es inflamat�rias do corpo e tamb�m est�o entre os fatores associados ao surgimento de doen�as cardiovasculares e obesidade, por exemplo.
Eiser defende mais pesquisas sobre o papel anti-inflamat�rio e preventivo da alimenta��o na pandemia. "A profilaxia da supress�o de citocinas por meio de mudan�as na dieta pode ser ben�fica na redu��o da letalidade em uma pandemia como a da covid-19. Mudan�as diet�ticas em dire��o a uma dieta anti-inflamat�ria tamb�m t�m benef�cios adicionais � sa�de, incluindo redu��o da morbidade e mortalidade cardiovascular, redu��o da preval�ncia de dem�ncia e efeitos antidiab�ticos, de modo que a sa�de p�blica poderia se beneficiar mais amplamente do que apenas na pandemia de covid-19."
Por outro lado, um grupo de dezenas de pesquisadores europeus aventa outras hip�teses, como a rela��o entre alimenta��o e os n�veis de ACE2, enzima usada como porta de entrada pelo coronav�rus para invadir as c�lulas humanas. Ou seja, alimentos ricos em gordura saturada (como carne vermelha e latic�nios) podem deixar algumas pessoas mais vulner�veis � doen�a. Na dire��o oposta, alimentos com potencial antioxidante podem ser ben�ficos.
Para a especialista em sa�de p�blica nutricional Amanda Avery, professora da Universidade de Nottingham (Reino Unido), outro fator poss�vel passa pela rela��o entre alimenta��o e os conjuntos de micro-organismos (microbiota ou flora) presentes no intestino e nos pulm�es.
Alimentos fermentados e probi�ticos, afirma ela, t�m potencial para ajudar o organismo a prevenir infec��es como a covid-19. No intestino, por exemplo, vivem bact�rias que se nutrem do que comemos e assim se proliferam e produzem mais nutrientes.
Todos os pesquisadores defendem estudos mais aprofundados sobre o tema.
Qualidade da alimenta��o e disparidades raciais
Em artigo publicado na revista cient�fica The New England Journal of Medicine, um grupo de cinco pesquisadores de institui��es dos EUA, entre elas a Universidade Harvard, e um da Universidade de Atenas (Gr�cia), tratam do impacto muito maior da pandemia sobre comunidades negras, latinas e ind�genas em territ�rio americano a partir do ponto de vista da alimenta��o.
Segundo eles, essas comunidades s�o proporcionalmente mais afetadas por problemas nutricionais, obesidade e outras doen�as cr�nicas em raz�o de fatores socioecon�micos, educacionais e ambientais. "Pessoas em situa��o de inseguran�a alimentar e vivendo em desertos de comidas (lugares com pouca oferta de alimentos saud�veis) t�m acesso predominante a alimentos baratos e processados."
Essas disparidades ficaram ainda mais n�tidas durante a pandemia, que atingiu desproporcionalmente pessoas negras, latinas e ind�genas nos EUA. Esses grupos chegaram a ter taxas de interna��o cinco vezes maior que a dos brancos, por exemplo, e a mortalidade dos negros � duas vezes maior.
"As disparidades de sa�de em nutri��o e obesidade est�o intimamente relacionadas �s alarmantes discrep�ncias raciais e �tnicas relacionadas � covid-19."
A qualidade da alimenta��o n�o �, obviamente, o �nico fator envolvido no impacto em minorias �tnicas ou classes menos favorecidas. Pesquisadores apontam outras raz�es, como a natureza dos empregos (mais presenciais e, portanto, expostos), o acesso desigual ao sistema de sa�de, a densidade populacional das habita��es, a falta de saneamento b�sico e a inseguran�a alimentar.
Nos EUA, o n�mero de fam�lias latinas e negras que enfrentam a possibilidade de n�o ter o que comer � tr�s vezes maior do que entre fam�lias brancas, segundo pesquisa publicada pelo Urban Institute a partir de dados da Pesquisa de Rastreamento do Coronav�rus nos EUA. Durante a pandemia, o n�mero de americanos que passam fome passou de 35 milh�es para 50 milh�es.
A situa��o n�o � diferente nas favelas brasileiras, que somam cerca de 13 milh�es de habitantes.
Um estudo feito em duas favelas de S�o Paulo no in�cio da quarentena investigou a inseguran�a alimentar entre mar�o e junho de 2020 a partir de 909 chefes de fam�lia. A conclus�o dos pesquisadores foi a de que a falta de acesso regular a alimentos suficientes e nutritivos por essas fam�lias colocam-nas em maior risco de desnutri��o, fome oculta (defici�ncia de micronutrientes), obesidade e doen�as cr�nicas relacionadas � alimenta��o.
Na pesquisa, 88% das fam�lias s�o chefiadas por mulheres jovens que trabalham como faxineiras, auxiliares de cozinha e em servi�os de vendas, algumas das categorias profissionais mais expostas ao cont�gio da covid-19. A cada dez, nove relataram incertezas sobre a compra ou o recebimento de alimentos, seis comiam menos do que deveriam e cinco viveram inseguran�a alimentar moderada ou grave. Os fatores associados � fome s�o baixa renda, baixa escolaridade e morar em casa sem filhos (o que reduz o valor do Bolsa Fam�lia ou do aux�lio emergencial).
Um quinto das fam�lias recebia Bolsa Fam�lia, principal fator de prote��o socioecon�mica. Ao longo da pandemia, os pesquisadores avaliaram o acesso a alimentos nas duas favelas (Heli�polis e Vila S�o Jos�) a cada seis meses, e ficou claro como a trajet�ria da escassez de alimentos (saud�veis ou n�o) era marcada por altos e baixos. O aux�lio emergencial deu um certo al�vio, mas a interrup��o, a redu��o do valor e a limita��o para benefici�rios trouxe de volta a inseguran�a alimentar.
Essa situa��o, entretanto, n�o come�ou com a pandemia, mas se agravou com ela.
Em entrevista � BBC News Brasil, a nutricionista Luciana Tomita, professora da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) e uma das pesquisadoras respons�veis pelo estudo em S�o Paulo, disse que o mais chocante foi encontrar quase metade das fam�lias j� nas primeiras semanas da pandemia em situa��o de escassez de alimentos moderada ou grave. "A redu��o da renda dessa popula��o foi quase autom�tica", disse Tomita.
Grande parte dessas fam�lias tem empregos tempor�rios, sem carteira assinada, de renda inst�vel e insuficiente. Al�m disso, h� uma dificuldade de oferta e acesso a alimentos e ainda mais nutritivos. Perto das comunidades h� f�cil acesso a alimentos ultraprocessados. Os pre�os tamb�m foram monitorados. Os pesquisadores relataram ouvir como resposta ao n�o consumo de alimentos saud�veis a frase "� caro e n�o enche barriga".
E quais s�o as sa�das poss�veis?

Segundo a legisla��o brasileira, a seguran�a alimentar e nutricional "consiste na realiza��o do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais."
Por outro lado, a inseguran�a alimentar ocorre em tr�s n�veis, segundo a escala Ebia. Leve, quando h� incerteza ou receio a respeito da capacidade de passar fome em um futuro pr�ximo ou em conseguir alimentos; moderada, situa��o em que h� restri��o na quantidade e na qualidade do alimento para a fam�lia; e grave, quando as pessoas que relatam passar fome, quando n�o se consome comida por um dia inteiro ou mais.
Em estudo sobre a fome durante a pandemia de covid-19, publicada na revista SER Social, a soci�loga Sirl�ndia Schappo, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz: "a aus�ncia do direito humano � alimenta��o envolve n�o apenas a falta de renda ou da disponibilidade de alimentos, mas de v�rios outros fatores, como o n�o acesso ao alimento, a falta de condi��es adequadas para produzir o alimento, o n�o acesso � terra, a falta de condi��es de sa�de ou de habita��o, entre outras".
Uma das propostas do estudo coliderado por Tomita nas duas favelas paulistanas � a agricultura familiar, setor respons�vel por produzir 75% dos alimentos consumidos no Brasil, segundo dados da FAO (bra�o da ONU para alimenta��o e agricultura).
A pesquisadora tamb�m acompanhou estudantes de uma escola p�blica em Heli�polis onde constru�ram uma horta pedag�gica com a inten��o de incentivar a alimenta��o saud�vel e a produ��o pr�pria. E ficou claro que o sucesso do projeto depende em envolver a comunidade como um todo. "Seguran�a alimentar e nutricional � isso, n�? Acesso a alimentos saud�veis, seguros, em quantidade e qualidade."
Al�m disso, Tomita defende a amplia��o de programas de transfer�ncia de renda, como o Bolsa Fam�lia e o aux�lio emergencial. Para ela, o benef�cio precisa atender bem tamb�m os idosos e os adultos que n�o t�m filhos, "com um valor que permita comprar alimentos, botij�o de g�s e materiais b�sicos de necessidade e higiene para que consiga garantir o seu direito � alimenta��o adequada e saud�vel".
O pagamento do aux�lio emergencial come�ou em abril de 2020, sendo R$ 600 ou R$ 1.200 para m�es chefes de fam�lia. Depois de cinco parcelas, o valor caiu pela metade. O �ltimo dos repasses, de R$ 300 ou R$ 600, ocorreu em dezembro. O programa foi retomado em 2021 com quatro parcelas de R$ 250 e menos benefici�rios.
Estima-se que o custo dos pagamentos para 68 milh�es de pessoas tenha chegado a R$ 300 bilh�es em 2020, quase dez vezes o valor do Bolsa Fam�lia, que beneficia cerca de 14 milh�es de fam�lias com repasse m�dio de quase R$ 200.
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