As circunst�ncias impostas pela covid-19 � educa��o no mundo inteiro, junto � falta de engajamento dos jovens com o ensino remoto e a evas�o escolar no Brasil, est�o provocando perdas significativas de ensino que - se n�o mitigadas rapidamente - v�o se traduzir em perdas econ�micas bilion�rias para uma gera��o inteira de crian�as brasileiras.
A estimativa � do estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, publicado nesta ter�a (1/6) pelo Insper e pelo Instituto Unibanco - e seus autores pedem a��es urgentes tanto no controle da pandemia quanto em um compromisso social para evitar que a defasagem da educa��o da gera��o atual se converta em um problema permanente, tanto na vida futura dessas crian�as quanto na produtividade de todo o pa�s.
Liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, o estudo tra�a um modelo, a partir de par�metros nacionais e internacionais de aprendizagem tradicional versus remota e a partir do engajamento dos alunos com o ensino, para estimar o quanto os estudantes brasileiros perderam (e seguem perdendo) em conhecimento e renda futura, por conta das disrup��es causadas pela pandemia de covid-19.
O foco principal da pesquisa � nos estudantes que conclu�ram o 2� ano do ensino m�dio em 2020 e iniciaram o 3� ano em 2021 - e que, portanto, t�m pouco tempo restante na educa��o b�sica para que possam ter sua aprendizagem recuperada.
A conclus�o � de que esses jovens perderam, ao longo de 2020, profici�ncia em matem�tica equivalente a 10 pontos na escala Saeb (avalia��o nacional que mede, periodicamente, o desempenho dos alunos). Em l�ngua portuguesa, a perda estimada � de 9 pontos.
Isso equivale a quase a metade do que um aluno tipicamente aprende em portugu�s ao longo de todos os tr�s anos de ensino m�dio e a dois ter�os de tudo o que ele aprende em matem�tica nessa etapa de ensino.
Se nada for feito, a perda dos alunos que cursam o 3� ano em 2021 pode chegar, ao final de 2021, a mais da metade de todo o aprendido em portugu�s e praticamente � totalidade do que seria aprendido em matem�tica no ensino m�dio.
A consequ�ncia direta disso � uma perda econ�mica futura.
"As pessoas ser�o menos produtivas, e v�o ganhar menos porque v�o produzir menos", explica Paes de Barros � BBC News Brasil. "Portanto, o PIB (Produto Interno Bruto, ou total de bens e servi�os produzidos pelo pa�s) vai ser menor. Elas perdem e o pa�s perde."
O tamanho dessa perda vai depender de o quanto o pa�s investir e agir para recuperar a aprendizagem perdida, diz ele. Mas, caso nada seja feito, os c�lculos de Paes de Barros estimam que cada crian�a com ampla defasagem de aprendizagem na pandemia poder [a ter uma perda de renda de R$ 20 mil a R$ 40 mil ao longo de sua vida.
Extrapolando isso para todo o conjunto de estudantes dos ensinos fundamental e m�dio que est�o tendo seu ensino descontinuado, chega-se a uma perda coletiva futura de renda de R$ 700 bilh�es, podendo chegar a R$ 1,5 trilh�o caso nada seja feito para mudar essa trajet�ria.
"Mas � uma perda potencial", ressalta Paes de Barros, que � um dos maiores especialistas do Brasil em estudo de desigualdade social e na educa��o.
Para impedi-la, diz ele, ser� necess�rio "um compromisso da sociedade brasileira com essa gera��o por uma ou duas d�cadas".

Esses R$ 700 bilh�es potenciais equivalem, nos valores atuais, a muito mais do que o pa�s j� perdeu economicamente com a crise sanit�ria da covid-19 no ano passado:
"O valor da queda na remunera��o futura decorrente da perda de 10 pontos de profici�ncia durante a pandemia em 2020 � o dobro do valor social (R$ 350 bilh�es) dos quase 200 mil �bitos por covid-19 tamb�m ocorridos em 2020 no pa�s", diz o estudo.
Como minimizar as perdas
Embora algumas perdas ocorridas em 2020 tenham sido consideradas por Paes de Barros inevit�veis - no Brasil e no mundo inteiro - por conta da necessidade de interromper o ensino presencial e da tradicional menor efici�ncia do ensino remoto, outras poderiam (e ainda podem) ser mitigadas.
Os c�lculos do economista estimam que ainda ser� poss�vel evitar de 35% a 40% das perdas de ensino (e consequentemente de renda) caso se dobre o envolvimento dos alunos com o ensino remoto, se promovam a��es mais intensas para evitar que os alunos desistam da escola e se aumentem as oportunidades de aprendizagem - por exemplo, com iniciativas de recupera��o dos alunos, a��es criativas para otimizar o ensino, al�m da ado��o, a partir do segundo semestre, do ensino h�brido (ou seja, abrir as escolas para o ensino presencial, mesmo que apenas parcialmente, desde que haja circunst�ncias sanit�rias vi�veis para tal).
"Entender o tamanho do desastre � o primeiro passo para n�o condenar essa gera��o", opina � BBC News Brasil Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, que participa do estudo.
"O urgent�ssimo s�o os alunos do ensino m�dio, porque eles n�o t�m muito tempo (restante na educa��o b�sica). Mas esta pandemia atravessa uma gera��o inteira, desde os que est�o na educa��o infantil at� aos 20 anos de idade."
Dito isso, Henriques prossegue, "n�o h� por que ter determinismo de que (o futuro delas) est� comprometido. Para n�o ter esse determinismo, a sociedade tem que gerar um acordo com todos os seus gestores. Preciso ter mais aten��o com esta gera��o do que com qualquer outra gera��o que j� tivemos. Esse atravessamento (da pandemia) � t�o avassalador que, se a gente n�o fizer nada, teremos (essa perda) de R$ 700 bilh�es, a produtividade desses jovens vai ser permanentemente baixa."

Um dos elementos que balizaram os resultados do estudo foi a constata��o, pela pesquisa Pnad Covid do IBGE, de que o grau de engajamento dos estudantes do ensino m�dio com o ensino remoto nas redes estaduais foi de, em m�dia, 36% - ou seja, aproveitou-se pouco mais de um ter�o das horas letivas ministradas remotamente nessas redes.
Portanto, al�m de esfor�os para atrair os jovens de volta �s aulas e permitir seu acesso ao ensino remoto, Henriques prop�e a ado��o urgente de pol�ticas que aumentem a atratividade da educa��o, evitando que adolescentes abandonem o ensino e entrem precocemente no mercado de trabalho, em empregos sub-remunerados.
"Precisamos de pol�ticas complementares, a principal dela � de renda", diz Henriques, defendendo subs�dios financeiros para os jovens mais vulner�veis.
Para al�m dos estudantes do ensino m�dio, uma preocupa��o latente dos especialistas � com as crian�as que est�o em fase de alfabetiza��o, processo que tem sido duramente prejudicado pelo ensino remoto.
Um estudo do Unicef, bra�o da ONU para a inf�ncia, apontou em maio que as crian�as de 6 a 10 anos representavam o maior contingente entre os alunos que estavam sem acesso � educa��o no final do ano passado.
"Crian�as de 6 a 10 anos sem acesso � educa��o eram exce��o no Brasil, antes da pandemia. Essa mudan�a observada em 2020 pode ter impactos em toda uma gera��o", disse o Unicef.
Controle da pandemia e educa��o como prioridade real
Henriques critica a in�rcia do Minist�rio da Educa��o durante a pandemia, mas diz que tem observado �mpeto, em secretarias estaduais e municipais de ensino, na busca por solu��es que permitam otimizar a educa��o nas dif�ceis circunst�ncias atuais.

"A gente precisa criar um ambiente de inova��o, que n�o � s� tecnologia, mas de caminhos alternativos, saber o que est� na fronteira em termos de adequa��o curricular, metodologias ativas (que colocam o aluno como protagonista de seu ensino), e efetivamente dizer que educa��o � prioridade. A sociedade brasileira nunca consegue dizer isso", argumenta.
"Ou a gente diz agora, ou vai ser muito dif�cil l� na frente. Isso n�o quer dizer que a gente vai resolver a educa��o. Mas o ciclo virtuoso � que as melhoras que fizermos para mitigar as perdas desta gera��o v�o ter utilidade para uma educa��o de mais qualidade l� na frente."
O ponto de partida essencial, por�m, � o controle da pandemia, opina Paes de Barros.
"N�o tem jeito de tentar abrir a escola passando por cima da sa�de. Mas temos que considerar, sim, a educa��o como atividade absolutamente essencial, que tem que ser executada com todos os crit�rios de cuidados de sa�de poss�veis, e garantir a vacina��o de todos os envolvidos na educa��o e protocolos extremamente r�gidos", defende o economista.
"N�o d� para haver (a reabertura de escolas) a qualquer custo, n�o faz sentido fazer isso a qualquer custo, apesar do valor imenso sendo perdido com a educa��o. Isso s� aumenta press�o de que, hoje, a melhor pol�tica educacional brasileira � a pol�tica de sa�de. O que n�o quer dizer que n�o h� um milh�o de coisas que se possa fazer na educa��o enquanto isso."
Paes de Barros defende, ainda, que � preciso lan�ar mais luz sobre o tamanho das perdas da pandemia sobre a educa��o.
"Enquanto telejornais mostram todo dia o n�mero de �bitos da pandemia e falam mensalmente na perda de renda (pelo desemprego), raramente a gente escuta sobre o quanto est� sendo perdido de profici�ncia no Brasil. Todo dia temos 35 milh�es de crian�as deixando de aprender um monte de coisas. � algo imenso. (Mas), ao contr�rio do que aconteceu com a sa�de, a perda com a educa��o � remedi�vel. (...) O Brasil tem educadores excepcionais, capazes de fazer com que a educa��o chegue ao n�vel na canadense, finlandesa, se quiser. A quest�o � dar voz a essas pessoas. Se a gente n�o quer que esta gera��o seja marcada pra sempre, que por d�cadas reduzam o PIB brasileiro, a gente precisa dar a elas educa��o que n�o deu a nenhuma outra gera��o. � o grande desafio brasileiro. Ainda podemos tirar dessas crian�as um fant�stico cientista, m�dico, escritor, jornalista, engenheiro. Temos tempo, mas n�o vai ser f�cil, nem barato. Vai precisar de muito trabalho."
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