Comprada pelo governo brasileiro em tempo recorde de negocia��o e valor alto, a vacina indiana Covaxin � alvo de pol�mica na pr�pria �ndia, onde foi desenvolvida, por estar sendo aplicada na popula��o antes de ter efic�cia e seguran�a testadas e confirmadas.
A ag�ncia reguladora indiana aprovou o uso emergencial do imunizante fabricado pela Bharat Biotech no in�cio de janeiro de 2021 e doses come�aram a ser injetadas no dia 16 daquele mesmo m�s - sem que a fase 3 de testes cl�nicos tivesse sido conclu�da. � nesse est�gio que a vacina � aplicada em larga escala em volunt�rios, para verificar os efeitos colaterais e o percentual de prote��o.
At� hoje, n�o foram publicados na �ndia os detalhes da fase final de testes. Um relat�rio foi divulgado em abril pela Bharat Biotech com "resultados preliminares".
Um dos argumentos do governo Jair Bolsonaro para recusar ofertas da Pfizer em 2020 foi o fato de a vacina, naquele momento, ainda n�o ter a aprova��o da Ag�ncia de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa).
Mas o governo federal fechou acordo com a Bharat Biotech por pre�o bem mais elevado por dose, sem essa aprova��o pr�via da Anvisa e visando a compra de uma vacina ainda em fase de testes.
Nesta semana, a empresa indiana disse ter entregue dados da fase 3 de testes aos �rg�os reguladores da �ndia, com resultados que apontam efic�cia geral de 77,8%. Mas os detalhes do estudo, que teria envolvido 25.800 pessoas, n�o foram apresentados ao p�blico nem publicados oficialmente.
"Essa estimativa foi jogada ao p�blico, mas n�o sabemos nada do estudo, nem mesmo os intervalos de confian�a, os n�meros precisos de casos analisados, nem informa��es sobre seguran�a e efeitos colaterais", criticou em entrevista � BBC News Brasil a pesquisadora em sa�de p�blica Mailini Aisola, de Nova D�li, capital da �ndia.
Segundo ela, a desconfian�a em torno da Covaxin fez com que muitas pessoas, principalmente profissionais de sa�de, rejeitassem o imunizante na primeira etapa de vacina��o, no in�cio do ano.
"Muita gente preferia a Covishield (como � chamada na �ndia a vacina desenvolvida pela Universidade Oxford)", disse Aisola � BBC News Brasil.
"Depois, por causa da escassez de vacinas e o grande pico de casos e mortes por covid no pa�s, essa resist�ncia diminuiu por falta de op��o. S� temos esses dois imunizantes e a demanda � muito maior que a oferta. Al�m disso, depois de uns meses de vacina��o, n�o surgiram not�cias de efeitos colaterais graves, o que ajudou a diminuir a hesita��o."
Aisola � uma das coordenadoras da All India Drug Action Network, uma das principais redes de profissionais de sa�de da �ndia, que advoga por pol�ticas de acesso popular a medicamentos e tratamentos.
No Brasil, por causa da aus�ncia de dados sobre a fase 3 de testes, a Anvisa aprovou com restri��es, em 5 de junho, a importa��o de Covaxin. Apenas 4 milh�es das 20 milh�es de doses contratadas poder�o ser importadas, e dever�o ser utilizadas em condi��es controladas, sob responsabilidade do Minist�rio da Sa�de.
Em entrevistas e pronunciamentos, o presidente da Bharat Biotech, Krishna Ella, defendeu repetidas vezes a seguran�a e efic�cia da vacina. "Nossa vacina � 200% segura", disse em janeiro.
Pol�mica do pre�o tamb�m existe na �ndia
A compra pelo Brasil das 20 milh�es de doses da Covaxin foi anunciada em fevereiro, quando o general Eduardo Pazuello ainda era ministro da Sa�de. No total, o Brasil planejou desembolsar R$ 1,6 bilh�o com a vacina indiana, pagando US$ 15 por cada dose (cerca de R$ 80).
Suspeitas de irregularidades nessa aquisi��o est�o sendo investigadas pelo Minist�rio P�blico Federal e a CPI da Covid, no Senado.
O valor final aceito pelo governo chama aten��o porque Pazuello afirmou � CPI que um dos motivos para sua gest�o recusar a oferta de 70 milh�es de doses da americana Pfizer no ano passado seria o pre�o alto do imunizante.
Mas a vacina foi oferecida ao Brasil por US$ 10 d�lares, metade do valor cobrado pela farmac�utica dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Em nota enviada � BBC News Brasil, a Bharat Biotech disse que vende doses de Covaxin ao exterior por valores que variam de US$ 15 a US$ 20.

"A Bharat Biotech tem sido consistente e transparente com a estipula��o de pre�os da Covaxin para venda a governos internacionais, com doses entre US$ 15 e 20. Entregas foram feitas a v�rios pa�ses nessa base de pre�o", disse a farmac�utica.
Mas o pre�o da Covaxin tamb�m tem gerado controv�rsia na �ndia. O imunizante foi vendido ao governo indiano por 150 rupias (cerca de US$ 2 ou R$ 10), enquanto o pre�o para os governos estaduais foi bem mais alto- variou entre 400 rupias e 600 rupias (R$ 27 a R$ 40).
J� o valor fixado para venda a cl�nicas privadas se assemelha ao cobrado do governo brasileiro: 1.200 rupias (cerca de US$ 16 ou R$ 80).
A Bharat Biotech argumenta que precisa cobrar esse pre�o para pagar os custos do investimento feito no desenvolvimento da vacina. Mas pesquisadores indianos dizem que a empresa recebeu alto financiamento do governo, que participou da cria��o do imunizante por meio do Conselho Indiano de Pesquisa M�dica (ICMR).
Por causa dessa parceria, o ICMR, que � o bra�o de pesquisa do governo, recebe 5% de royalties pelas vendas de Covaxin.
"O pre�o da Covaxin para venda nas cl�nicas particulares da �ndia e para exporta��o � fora do padr�o e n�o se justifica pelo custo de produ��o. A tecnologia utilizada pela vacina � a de v�rus inativado, uma t�cnica tradicional, amplamente conhecida e que n�o envolve custo particularmente alto", argumenta Mailini Aisola, da All India Drug Action Network.
Empresa intermedi�ria
Outro aspecto investigado pela CPI da Covid em rela��o � compra de Covaxin � a intermedia��o das negocia��es pela empresa brasileira Precisa Medicamentos. Diferentemente do que ocorreu na aquisi��o de outras vacinas, o contato n�o se deu diretamente entre a fabricante, no caso a Bharat Biotech, e o governo brasileiro.
Um funcion�rio do Minist�rio da Sa�de denunciou ao Minist�rio P�blico Federal que se sentiu pressionado por superiores para assinar acordo de compra suspeito com a Precisa Medicamentos.
Em depoimento sigiloso obtido pela Folha de S.Paulo, servidor Lu�s Ricardo Miranda afirmou aos procuradores ter sofrido uma "press�o incomum" por parte do tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Log�stica de Insumos Estrat�gicos do Minist�rio da Sa�de, para assinar uma licen�a de importa��o que previa o pagamento antecipado de US$ 45 milh�es por 300 mil doses da Covaxin.
Depois, o irm�o de Lu�s Ricardo, o deputado federal Lu�s Claudio Miranda disse � Folha de S.Paulo que informou Jair Bolsonaro do problema e que o presidente disse que levaria o caso � Pol�cia Federal.
Mas nesta quarta (23), em vez de anunciar investiga��o sobre a "press�o indevida", o governo federal disse que Bolsonaro determinou � PF e � Procuradoria-Geral da Rep�blica que investigasse os dois irm�os por "denuncia��o caluniosa" (atribuir falsamente a algu�m o cometimento de crime).
O an�ncio foi feito em coletiva de imprensa pelo ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia, Onyx Lorenzoni, e o assessor especial da Casa Civil Elcio Franco um dos investigados na CPI da Covid no Senado.
Tanto Onyx quanto Franco negaram repetidas vezes que tenham ocorrido quaisquer irregularidades nas negocia��es da Covaxin.
Em nota enviada � BBC News Brasil, a Bharat Biotech disse que a sua "parceria" com Precisa Medicamentos envolve apoio para entrada de documentos regulat�rios, "aprova��es e licen�as para a Covaxin". Al�m disso, a Precisa Medicamentos ficou respons�vel, segundo a empresa indiana, pela condu��o de uma fase 3 de testes no Brasil neste ano.
Nenhuma dose foi entregue
Outro aspecto investigado pelo Minist�rio P�blico Federal � uma poss�vel quebra contratual, j� que o contrato firmado pelo governo, em 25 de fevereiro, previa entrega de 20 milh�es de doses at� 70 dias ap�s da assinatura, o que deveria ocorrer em maio. No entanto, por causa da demora da Bharat Biotech em apresentar detalhes da fase 3 de testes � Anvisa, a importa��o de parte das doses s� foi autorizada pela ag�ncia regulat�ria no in�cio do m�s.
Em nota, a Bharat Biotech confirmou que nenhum carregamento foi enviado ainda, embora, segundo a empresa, o or�amento para garantir as doses ao Brasil tenha sido alocado.
"A Bharat Biotech tem capacidade de fabricar as quantidades solicitadas pelo Brasil, pendendo aprova��es e recebimento do recibo de pagamento por parte das ag�ncias intermedi�rias", disse a empresa em nota � BBC News Brasil.
Mas a pesquisadora indiana Mailini Aisola, especialista em sa�de p�blica, questiona a capacidade da fabricante de garantir a entrega das doses.
Segundo ela, o governo da �ndia determinou recentemente que 75% das doses produzidas por empresas indianas sejam entregues para distribui��o gratuita no sistema de sa�de do pa�s. As outras 25%, diz a pesquisadora, devem ser vendidas para cl�nicas particulares da �ndia, conforme determina��o do governo.
"N�o houve um impedimento formal de exporta��es. Mas 75% mais 25% d� 100%. Isso significa que n�o restam doses para exporta��o", disse.
"N�o est� claro para mim como a Bharat Biotech pretende garantir os envios ao Brasil."
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