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Estado de Minas QUALIDADE DE VIDA

Os brasileiros que aproveitaram a pandemia de covid para mudar para a praia

Necessidade de passar mais tempo em casa movimentou o mercado imobili�rio paulista durante a pandemia por causa da busca por casas perto da natureza, mais iluminadas ou com �rea externa.


26/06/2021 08:45 - atualizado 28/06/2021 08:16


Michele e o marido na nova vida em Maresias: 'compramos um flat pertinho do canto da praia que a gente gosta'(foto: Arquivo pessoal)
Michele e o marido na nova vida em Maresias: 'compramos um flat pertinho do canto da praia que a gente gosta' (foto: Arquivo pessoal)

Entre todas as mudan�as que chacoalharam o mundo desde o advento da pandemia de covid-19, a mais �ntima �, para muita gente, o fato de estar mais tempo em casa.

Um efeito colateral desse status caseiro foi que as inconveni�ncias dom�sticas se alargaram de modo inversamente proporcional aos horizontes.

O novo modo de vida, provis�rio ou n�o, acabou fazendo com que mais e mais pessoas se vissem insatisfeitas com suas moradias — e n�o foram poucas as que resolveram mudar de casa em plena pandemia.

Para a empres�ria Michele Barcena Molinaro, de 39 anos, a covid-19 precipitou a realiza��o daquele sonho que antes parecia ser reservado apenas para a aposentadoria: mudar-se da cidade de S�o Paulo para a praia.

"Meu apartamento na zona norte de S�o Paulo tem 50 metros quadrados. Meu marido [o comerciante Leandro Lopes Molinaro, de 48 anos] e eu j� frequent�vamos Maresias havia muitos anos, sempre alugando e pagando pousada", conta ela. "Ent�o veio a decis�o de mudarmos."

Logo que a pandemia foi decretada, ainda no ano passado, o casal alugou uma su�te em um condom�nio na cidade litor�nea, com aquele objetivo de "quarentenar" fora da cidade grande. "Mas era complicado, n�o tinha fog�o, n�o tinha micro-ondas. Come�amos a sentir necessidade de uma casa", recorda.

Foi um per�odo de fazer contas, juntar dinheiro e concretizar o sonho. No segundo semestre de 2020, o papo ficou s�rio. "Colocamos carro no meio, juntamos todas as economias, nos organizamos e, enfim, compramos um flat pertinho do canto da praia que a gente gosta", diz.

Mercado aquecido

Hist�rias como essa se tornaram relativamente comuns. O efeito colateral pode ser visto nos n�meros: mesmo com o pa�s vivendo um per�odo de forte crise econ�mica, o mercado imobili�rio se aqueceu em 2020.

Dados obtidos pela BBC News Brasil junto � se��o paulista do Col�gio Notarial do Brasil mostram um aumento no registro de compra e venda de im�veis no Estado. Foram 336.968 transa��es oficializadas em 2020, um aumento de quase 37% em rela��o �s 246.410 formalizadas dez anos atr�s.

"Mesmo com a pandemia, os n�meros mostram que esse segmento se manteve aquecido. O dado mostra que um im�vel ainda � o bem mais valioso para uma fam�lia brasileira", afirma o presidente do CNB-SP, Daniel Paes de Almeida.

S�cia da imobili�ria Ref�gios Urbanos, a arquiteta e corretora Camila Raghi reconhece que houve um aumento no volume de vendas. "Nossos n�meros j� haviam sido bastante positivos em 2019 e, surpreendentemente, apesar da crise que enfrentamos desde o in�cio da pandemia, 2020 foi ainda mais positivo", diz ela.

Raghi deposita a explica��o do fen�meno a uma conflu�ncia de fatores. "No �mbito financeiro, a exist�ncia de uma Selic (a taxa b�sica de juros) historicamente muito baixa, aliada a um baixo rendimento de investimento em renda fixa e um alto risco em investimento em a��es [dado o contexto da pandemia]", enumera.

Ela tamb�m acredita que houve uma alta no valor dos alugu�is, o que levou "in�meros clientes a decidirem trocar a parcela do aluguel por uma de um financiamento imobili�rio".

"A ideia de imobilizar o capital em um investimento seguro, que constantemente se valoriza, tem se tornado cada vez mais atrativa", comenta.

"No �mbito social, uma brusca mudan�a de vida causada pela pandemia fez com que as pessoas passassem mais tempo em suas casas e, portanto, mais atentas � qualidade de vida que seus lares proporcionam", acrescenta. "Deriva dessa ideia a busca cada vez maior por aspectos relacionados � qualidade de vida, como sol, ilumina��o e ventila��o naturais, al�m de �reas externas."

Ela tamb�m viu o mercado se movimentar por conta das "eternas mudan�as que a vida de todos costuma sofrer, e que s�o acelerados durante uma pandemia". No caso, a corretora se referia a fins e in�cios de relacionamentos, aumento da fam�lia e vontade de mudar de cidade.


Transações de imóveis cresceram no Estado de SP durante a pandemia; acima, vista aérea da capital(foto: Reuters)
Transa��es de im�veis cresceram no Estado de SP durante a pandemia; acima, vista a�rea da capital (foto: Reuters)

Nuances

A distribui��o dos registros em cart�rio ao longo do ano tamb�m s�o um retrato pand�mico. Se 2020 come�ou com as vendas de im�vel no Estado na casa dos 20 e tantos mil (23.161 em janeiro, 22.446 em fevereiro, 22.628 em mar�o), houve uma queda brusca em abril, justamente quando a covid-19 era muito mais interroga��es do que respostas.

Naquele m�s, foram registradas apenas 13.107 transa��es imobili�rias. Trata-se do menor n�mero na s�rie hist�rica obtida pela reportagem, referente aos �ltimos 15 anos.

Maio ensaiou uma retomada, ainda t�mida, com 16.488 registros. Em junho, foram 24.018. No segundo semestre, as transa��es imobili�rias em S�o Paulo ficaram sempre acima de 30 mil. Em dezembro, pela primeira vez em toda a s�rie hist�rica, os registros superaram a barreira dos 40 mil. Foram 41.412.

Para quem acompanha o mercado, houve o efeito psicol�gico de quem matutou o ano todo para tomar a decis�o de mudar de casa — e n�o quis virar o ano sem dar o passo definitivo. Raghi conta que em sua imobili�ria o volume de vendas espelhou a estat�stica.

"Tivemos um hist�rico crescente desde julho. E, de fato, dezembro foi um m�s em que fechamos muitos neg�cios", comenta Raghi.

Professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Agostinho Celso Pascalicchio tamb�m acredita que foi uma mescla de fatores o que ocasionou essa movimenta��o no mercado. "A vontade de mudar pode at� ser consequ�ncia do comportamento do consumidor", pontua.

"[Ele] reconhece um mercado que oferece baixo risco, que pode dar uma rentabilidade segura, sem algumas das incertezas causadas pela pandemia. A pessoa n�o considera que a aplica��o financeira em um im�vel seja um investimento de alto risco."

"H� reduzida volatilidade no pre�o de revenda e pouca possibilidade de perdas", acrescenta. "O im�vel tamb�m pode se valorizar no futuro. Representa, tamb�m, uma forma de se financiar aproveitando a oportunidade de uma taxa de juros baixa. � uma oportunidade de se financiar com juros baixos e, muitas vezes, fugir de um aluguel, investindo na forma��o de um patrim�nio futuro."

Pascalicchio lembra que o setor da constru��o civil, "principalmente a partir do ano passado", recebeu oferta de financiamento imobili�rio com juros baixos. "N�o foram recursos com origem apenas no FGTS. Vieram recursos, principalmente, do sistema brasileiro de poupan�a e empr�stimo e tamb�m das opera��es de cr�dito do sistema financeiro para a constru��o. As pessoas, ent�o, aproveitam esta oportunidade para adquirir im�veis."

"A demanda ainda segue em alta se valendo desta oportunidade. Raras foram as vezes, como agora, que tivemos uma combina��o de juros baixos para o financiamento com uma demanda aquecida por im�veis", avalia.

"Este processo est� acelerando os lan�amentos imobili�rios, causando, inclusive, uma alta nos pre�os dos insumos do setor. O financiamento com juros baixos ainda compensa o comportamento destes pre�os. Tamb�m beneficia a ocupa��o de m�o de obra pelo setor, gerando uma alta nos empregos. O setor � tradicionalmente respons�vel por uma participa��o pr�xima a 6% do PIB."

Decis�es


Daniel Lieff em seu novo apartamento:
Daniel Lieff em seu novo apartamento: "A pandemia me fez olhar com outros olhos. Eu que nunca imaginava comprar uma casa, vi o valor [do im�vel pr�prio]" (foto: Arquivo pessoal)

A assistente social e advogada Raineldes Agda Alves de Melo, de 50 anos, j� vinha amadurecendo a ideia de mudar de casa desde 2019. Ela morava com a filha em um apartamento alugado no bairro da Sa�de, na zona sul de S�o Paulo.

"Tinha 100 metros quadrados e toda a estrutura do pr�dio, com piscina, sal�o de festas. Era uma proposta dessas comuns em pr�dios de uns tempos para c�: uma boa �rea comum, mas os quartos eram pequenos", comenta.

"A pandemia me ajudou a construir uma perspectiva um pouco diferente, a procurar algo que tivesse mais estrutura na moradia em si", compara ela.

Acabou escolhendo um im�vel no bairro da Bela Vista, na regi�o central da cidade. "Passamos a privilegiar o conforto do morar, a localiza��o, o que dispomos no entorno. Acabamos adquirindo um im�vel de 170 metros quadrados, dos anos 1970, com v�rias coisas que acabamos resgatando. � muito ventilado e tem uma hist�ria. N�o tem varanda, mas tem muitos janel�es", descreve.

"A pandemia influenciou na decis�o. Ficar mais em casa possibilitou ter mais di�logo [com a filha, sobre os gostos em comum] e tamb�m se abrir para outras perspectivas. Ao mesmo tempo, comecei a pensar que n�o usava mais as �reas comuns [do pr�dio anterior], pois estavam fechadas e n�o sab�amos mais quando iam voltar a abrir", conta.

Ela tamb�m credita ao momento sanit�rio a decis�o, para ela fundamental: descartou qualquer im�vel que fosse em pr�dios muito altos ou condom�nios com muitas torres. "Queria estabelecer uma conex�o de amizade e compartilhamento com vizinhos, ent�o foi bom esse apartamento mais antigo, com pessoas que moram h� muito tempo, t�m uma conviv�ncia de longa data."

Outro que se encontrou na pandemia foi o cineasta Daniel Lieff, de 48 anos. Paulistano, ele morava no Rio h� 18 anos. E, em pleno come�o da pandemia, estava justamente em S�o Paulo, vivendo em um apartamento locado pelo Airbnb, realizando um trabalho de filmagem.

E a covid proporcionou que ele redescobrisse sua pr�pria S�o Paulo. "Depois de tanto tempo, gostei de estar em S�o Paulo de novo, uma cidade com muitos servi�os e muita oferta de casas", recorda. "Sempre aluguei, mas [por causa da pandemia] passei a dar mais valor para ter a pr�pria casa, fazer do meu jeito, e ter uma base fixa."

Lieff acabou comprando um apartamento de 120 metros quadrados, tamb�m no bairro da Bela Vista. "O pr�dio me atraiu muito. � pequeno, s� com tr�s andares, sem elevador, sem portaria. Um pr�dio mais europeu, no sentido de constru��o antiga, de 1940. Gostei da vibe do apartamento", detalha.


Mariana com a família na chácara em Mairinque, imóvel comprado para o lazer dos fins de semana(foto: Arquivo pessoal)
Mariana com a fam�lia na ch�cara em Mairinque, im�vel comprado para o lazer dos fins de semana (foto: Arquivo pessoal)

"A pandemia me fez olhar com outros olhos. Eu que nunca imaginava comprar uma casa, vi o valor [do im�vel pr�prio]", afirma. "Um apartamento que tem a minha cara."

"De certa forma, na pandemia as pessoas come�aram a procurar casas e apartamentos um pouco maiores, come�aram a valorizar suas casas. Isso foi um fen�meno. At� para comportar home office", comenta o cineasta. "As pessoas tamb�m passaram a reparar mais nas suas casas, tanto qualidades quanto defeitos. Ficamos muito mais tempo dentro de casa e ent�o acabamos aproveitando as pequenas coisas. E come�amos a valorizar o espa�o."

"Isso aconteceu muito forte na pandemia e eu fui um felizardo", resume ele.

Lazer no campo

Mas tamb�m h� casos de quem decidiu comprar um im�vel apenas para os fins de semana — ou os per�odos de quarentena. Moradora da regi�o da Vila Mariana, a advogada Mariana Rodrigues de Carvalho Mello, de 40 anos, sentiu a necessidade de ter uma ch�cara, tanto para espairecer quanto para que as filhas, de 7 e 5 anos, tivessem contato com a natureza.

Acabaram comprando em Mairinque, na regi�o metropolitana de S�o Paulo. "J� fazia tempo que pens�vamos nisso. Para que as meninas pudessem se conectar mais com a natureza, pisar no ch�o e brincar com a terra, olhar para o c�u e ver passarinho, plantar, colher, enfim, aprender que as coisas n�o v�m do supermercado", conta.

"Veio a pandemia e fiquei em casa com elas. Aquilo come�ou a virar aquele inferno, duas crian�as pequenas sem espa�o."

Ent�o a advogada reparou que uma colega da filha, nas aulas online, tinha um fundo bonito, que indicava que estava em algum local verde e buc�lico. "Falei com a m�e e ela me contou que haviam comprado uma ch�cara e estavam l�", narra.

O primeiro movimento foi um test-drive: alugaram uma ch�cara para conhecer o lugar e ver se aquela vida era mesmo t�o legal assim. Foi quest�o de dias e ela e o marido j� estavam em imobili�rias, buscando um im�vel semelhante � venda.

Deu certo. Desde ent�o, a vida da fam�lia � urbana de segunda a sexta — e rural aos fins de semana.

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