
Pelo menos 200 mil v�timas da covid-19 poderiam ter sido salvas no Brasil se o pa�s tivesse adotado pol�ticas p�blicas para conter a dissemina��o da doen�a pelo territ�rio.
O levantamento, feito por diversos grupos de pesquisa, leva em conta o excesso de mortes registradas no pa�s em 2020 e 2021 e o impacto que medidas como o lockdown, o controle das fronteiras, a testagem em massa, as campanhas de comunica��o e o incentivo ao uso de m�scaras teriam nesse cen�rio.
Segundo as estimativas mais conservadoras, isso significaria uma redu��o de quase metade nos registros de �bitos pelo novo coronav�rus nos �ltimos 16 meses.O tema ganhou destaque durante os trabalhos da CPI da Covid no dia 24 de junho, quando o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e a m�dica Jurema Werneck, diretora-executiva da ONG Anistia Internacional, apresentaram dados e an�lises sobre a resposta � pandemia no pa�s.
Mas eles n�o s�o os �nicos a chamar a aten��o para esse debate: registros mantidos por outros pesquisadores apontam para o mesmo caminho e apresentam linhas de racioc�nio e conclus�es parecidas.
400 mil mortes a menos?
Numa das interven��es da CPI, Hallal chamou a aten��o para a participa��o brasileira na mortalidade global durante a pandemia.
"O Brasil tem 2,7% da popula��o mundial e, desde o come�o da pandemia, o pa�s concentra praticamente 13% das mortes por covid-19 no mundo", come�ou o epidemiologista.
"No dia de ontem, 33% das mortes por covid-19 no planeta Terra aconteceram num pa�s que tem 2,7% da popula��o mundial. Portanto, � tranquilo de se afirmar que quatro em cada cinco mortes pela doen�a no Brasil est�o em excesso, considerando o tamanho da nossa popula��o", disse.
� relativamente f�cil seguir o racioc�nio do professor, mesmo sem ser um especialista na �rea: o mundo registra at� o momento 3,9 milh�es de �bitos por covid-19.
Ora, se o Brasil possui 2,7% da popula��o do planeta, basta fazer uma simples regra de tr�s para saber que nossa "participa��o" proporcional no n�mero global deveria ser de 105,3 mil.
Portanto, se temos at� o momento 510 mil mortes pela infec��o registradas, isso significa um excedente superior a 400 mil v�timas.
Ou seja: aconteceu alguma coisa diferente por aqui que fez muito mais gente morrer do que no resto do mundo.
Para refor�ar seu argumento, Hallal apresentou outras estat�sticas que refor�am a disparidade: no Brasil, morreram 2.345 pessoas a cada um milh�o de habitantes. No mundo, esse n�mero fica abaixo de 500.
"Essa � uma an�lise diferente da anterior e chega exatamente � mesma conclus�o: quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estiv�ssemos na m�dia mundial. N�o � se estiv�ssemos com um desempenho maravilhoso, como a Nova Zel�ndia, Coreia [do Sul] e Vietn�", defendeu.
"Se n�s estiv�ssemos na m�dia, como um aluno que tira uma nota m�dia na prova, n�s ter�amos poupado 400 mil vidas no Brasil", completou.
120 mil mortes evitadas s� em 2020?

Durante sua interven��o, Werneck, da Anistia Internacional, apresentou outro estudo que usou uma metodologia ligeiramente diferente para fazer esses c�lculos.
O trabalho, intitulado "Mortes Evit�veis por Covid-19 no Brasil", � assinado por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de S�o Paulo (USP), e contou com o apoio de institui��es como a pr�pria Anistia Internacional, a Oxfam Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci�ncia.
Nesse caso, os especialistas usaram o conceito das mortes evit�veis por falta de medidas capazes de reduzir os n�veis de transmiss�o do coronav�rus, como o distanciamento f�sico, as campanhas de comunica��o e o incentivo ao uso das m�scaras.
Outro ponto relevante: para fazer as contas necess�rias, eles usaram como m�trica o excesso de mortalidade que ocorreu nos 12 primeiros meses de pandemia, a partir de mar�o de 2020.
Esse excedente de �bitos � calculado a partir da informa��o registrada em bancos p�blicos e leva em conta o hist�rico de mortes no Brasil nos anos anteriores, entre 2015 e 2019.
Ou seja: com base nas estat�sticas de um passado recente, � poss�vel calcular com uma boa precis�o a quantidade de brasileiros que v�o morrer nos pr�ximos 12 meses.
Por fatores como o envelhecimento da popula��o, � esperado que esse n�mero de mortes cres�a um pouquinho a cada novo ciclo, mas ele se encontrava pr�ximo da casa dos 1,2 milh�o nos �ltimos cinco anos.
S� que 2020 e 2021 fugiram da curva: segundo as estimativas do estudo, houve um excedente de 305 mil mortes por todas as causas no per�odo analisado.
Tudo indica, claro, que elas foram provocadas pela covid-19, que � o �nico fator diferente que ajuda a explicar esse aumento assustador.
A partir dessa observa��o, os autores do artigo fazem a pergunta: quantas dessas vidas poderiam ter sido salvas se tiv�ssemos adotado de verdade todas aquelas medidas cientificamente comprovadas para o controle da pandemia?
"Assumindo uma redu��o relativa de 40% na transmiss�o [do coronav�rus] com a implementa��o de medidas mais restritivas, pode-se admitir que em torno de 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil se uma pol�tica efetiva de controle baseada em a��es n�o farmacol�gicas tivesse sido implementada", conclui o texto.

Vale salientar que essa equa��o n�o leva em conta a falta de leitos, materiais e medicamentos, como o oxig�nio, que certamente matou muitas pessoas que poderiam ter sido salvas caso recebessem o cuidado adequado.
"Al�m disso, deve-se considerar tamb�m, para fins de c�lculo adequado das mortes evit�veis, equ�vocos da pol�tica de negocia��o e aquisi��o de vacinas e a falta de um plano de imuniza��o efetivo, completo e articulado com os diferentes entes federativos", pontua o relat�rio.
Ou seja: na pr�tica, o n�mero de brasileiros que poderiam ter sido poupados � bem maior.
"Se tiv�ssemos agido como era preciso, a gente poderia, ainda no primeiro ano de hist�ria da pandemia, ter salvo 120 mil vidas. E n�o s�o n�meros: s�o pais, m�es, irm�os, sobrinhos, vizinhos…", lamentou Werneck durante a CPI.
"A gente poderia ter salvo pessoas se uma pol�tica efetiva de controle, baseada em a��es n�o farmacol�gicas, tivesse sido implementada", concluiu.
Um excedente que salta aos olhos
Os n�meros trazidos pela representante da Anistia Internacional est�o alinhados com outro monitoramento, feito numa parceria entre o Conselho Nacional de Secret�rios de Sa�de (Conass), a Associa��o Nacional de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) e a Vital Strategies, uma organiza��o global de sa�de que trabalha com governos e sociedade civil para criar pol�ticas p�blicas baseadas em evid�ncia cient�fica.
Segundo os dados atualizados at� dia 10 de junho, o Brasil j� acumula em 2021 um total de 282.673 mortes em excesso. O n�mero est� 67% acima do que seria esperado para as proje��es do ano (que levam em conta aquele hist�rico de mortalidade dos �ltimos cinco anos com o acr�scimo esperado na passagem de um ano para o outro).
Em 2020, esse excedente ficou em 275.587, n�mero que � 22% superior �s proje��es para o per�odo.
Lembrando que esse � um registro de mortes por todas as causas, mas depreende-se que esse excedente esteja praticamente 100% ligado a um evento novo e fora da curva, como � a pandemia.
"O que muda o perfil de mortalidade de um pa�s? Isso acontece em desastres naturais ou epidemias. N�o existem outras possibilidades", explica a epidemiologista F�tima Marinho, assessora s�nior da Vital Strategies.
O painel mantido por Conass, Arpen e Vital Strategies tamb�m traz uma s�rie de informa��es e recortes estat�sticos, que permitem ver como esse excedente de mortalidade variou semana a semana e como as "ondas" da pandemia acometeram os diferentes Estados e regi�es do pa�s.
Considerando o mesmo desenho do estudo anterior, apresentado pela diretora da Anistia Internacional, em que os n�veis de transmiss�o do coronav�rus s�o reduzidos em 40% a partir da implementa��o de medidas n�o farmacol�gicas, � poss�vel calcular que mais de 220 mil vidas seriam poupadas desse excedente registrado em 2020 e 2021.
Vale ponderar, no entanto, que essa � uma proje��o e, mesmo com toda essa riqueza de detalhes, os respons�veis pela plataforma consideram complicado calcular quantas dessas v�timas poderiam realmente ter sido poupadas.
Num artigo que analisa esse mar de informa��es, o cardiologista Luis Correia, professor da Escola Bahiana de Medicina e consultor do Conass, escreveu sobre as incertezas e as dificuldades em determinar esses n�meros.
"Devemos ser cient�ficos, e reconhecer nossa incerteza. Na falta do contrafactual (um Brasil melhor para compararmos com o atual), n�o sabemos ao certo o quanto desse excesso de 22% de mortalidade poderia ter sido evitado. S� podemos imaginar", raciocina.
� �poca da publica��o, a taxa semanal de excesso de mortalidade no Brasil estava em 22%, como mencionado por Correia. Duas semanas depois, esse �ndice bateu os 83%, que � um n�vel alt�ssimo.
"Esses n�meros s�o suficientes para concluirmos que estamos em uma situa��o extrema, e, para situa��es extremas, n�o podemos usar de atitudes ou posicionamentos med�ocres", finaliza o m�dico.
N�meros e proje��es
O engenheiro Miguel Buelta, professor titular da Escola Polit�cnica da USP, concorda com a dificuldade em fazer recortes e suposi��es com base nesses dados e proje��es baseadas em cen�rios hipot�ticos, como a exist�ncia de pol�ticas p�blicas mais efetivas no Brasil atual.
"Por mais que todo esse trabalho seja importante, n�s sempre levamos em conta nos nossos c�lculos algumas hip�teses. Se isso, isso e isso tivesse acontecido, o cen�rio seria diferente", exemplifica.
"E diante de tantas possibilidades, � de se esperar que a resposta encontrada n�o seja exata e varie consideravelmente", pontua.
� por isso que algumas estimativas falam em 400 mil, outras em 120 mil… O par�metro e os fatores analisados podem interferir nos n�meros obtidos.
O pr�prio Buelta, inclusive, foi o revisor de um artigo da Rede An�lise Covid que tentou estimar quantas mortes poderiam ter sido evitadas na segunda onda, que acometeu o pa�s durante boa parte do primeiro semestre de 2021.
Para encontrar um denominador comum, os investigadores compararam os dados brasileiros com os de outros quatro lugares: Argentina, Equador, Chile e Uni�o Europeia.
Eles colocaram na balan�a n�o apenas as medidas n�o farmacol�gicas que j� explicamos anteriormente, mas tamb�m o ritmo de vacina��o contra a covid-19, uma vez que os primeiros imunizantes come�aram a ser aplicados nos brasileiros a partir no in�cio do ano.

A conclus�o: 122 mil mortes poderiam ter sido evitadas, o que equivale a 44% de todos os �bitos registrados no per�odo analisado.
Mais uma vez, o n�mero parece estar em acordo com as demais an�lises feitas pelos outros grupos de pesquisa.
Mesmo diante de tantas incertezas e vari�veis, a matem�tica e a epidemiologia trazem uma s�rie de indicadores valiosos, que nos ajudam a entender como chegamos at� aqui e para onde vamos.
Marinho, da Vital Strategies, entende que todas as observa��es e estat�sticas deveriam servir, inclusive, para nos prepararmos melhor para o que vir� pela frente, com uma terceira e possivelmente at� uma quarta onda no Brasil.
"Com base na experi�ncia dessa e de outras pandemias, teremos um novo aumento nos casos e mortes por covid-19 agora, nas pr�ximas semanas. E isso vai se intensificar novamente no final do ano", analisa.
"Resta saber o que faremos para que isso n�o aconte�a", completa a epidemiologista.
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Confira respostas a 15 d�vidas mais comuns
Quais os sintomas do coronav�rus?
O que � a COVID-19?
A COVID-19 � uma doen�a provocada pelo v�rus Sars-CoV2, com os primeiros casos registrados na China no fim de 2019, mas identificada como um novo tipo de coronav�rus pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em janeiro de 2020. Em 11 de mar�o de 2020, a OMS declarou a COVID-19 como pandemia.