Em novembro de 2020, escrevi uma reportagemartigo sobre como ficamos mais esquecidos durante a pandemia de covid-19.
Meu ponto de partida foram relatos de amigos reclamando que sua mem�ria parecia estar falhando com mais frequ�ncia durante os lockdowns.
Na ocasi�o, conversei com uma pesquisadora de mem�ria, Catherine Loveday, que � professora de neuroci�ncia cognitiva na Universidade de Westminster, em Londres.
Discutimos os v�rios fatores que poderiam estar em jogo, mas naquele est�gio n�o havia dados para quantificar o qu�o comum essa sensa��o de mem�ria prejudicada poderia ser.
Agora, gra�as a Loveday, temos dados. Eles est�o sendo preparados para publica��o acad�mica, mas no programa de psicologia que apresento na BBC Radio 4 ela me deu uma pr�via dos resultados.
Em sua pesquisa, Loveday usou o Everyday Memory Questionnaire ("question�rio de mem�ria di�ria"), que pede aos entrevistados uma avalia��o subjetiva do desempenho de diferentes aspectos de sua mem�ria recentemente (algo em que somos melhores do que voc� imagina). S�o perguntas como estas:
Voc� se esqueceu de dizer a algu�m algo importante?
Voc� come�ou a ler algo e percebeu que j� tinha lido antes?
Para este estudo sobre a mem�ria na era covid-19, os participantes foram questionados se, para cada quest�o, acreditavam que: sua mem�ria havia melhorado, permanecia a mesma ou havia piorado durante a pandemia.
E os dados parecem refor�ar os relatos que ouvi.
Enquanto algumas pessoas de sorte sentiram que sua mem�ria havia melhorado, 80% dos participantes disseram que pelo menos um aspecto de sua mem�ria havia se deteriorado, uma porcentagem significativamente maior do que esperar�amos encontrar normalmente.
Devemos lembrar que alguns desses participantes responderam a uma convoca��o nas redes sociais para preencher um question�rio sobre falhas de mem�ria durante a pandemia. Em outras palavras, eles foram uma amostra autosselecionada que pode ter decidido participar por esse motivo.
Mas nem todos os participantes foram recrutados dessa forma, e os resultados foram semelhantes independentemente de como eles vieram a participar do estudo.
A mudan�a mais comum reportada foi esquecer quando um evento ou incidente aconteceu, o que 55% das pessoas disseram que estava ocorrendo com elas.
Isso sugere que a pandemia afetou nossa percep��o do tempo, o que n�o � surpreendente.
Quando analisei a literatura sobre percep��o de tempo em meu livro Time Warped, ficou claro que algumas mem�rias v�m com o que se chama de carimbo de tempo.
Quando uma mem�ria � diferenciada, v�vida, pessoalmente envolvente e se torna uma narrativa que contamos muitas vezes desde ent�o, podemos localizar essa mem�ria exatamente na linha do tempo de nossa vida.
Mas a maioria dos eventos em nossas vidas n�o � assim e, por isso, temos dificuldade de coloc�-los precisamente no tempo. Essa quest�o � particularmente verdadeira para v�rios aspectos da pandemia.
� claro que voc� provavelmente se lembra de quando ouviu pela primeira vez que est�vamos entrando em lockdown ou (se j� teve esta sorte) quando foi vacinado.
Mas nada mais v�vido e diferenciado (ou interessante) aconteceu para qualquer pessoa em mais de um ano.
Nosso leque de atividades tem sido muito restrito reuni�es online, caminhadas, televis�o, mais uma refei��o em casa.
Os dias, semanas, meses se fundiram em um s�. A quarta-feira passada parece muito com a segunda-feira anterior, e � muito dif�cil saber at� em que m�s voc� pode ter dado um passeio em determinado parque, quanto mais o dia exato.
Fiquei curiosa em ver que a segunda categoria mais comum em que as pessoas disseram que suas mem�rias pioraram foi em lembrar a palavra certa para dizer em uma frase.
Isso � conhecido na psicologia como fen�meno na ponta da l�ngua (TOT, na sigla em ingl�s).
Todos n�s passamos por isso de vez em quando e acontece com mais frequ�ncia com nomes. (Normalmente, lembramos quando � tarde demais. "Ah, sim, ele se chama Tom!")
Por que esses epis�dios de esquecimento de palavras aumentaram durante as restri��es impostas pela covid-19 n�o est� claro, mas poderia simplesmente ser explicado pelo fato de que muitos de n�s temos trabalhado sozinhos em casa ou com distanciamento em um local de trabalho e, portanto, tivemos menos oportunidades de falar com outras pessoas pessoalmente ao longo do �ltimo ano.
Estamos sem pr�tica de intera��o social.
Outras dificuldades comuns de mem�ria reveladas pelos novos dados foram: esquecer algo que te contaram e esquecer de fazer coisas que voc� disse que faria.
A explica��o mais prov�vel para isso � a falta de pistas no ambiente externo.
Em vez de se deslocar para o trabalho, andar pelo escrit�rio, ir a outros lugares para reuni�es e esbarrar com as pessoas constantemente, alguns de n�s temos ficado principalmente confinados em um c�modo em casa, olhando para a mesma tela em intermin�veis reuni�es online.
Quando as pessoas estavam saindo mais, elas passavam pela sala onde tinham uma determinada reuni�o ou viam algu�m passar por sua mesa de trabalho, o tipo de pistas que nos lembram que, sim, precisamos fazer um relat�rio para a pr�xima reuni�o ou amanh� � o anivers�rio daquele amigo.
� not�vel que a maioria das mem�rias diferenciadas, do tipo que v�m com o carimbo de tempo ou que tendemos a lembrar, envolvem eventos que ocorrem do lado de fora, o que pode se encaixar na hip�tese de que quando estamos longe de casa, o hipocampo do nosso c�rebro se torna mais ativo, possivelmente em uma tentativa de garantir que possamos sempre encontrar o caminho de volta.
Em contrapartida, se nossas vidas ficam mais confinadas, a atividade nessa parte do c�rebro, que � t�o crucial para a mem�ria autobiogr�fica, provavelmente diminuir�.
Deste modo, nesta nova pesquisa sobre a mem�ria durante o lockdown, um dos maiores preditores de como as pessoas achavam que suas mem�rias eram boas foi o quanto elas haviam se movimentado durante o dia.
Pessoas que sa�ram um pouco, entraram em edif�cios diferentes, ou que conseguiram ir de sala em sala, relataram menos dificuldades de mem�ria.
Outro fator importante mais surpreendente, � primeira vista foi o g�nero. As mulheres foram mais propensas a dizer que sua mem�ria havia piorado.
O que poderia explicar isso? Parece que as mulheres apresentaram pontua��es mais altas porque passaram por mais mudan�as negativas em suas situa��es de trabalho, seus relacionamentos e maiores taxas de estresse geral.
Isso se encaixa com outros estudos que mostraram que as mulheres s�o mais afetadas pelos lockdowns.
Loveday tamb�m pediu �s pessoas que descrevessem uma mem�ria marcante de sua vida no lockdown.
Os participantes se mostraram muito mais propensos a escolher mem�rias de abril de 2020, no in�cio do primeiro lockdown no Reino Unido do que durante os lockdowns posteriores.
Certos temas apareceram intensamente, incluindo passar um tempo na natureza e come�os e fins, como novos empregos, nascimentos, ficar desempregado e funerais.
As pessoas tamb�m tendiam a descrever como faziam coisas normais com amigos ou fam�lia, mas de uma forma incomum. Uma participante falou sobre jogar pingue-pongue com a m�e vestida com luvas e m�scara.
A boa not�cia � que estas chamadas mem�rias epis�dicas eram muito detalhadas.
"Eu veria isso como uma indica��o de que os sistemas de mem�ria n�o est�o 'avariados' como tal", conclui Loveday.
"Mas simplesmente n�o est�o a todo vapor o tempo todo."
Isso sugere que, quando a vida ficar mais agitada novamente, para aqueles de n�s sem defici�ncias cognitivas, as velhas pistas estar�o l� e nossas mem�rias efetivas devem voltar.
Em breve, como outros aspectos deste ano estranho e triste, o esquecimento crescente desaparecer� de nossas mentes.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
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