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Estado de Minas

Os pacientes com covid longa que enfrentam dezenas de sintomas, exames, rem�dios e consultas

A BBC News Brasil conversou com 3 pacientes com sintomas persistentes da covid-19. Em geral, passaram por mais de 10 consultas m�dicas, receberam ao menos 10 rem�dios e foram submetidos a pelo menos 10 exames laboratoriais ou de imagem.


15/07/2021 12:19

Sandra Santos no Hospital Rede Sarah em Brasília(foto: Arquivo pessoal)
Sandra Santos no Hospital Rede Sarah em Bras�lia (foto: Arquivo pessoal)

A professora goiana Sandra Santos, 56, enfrenta h� um ano os efeitos da covid-19. "Passei por neurologista, cl�nico geral, infectologista, pneumologista, cardiologista, ortopedista, endocrinologista, fisioterapeuta. J� perdi as contas de exames e rem�dios."

Como outros milhares de brasileiros, Sandra passou meses num caminho tortuoso, tanto na busca pelo diagn�stico da doen�a quanto no tratamento para os sinais persistentes da chamada covid-19 longa.

Os primeiros sintomas associados � doen�a apareceram em junho do ano passado: dor de cabe�a forte e press�o alta (despertada pela covid-19 em alguns pacientes). Da primeira ida ao pronto-socorro saiu medicada com anti-hipertensivo.

Dias depois surgiu o cansa�o extremo. "Se estendesse uma roupa e ca�sse um prendedor, deixava ca�do porque n�o dava conta de agachar." Procurou um endocrinologista, que solicitou mais de 20 exames. Nada fora do normal. As dores de cabe�a a levaram a um neurologista e a um exame de resson�ncia magn�tica. Nada foi detectado. Mas desde ent�o passou a tomar quatro rem�dios, um deles para enjoo.

Em sua segunda ida ao hospital, em busca de respostas sobre a fadiga incessante, ouviu do m�dico que ela poderia estar com depress�o e foi encaminhada para um psiquiatra. "Cada um falava uma coisa e ningu�m tocava no assunto da covid." Nem Sandra, que havia cuidado de uma pessoa com covid-19 sem que tivesse apresentado sintomas mais comuns da doen�a, como tosse, febre e perda de olfato. Seu primeiro exame inclusive deu negativo.

Pouco tempo depois come�ou a sofrer com diarreia e acabou pela terceira vez no hospital. Foi diagnosticada com "alguma virose".

A partir dali, em casa e por conta pr�pria, decidiu monitorar a oxigena��o com um ox�metro. Um dia o n�vel estava abaixo de 90 e foi pela quarta vez ao hospital. Ali, foi submetida a uma tomografia, na qual foi detectada uma leve inflama��o do tecido pulmonar. Uma m�dica garantiu que n�o se tratava de covid-19, mas receitou azitromicina (usado no tratamento precoce sem comprova��o de efic�cia), complementa��o de vitamina D e dexametasona (corticoide recomendado apenas para pacientes em estado grave porque pode inibir o sistema imunol�gico e agravar o quadro de pacientes mais leves).

Tomou os comprimidos e, ao acordar no dia seguinte, percebeu um zumbido no ouvido esquerdo e nova queda da satura��o. Em sua quinta ida ao hospital, passaria seis dias ali, sendo tr�s na UTI. A alta hospitalar parecia o fim, mas em poucas semanas voltaram o cansa�o extremo e a falta de ar.

Em consulta com uma pneumologista, ouviria que adquiriu uma asma p�s-covid que precisaria ser controlada pelo resto da vida. Perdeu tamb�m for�a muscular nos bra�os e nas pernas, ficou "meio careca", sente dores musculares e ouve o zumbido at� hoje. S�o diversos comprimidos todos os dias.

Sandra conta que recebeu 7 furos em cada braço para fazer eletroneuromiografia, exame que diagnostica lesões no sistema nervoso periférico(foto: Arquivo pessoal )
Sandra conta que recebeu 7 furos em cada bra�o para fazer eletroneuromiografia, exame que diagnostica les�es no sistema nervoso perif�rico (foto: Arquivo pessoal )

Situa��es como a de Sandra s�o enfrentadas por 1 em cada 10 pacientes, segundo especialistas. N�o h� dados precisos sobre o Brasil, mas no Reino Unido, por exemplo, mais de 2 milh�es de pacientes enfrentaram sintomas associados � covid-19 por mais de 12 semanas. E n�o h� exatamente um padr�o. Pode afetar pacientes assintom�ticos ou que tiveram formas leves ou graves da doen�a, conhecida por nomes como "s�ndrome p�s-covid", "covid longa", "covid persistente" ou "covid de longa dist�ncia".

A reportagem conversou com tr�s pacientes com sintomas persistentes da covid-19. Em geral, passaram por mais de 10 m�dicos especialistas at� agora. Os tratamentos prescritos incluem antiparasit�rio, antibi�tico, corticoide, anti-histam�nico, vitaminas, expectorantes, analg�sicos, relaxantes musculares, broncodilatadores, anticoagulantes, antidepressivos e ansiol�ticos. Do lado dos exames, foram tomografia, resson�ncia magn�tica, raio-x, ultrassom, exame de sangue e urina, ecocardiograma, endoscopia, mamografia, eletrocardiograma, espirometria e eletroneuromiografia (que avalia les�es nervosas).

Todos ainda enfrentam sintomas. Mas nos �ltimos meses, dois tratamentos passaram a dar sinais promissores para alguns deles: programas de reabilita��o com profissionais de diversas especialidades e a vacina��o. Para alguns pacientes, ambos representam at� o retorno ao que chamavam de "vida normal".

Sandra diz ainda n�o ter chegado a esse ponto, mas conseguiu vaga no programa de reabilita��o da Rede Sarah e, ap�s a primeira dose da vacina em maio, parou de ter oscila��es que a levaram a passar uma semana de cama e outra de p�. "Vejo melhoras no aspecto geral. Eu parei de ter picos e altern�ncias."

Covid longa e aten��o multidisciplinar

O problema inicial � que n�o se sabe direito nem quantas pessoas no pa�s sofrem com os sintomas de longo prazo da covid-19. O Minist�rio da Sa�de brasileiro divulga que 17 milh�es de pessoas se recuperaram da covid, mas muitas delas passaram a conviver com sintomas motores, neurol�gicos, card�acos, respirat�rios, entre outros. Estudos apontam que isso atinge em torno de 10% dos pacientes que tiveram covid com sintomas.

Sandra Santos em frente ao Rede Sarah em Brasília para iniciar um novo acompanhamento(foto: Arquivo pessoal)
Sandra Santos em frente ao Rede Sarah em Bras�lia para iniciar um novo acompanhamento (foto: Arquivo pessoal)

O caminho percorrido por Sandra � um entre diversos relatos de brasileiros que n�o sofrem apenas com sintomas persistentes e poss�veis sequelas. S�o in�meros rem�dios, exames, consultas ou mesmo ceticismo de parte dos m�dicos sobre a covid ser a real causa dos sintomas.

Um dos obst�culos para o diagn�stico dessa condi��o � que muitos pacientes, ao serem testados para covid, j� n�o est�o mais com o coronav�rus no corpo. Pelo menos, n�o de uma forma detect�vel por exames adotados atualmente. Por isso, parte dos m�dicos avalia n�o ter elementos suficientes para concluir que se trata de covid longa ou acaba atribuindo os sintomas a dist�rbios psicol�gicos, por exemplo.

Em busca de ferramentas que permitam o diagn�stico da covid longa, pesquisadores do Imperial College London divulgaram terem achado um poss�vel indicativo da doen�a por meio de um exame de sangue: a presen�a de autoanticorpos ou anticorpos an�malos, que acabam atacando o pr�prio corpo.

Mas enquanto os especialistas n�o resolvem a quest�o do diagn�stico, o n�mero de pacientes com esses sintomas n�o para de crescer, o que tem se mostrado um desafio enorme para o j� combalido Sistema �nico de Sa�de (SUS).

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam falta de qualifica��o, pouca integra��o entre profissionais de diferentes especialidades (evitando que o paciente fique sendo encaminhado de um para outro sem o acompanhamento dele como um todo), al�m da escassez de atendimento e an�lise profundos do hist�rico m�dico, como doen�as que poderiam estar "silenciosas" e acabaram vindo � tona depois da covid-19.

Primeiros exames na Rede Sarah em Brasília(foto: Arquivo pessoal)
Primeiros exames na Rede Sarah em Bras�lia (foto: Arquivo pessoal)

Al�m disso, eles falam em obst�culos estruturais como burocracia excessiva e falta de recursos, de ambulat�rios e centros de reabilita��o especializados e tamb�m de estrutura para a telemedicina como forma de acompanhar pacientes � dist�ncia.

Existem atualmente duas grandes linhas na rede p�blica brasileira para reverter esse quadro de escassez ante a crise da s�ndrome-p�s-covid: capacita��o dos profissionais e reestrutura��o das unidades de sa�de.

"A covid longa trouxe � tona a import�ncia dos pacientes que lidam com doen�as cr�nicas no pa�s", afirma Amanda Santos Pereira, coordenadora m�dica da equipe do Hospital S�rio Liban�s que executa a iniciativa "Reabilita��o p�s-covid", com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema �nico de Sa�de, do Minist�rio da Sa�de (PROADI-SUS).

Esse e outros profissionais treinam equipes de sa�de pelo pa�s utilizando a metodologia Lean, a qual visa promover a organiza��o e otimiza��o dos servi�os hospitalares, como diminui��o de desperd�cios, capacita��o de equipes, determinar plano de retomada hospitalar segura, entre outros.

"O ideal � uma abordagem integral do paciente, que pode incluir m�dico especialista em reabilita��o, fisioterapeuta, nutricionista, psicologia e outras especialidades. O cuidado centrado no paciente � fundamental, e uma vis�o hol�stica importante, o que permite uma comunica��o mais assertiva entre os profissionais de sa�de, visando a recupera��o dos pacientes."

O projeto oferecido no Sistema �nico de Sa�de (SUS) come�ou em fase experimental com treinamentos de equipes de cinco hospitais da rede p�blica que j� atuam com reabilita��o f�sica e intelectual e pretende abranger at� 10 hospitais. O SUS conta com 266 centros especializados nessa �rea, mas poucos deles t�m estrutura ou treinamento para os pacientes p�s-covid.

As diretrizes do "Reabilita��o p�s-covid" orientam uma interven��o, que dura quatro meses. Os resultados promissores na recupera��o motora e funcional de pacientes infectados por covid levaram a uma amplia��o dos treinamentos. Entre os resultados apresentados, destacam-se o aumento de 26% na independ�ncia funcional dos pacientes, mais de 500 profissionais capacitados em visitas presenciais, evolu��o m�dia de 81% de aplicabilidade de protocolo de alta segura, entre outros.

"Essa � uma carga de trabalho que o SUS n�o estava preparado para absorver. Considerando todas as outras demandas que n�o deixaram de existir. As equipes de sa�de da fam�lia n�o deixaram de cuidar dos diab�ticos, dos hipertensos e dos pacientes com tuberculose. E agora est�o enfrentando esse desafio de receber uma nova carga de doentes. Alguns deles eram plenamente saud�veis, que sequer faziam acompanhamento de sa�de", afirma o m�dico infectologista Fernando Bellissimo-Rodrigues, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP) em Ribeir�o Preto.

Bellissimo-Rodrigues coordena o ambulat�rio p�s-covid do Hospital das Cl�nicas da USP em Ribeir�o Preto, criado no in�cio da pandemia, quando a institui��o percebeu que "os pacientes que sobreviviam � fase aguda da doen�a n�o estavam prontos para ter alta", porque precisavam de assist�ncia e orienta��o para lidar com sintomas persistentes e limita��es dali em diante.

Al�m do ambulat�rio, foi desenvolvido pela fisioterapeuta L�via Bonif�cio o projeto de pesquisa Recovida, no qual coleta dados do ambulat�rio desde maio de 2020 para sua pesquisa de p�s-doutorado. S�o acompanhados cerca de 200 pacientes, com casos de apresenta��o leve, moderada e grave da covid-19. Dados preliminares apontam que dos pacientes atendidos no ambulat�rio p�s-covid, 64% t�m algum sintoma persistente seis meses depois do in�cio dos sintomas.

Receitas e exames de Sandra Santos(foto: Arquivo pessoal)
Receitas e exames de Sandra Santos (foto: Arquivo pessoal)

Bellissimo-Rodrigues conta que o foco inicial do ambulat�rio eram os pacientes graves que foram hospitalizados, mas com o tempo foram incorporadas pacientes que eram profissionais da sa�de, e que tinham tido formas leves e moderadas da doen�a, ou seja, n�o chegaram a ser internados, mas desenvolveram sintomas de longo prazo da covid-19.

"A gente ent�o procura manejar esses problemas de modo integrado. No mesmo momento e na mesma consulta. � um privil�gio ter uma equipe t�o diversa e ampla como essa", diz o professor.

Sinais promissores ap�s vacina contra covid

Outro caminho promissor para alguns pacientes com covid longa tem sido a vacina��o. A professora ga�cha Priscila Alves, 44, est� entre aqueles que relataram melhoras depois de serem imunizados.

Ao longo de meses, ela passou por diversos exames e consultas e enfrentou dor de cabe�a, fadiga, tontura, falta de apetite, paladar afetado, dor no est�mago, epis�dios de �nsia e v�mito, asma e hemorragia vaginal. Dos rem�dios, apenas alguns funcionavam para sintomas espec�ficos. A �nica mudan�a concreta se deu quando ela foi vacinada.

"Os sintomas melhoraram bastante desde ent�o. A hemorragia parou e agora s� estou em tratamento com o gastroenterologista para tratar gastrite, esofagite e pedra na ves�cula", relata � BBC News Brasil.

Ainda n�o se sabe bem por que os imunizantes t�m sido ben�ficos para alguns pacientes com covid longa, mas o n�mero de relatos tem crescido � medida que os programas de vacina��o avan�am pelo mundo.

Um levantamento no Reino Unido sobre esse t�pico, o mais amplo at� agora, mostrou que 57% dos participantes apresentaram uma melhora geral dos sintomas. O estudo, ainda n�o revisado por outros cientistas, foi liderado pelo grupo de apoio brit�nico LongCovidSOS e conta com a colabora��o das universidades brit�nicas de Exeter e Kent.

H� diversas limita��es na metodologia, como a escolha da amostra de pessoas ouvidas, mas o trabalho aponta algumas pistas sobre os mecanismos por tr�s da vacina��o.

A imunologista Akiko Iwasaki, da Universidade Medicina de Yale (EUA), vem se dedicando ao tema com outros cientistas e aponta tr�s poss�veis explica��es para o papel da vacina contra a covid longa.

A primeira hip�tese aponta que haveria um reservat�rio de coronav�rus em algum lugar do corpo que continua afetando o paciente sem ser detectado por exames. Na segunda, o combate ao coronav�rus desencadeou um mecanismo autoimune no qual o sistema de defesa ataca o pr�prio corpo. A terceira fala em fragmentos do coronav�rus continuariam no corpo como "fantasmas virais" que estimulam o sistema imunol�gico e provocam inflama��o constante.

"Nossa (principal) hip�tese � de que a covid longa � causada por uma infec��o viral persistente e/ou doen�a autoimune", disse ela � BBC News Brasil em junho.

Para os cientistas, provavelmente n�o haver� uma explica��o ou solu��o �nica para todos os atingidos por um problema de sa�de t�o complexo. Mas os benef�cios trazidos tanto pela vacina��o quanto pelos programas de tratamento e reabilita��o multidisciplinares, t�m apontado caminhos promissores para outras milhares de pessoas com covid longa.


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