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Estado de Minas

Brasil tem 1 �rf�o por covid a cada 5 minutos: 'Pensamos que crian�as n�o s�o afetadas, mas � o oposto'

Susan Hillis, pesquisadora de doen�as infecciosas do Centro de Controle e Preven��o de Doen�as dos EUA, � l�der do estudo que mostrou que h� 1,5 milh�o de �rf�os da pandemia pelo mundo, e que o Brasil � o segundo pa�s mais afetado pelo problema. "Se voc� parar agora e contar at� 12, � o tempo que basta para haver um novo �rf�o por covid-19 no mundo."


27/07/2021 19:43 - atualizado 27/07/2021 20:02

(foto: Getty Images)

A covid-19 evoluiu rapidamente nos corpos de Thiago e Antonielle Weckerlin (ou Nielle, como era conhecida). Casados por 13 anos, ambos acabariam intubados na mesma UTI de Ponta Grossa, no hospital do Cora��o Bom Jesus. Primeiro morreu Thiago, numa madrugada de mar�o de 2021, pouco antes de completar 35 anos. Onze dias depois, sem sequer ter chegado a saber que ficara vi�va, morreria Nielle, aos 38 anos. "Nossa querida Nielle n�o resistiu e agora foi encontrar com Thiago e Jesus no c�u", dizia um post de luto da igreja evang�lica que a fam�lia frequentava na cidade.

O casal, enterrado lado a lado, deixou quatro filhos, dois meninos e duas meninas. As crian�as, com idades entre 1 e 11 anos, agora vivem com familiares que dizem ter condi��es financeiras de sustent�-los. Ainda assim, amigos e familiares arrecadaram R$ 70 mil em um esfor�o para ajudar o futuro delas.

As quatro crian�as s�o parte dos mais de 113 mil menores de idade brasileiros que perderam o pai, a m�e ou ambos para a covid-19 entre mar�o de 2020 e abril de 2021. Se consideradas as crian�as e adolescentes que tinham como principal cuidador os av�s/av�s, esse n�mero salta para 130 mil no pa�s. Globalmente, a cifra ultrapassa 1,5 milh�o de �rf�os, de acordo com um estudo publicado na �ltima ter�a-feira, 20/7, no peri�dico cient�fico Lancet.

"Se voc� parar agora e contar at� 12, � o tempo que basta para haver um novo �rf�o por covid-19 no mundo", afirmou � BBC News Brasil a cientista que liderou o estudo, Susan Hillis, pesquisadora de doen�as infecciosas do Centro de Controle e Preven��o de Doen�as dos Estados Unidos (CDC).

Hillis, ela mesma m�e adotiva de 11 filhos, se esfor�a para confrontar uma ideia que se disseminou desde o in�cio da pandemia de que crian�as n�o s�o afetadas pela covid-19. De acordo com a cientista, a magnitude no n�mero de �rf�os exp�e exatamente o oposto, mas autoridades de diferentes pa�ses e a sociedade em geral t�m ignorado ou agido de modo lento demais para ajudar esses menores de idade em situa��o t�o extrema.

Para al�m da trag�dia emocional, muitas fam�lias perderam pais ou m�es que eram as principais fontes de renda da casa. Hillis defende que haja inclus�o imediata desses menores de idade em programas de transfer�ncia de renda, para combater a vulnerabilidade financeira e social que vem junto com a orfandade. Essa seria uma necessidade especialmente verdadeira no Brasil, onde a maior parte dos �rf�os, 87,5 mil, perdeu o pai, historicamente o respons�vel pelo sustento financeiro do lar.

No Congresso brasileiro, onde Thiago e Nielle foram homenageados por um deputado federal do Paran�, tramitam diversos projetos de lei para beneficiar com assist�ncia social �rf�os da covid-19. O governo federal j� anunciou que planeja pagar uma pens�o para �rf�os j� inscritos em programas sociais, algo em torno de 68 mil menores de idade, segundo estimativas.

Mas nenhuma dessas propostas de aux�lio saiu do papel ainda. "Nossos dados s�o muito claros em mostrar que o Brasil � o segundo pa�s com maior n�mero de �rf�os, atr�s apenas do M�xico", afirma Hillis. "S� posso dizer que existe um chamado urgente para que o pa�s previna mortes e se prepare para proteger as crian�as que v�o precisar."

Susan Hillis, especialista em doenças infecciosas e líder de pesquisas de orfandade, é mãe adotiva de 11 crianças
Susan Hillis, especialista em doen�as infecciosas e l�der de pesquisas de orfandade, � m�e adotiva de 11 crian�as (foto: Divulga��o CDC)

Leia a seguir os principais trechos da entrevista da pesquisadora � BBC News Brasil feita por videochamada.

BBC News Brasil - O artigo que a senhora coassina afirma que a orfandade � uma epidemia escondida dentro da pandemia de covid-19. Qual � a import�ncia de conhecermos esses n�meros?

Susan Hillis - Sabemos por epidemias e pandemias anteriores, como a da gripe espanhola de 1918, ou a pandemia de HIV/AIDS ou a epidemia de Ebola, que toda vez que h� pandemias que matam um grande n�mero de adultos, isso significa que h� um grande n�mero de crian�as que ficaram �rf�s pela morte de um ou de ambos os pais. Dessa vez, no entanto, me parece que ficamos t�o chocados e consumidos pela urgente necessidade de combater as mortes que realmente ocorrem principalmente entre adultos , que presumimos que isso significa que as crian�as n�o s�o afetadas.

E, na verdade, � exatamente o oposto disso. As crian�as s�o altamente afetadas quando os adultos que morrem s�o seus pais ou av�s, as pessoas que mant�m suas casas e que cuidam delas.

BBC News Brasil - A magnitude desses n�meros surpreenderam?

Hillis - Eu acho que foi surpreendente para a maior parte do mundo pelo simples fato de que n�o temos pensado nisso. No entanto, nosso estudo deixa claro que agora � a hora de nos concentrarmos em um grupo de crian�as que est� em crise e que continuar� a crescer � medida que a pandemia progride. Descobrimos que em pouco mais de um ano, a cada 3 milh�es de mortes por pandemia, havia mais de 1,5 milh�o de crian�as que perderam a m�e, o pai ou seu cuidador prim�rio (normalmente os av�s). Isso � muito traumatizante para as crian�as.

O tamanho do grupo de crian�as em sofrimento � chocante e a velocidade com que ele aumenta � de tirar o f�lego. O extremo da situa��o fica claro quando voc� pensa que muitas vezes, em poucos dias ou semanas, a pessoa que contraiu covid-19 est� morta, o que deixa muito pouco tempo para que os familiares possam preparar esses filhos para o que � o futuro de uma vida sem m�e ou uma vida sem pai ou uma vida sem a av� que cuidava de voc� o tempo todo, todos os dias, que fazia a li��o de casa com voc�, que lavava o seu cabelo, que estava ali para te ouvir quando voc� precisava de apoio psicossocial, que pagava suas mensalidades na escola. Ent�o, estamos mesmo preocupados com essas crian�as e, ao mesmo tempo, temos esperan�a porque aprendemos com pandemias anteriores o que funciona para ajudar e apoiar �rf�os e crian�as vulner�veis e suas fam�lias nessas circunst�ncias.

BBC News Brasil - O n�mero de �rf�os agora � compar�vel com algo que vimos na hist�ria recente da humanidade?

Hillis - Mais do que compara��es hist�ricas, h� duas imagens muito simples e que traduzem de uma forma muito clara o tamanho da nossa trag�dia. A cada 12 segundos, uma crian�a ao redor do mundo perde os pais ou um dos av�s cuidadores por covid-19. Pense nisso: se voc� parar agora e contar at� 12, � o tempo que basta para haver um novo �rf�o. Dito de outra forma, a cada dois adultos que morrem pela pandemia no mundo, uma crian�a � deixada para tr�s lamentando a perda de sua m�e ou de seu pai ou av� ou av� que o criava. Isso traduz a urg�ncia de agirmos todos juntos e agora.

BBC News Brasil - Como os governos deveriam agir em rela��o a esses �rf�os? E a sociedade, em geral?

Cemitério no bairro Bom Jardim, em Fortaleza
Cemit�rio no bairro Bom Jardim, em Fortaleza (foto: JARBAS OLIVEIRA/AFP)

Hillis - H� v�rios n�veis de a��o. Do ponto de vista das fam�lias, apesar dos lockdowns e restri��es de movimento que o mundo todo tem experimentado, � preciso usar o momento para fortalecer o relacionamento com parentes que moram perto, e at� mesmo aqueles que n�o moram perto, por meio de plataformas de videochamadas, porque s�o esses parentes que provavelmente ter�o que intervir e ajudar caso o pai ou o av� cuidador morra. E, especialmente para uma doen�a que mata t�o rapidamente, eles precisam estar a postos.

J� em rela��o a governos e � sociedade civil, esse � o momento para que todos os n�veis administrativos se engajem em tr�s estrat�gias. Em primeiro lugar, precisamos prevenir as mortes desses pais, e certamente a essa altura sabemos como fazer isso. � preciso acelerar e garantir a equidade da distribui��o das vacinas e enquanto isso n�o acontece e a imuniza��o segue indispon�vel em muitos pa�ses, temos que seguir adotando aquelas medidas de sa�de p�blica: uso de m�scara, distanciamento social, higiene apropriada das m�os. Isso � essencial para impedir que esses pais contraiam a doen�a e morram.

A segunda estrat�gia � preparar para essas perdas. H� evid�ncias claras de que crian�as que crescem em orfanatos t�m um risco aumentado de atrasos cognitivos permanentes. Isso est� longe de ser o melhor que podemos fazer, como sociedade, por uma crian�a �rf�. Ent�o precisamos preparar parentes das fam�lias delas ou mesmo formar rapidamente fam�lias substitutas e adotivas que possam dar um lar para as crian�as que precisam e precisar�o deles. E n�o s�o poucas. Vamos pegar apenas o caso da cidade de Nova York. Ali, descobrimos que uma em cada quatro crian�as que perderam um dos pais ou o respons�vel precisa de uma vaga em orfanato porque n�o tem outra op��o. � preciso olhar para a possibilidade de fam�lias alternativas. Obviamente, isso deve sempre come�ar com os parentes e, quando isso n�o for poss�vel, � preciso um lar substituto seguro e amoroso.

E a terceira estrat�gia � a prote��o social. � central falarmos de prote��o a essas crian�as, porque sabemos que aquelas que crescem sem uma m�e ou um pai para zelar por elas correm maior risco de exposi��o � viol�ncia sexual, f�sica e emocional. H� um risco aumentado de muitas outras vulnerabilidades sociais, como a interrup��o dos estudos. Ent�o, fica claro que precisamos trabalhar juntos para garantir que os pais ou cuidadores adotivos possam construir uma coes�o familiar, que essas crian�as sigam tendo oportunidades de permanecer na escola e precisamos assegurar seu fortalecimento econ�mico, inscrevendo-os em programas de transfer�ncia de renda, j� que �rf�os tamb�m acabam em situa��es econ�micas altamente vulner�veis quando quem falece de covid-19 � tamb�m o chefe de fam�lia.

BBC News Brasil - Seu estudo mostra tamb�m que, no caso do Brasil, a maior parte das crian�as perdeu o pai, e n�o a m�e. Por que isso acontece e que diferen�a isso faz para elas no futuro?

Hillis - Tamb�m ficamos impressionados ao verificar que o risco de perder o pai foi de duas a cinco vezes mais alto do que o de perder a m�e. Isso, no mundo todo. Um dos motivos centrais para essa diferen�a � que, frequentemente, os homens t�m um n�mero m�dio de filhos maior do que as mulheres. Os homens podem continuar sua vida reprodutiva at� 70 anos ou mais e as mulheres normalmente interrompem abruptamente seus anos reprodutivos por volta dos 50. Ent�o, acreditamos que esse fato o n�mero m�dio mais alto de filhos dos homens , associado com um risco ligeiramente maior de morte por covid-19 no caso dos homens explica esse dado.

Em termos de consequ�ncias, a perda do pai em vez da m�e costuma trazer maior risco de vulnerabilidade econ�mica nas fam�lias, presumivelmente porque eles s�o muitas vezes o principal ganha-p�o na casa. Outra evid�ncia forte � que a perda do pai tende a aumentar o risco de exposi��o a abuso sexual. Isso � especialmente verdade no caso das meninas �rf�s.


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