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Estado de Minas

Estudo alerta: uma em tr�s crian�as sofre de anemia no Brasil

Apesar da melhora recente nos �ndices hist�ricos, especialistas ainda avaliam que a situa��o da doen�a no pa�s � grave e n�o se sabe ao certo como ela foi impactada pela pandemia de covid-19.


13/09/2021 14:50

Taxa de crianças brasileiras com anemia caiu 20% na última década, mas número ainda é considerado elevado por especialistas
Taxa de crian�as brasileiras com anemia caiu 20% na �ltima d�cada, mas n�mero ainda � considerado elevado por especialistas (foto: Getty Images)

De cada tr�s crian�as brasileiras, uma apresenta um quadro chamado anemia ferropriva.

Essa � a principal conclus�o de uma pesquisa feita na Universidade Federal de S�o Carlos (UFSCar), no interior paulista.

Apesar de representar uma queda consider�vel em rela��o a um levantamento anterior, feito em 2008, que mostrava que mais da metade do p�blico infantil tinha a doen�a no pa�s, o n�mero atual ainda � considerado "grave" e "tr�gico" por especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Eles ainda chamam a aten��o para o fato de que a pesquisa incluiu dados colhidos antes do in�cio da pandemia de covid-19. Especula-se, portanto, que o cen�rio pode ter voltado a piorar nos �ltimos meses, com o aumento da pobreza, da fome e de alguns indicadores que medem a sa�de e o estado nutricional das crian�as.

"Ap�s o per�odo de amamenta��o, as carnes s�o o principal alimento que contribui para que a crian�a n�o tenha anemia, pois elas s�o ricas em ferro", diz o m�dico Carlos Nogueira de Almeida, professor da UFSCar e autor principal do estudo.

"Sabemos que a carne j� costuma ser cara por natureza e seu pre�o subiu ainda mais durante a pandemia, o que dificulta seu consumo, principalmente entre a popula��o mais pobre", completa.

Outro ponto que preocupa os profissionais da sa�de � a diminui��o no n�mero de consultas e acompanhamentos pedi�tricos entre 2020 e 2021.

Um exemplo de como esse fen�meno acontece na pr�tica vem da Pastoral da Crian�a, associa��o ligada � Confedera��o Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que trabalha h� d�cadas em quest�es de sa�de, nutri��o, higiene e desenvolvimento infantil.

De acordo com a nutricionista Caroline Dalabona, da coordena��o nacional da Pastoral, em Curitiba, os grupos de volunt�rios trabalhavam com cerca de 800 mil crian�as at� o in�cio de 2020, n�mero que precisou ser reduzido pela metade com o avan�o da covid-19.

"Tivemos que diminuir o acompanhamento, o que complicou o nosso trabalho. Agora focamos naquelas fam�lias mais vulner�veis, e sabemos que muitas delas est�o num momento cr�tico, com dificuldades na alimenta��o", relata a especialista, que notou um aumento nos casos de desnutri��o e obesidade infantil nesse per�odo.

Marcada pela defici�ncia de ferro no organismo, a anemia � um quadro perigoso, que tem v�rias repercuss�es � sa�de. A falta desse nutriente pode, por exemplo, prejudicar a imunidade e impactar o desenvolvimento do c�rebro das crian�as, com repercuss�es irrevers�veis para a vida toda.

Mas como uma doen�a s�ria como essa se tornou algo t�o frequente no Brasil? E o que pode ser feito para reduzir seu impacto?

Um n�mero tr�gico

Os especialistas da UFSCar compilaram e analisaram os resultados de outros 134 estudos feitos entre 2007 e 2020, que reuniram informa��es sobre a sa�de de 46 mil indiv�duos com menos de 7 anos de idade de todas as regi�es do Brasil.

A pesquisa foi publicada no peri�dico cient�fico Public Health Nutrition , mantido pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Mas ser� que esses 33% de crian�as com anemia ferropriva representam uma taxa realmente alta? Como isso se compara com s�ries hist�ricas ou com a realidade de outros pa�ses?

"J� esper�vamos que os n�meros de acometidos pela anemia seriam elevados, mas, mesmo assim, eles representam uma trag�dia", interpreta Nogueira de Almeida.

"Falamos aqui de uma doen�a que traz d�ficits cognitivos. Isso, por sua vez, se relaciona a dificuldades no aprendizado e no racioc�nio. E um ter�o das nossas crian�as est� com seu potencial prejudicado e pode ter menos oportunidades na vida", completa.

O especialista informa que o Brasil n�o possui grandes estudos de campo sobre a quantidade de pessoas acometidas pela anemia, nem faz um acompanhamento peri�dico da evolu��o dessa doen�a pelo pa�s.

O que o time da UFSCar realizou, ent�o, foi uma metan�lise, que aglutina dados de diversas pesquisas menores, que avaliaram a realidade de uma cidade ou de uma regi�o. A partir da�, � feito um c�lculo estat�stico para chegar a uma m�dia mais representativa de todo o pa�s.

A evid�ncia mais s�lida de como o tamanho da anemia se alterou ao longo do tempo vem de outro trabalho, feito em 2008 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) , tamb�m no interior paulista.

� �poca, os cientistas analisaram trabalhos feitos entre 1996 e 2007 e conclu�ram que 53% das crian�as brasileiras tinham anemia.

De 2008 para 2021, portanto, � poss�vel notar uma redu��o de 20 pontos percentuais na compara��o entre os dois artigos.

Segundo os especialistas, esse avan�o pode ser creditado � melhora na condi��o socioecon�mica dos brasileiros nas �ltimas d�cadas.

Tamb�m n�o se pode ignorar o efeito ben�fico de algumas pol�ticas p�blicas recentes, como a fortifica��o das farinhas de trigo e de milho com ferro e �cido f�lico e a disponibiliza��o de suplementos de ferro no Sistema �nico de Sa�de, o SUS, para gestantes e crian�as.

"A situa��o melhorou, mas esse n�mero de 33% chama a aten��o e ainda � grave", avalia a m�dica Virg�nia Weffort, presidente do Departamento Cient�fico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

No cen�rio internacional, a situa��o do Brasil n�o � das piores, mas est� longe de ser confort�vel.

De acordo com os dados da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) , 40% das crian�as com menos de 5 anos do planeta t�m anemia.

Enquanto o problema � classificado como "severo" em boa parte da �frica e do Sudeste Asi�tico, a OMS considera "leve" o panorama da anemia no Brasil.

A entidade calcula que nosso pa�s teria, em 2019, cerca de 11% de suas crian�as com a doen�a.

O n�mero, t�o abaixo do observado nas pesquisas, vem de �rg�os oficiais do pa�s, mas n�o aponta toda a realidade e o tamanho do problema, segundo a avalia��o dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e as pesquisas de Unicamp e UFSCar.

"Diante de estat�sticas que n�o batem, precisar�amos que cada cidade brasileira tivesse um acompanhamento pr�prio, o que nos daria um retrato mais fiel da anemia no pa�s", aponta Weffort, que tamb�m � professora da Universidade Federal do Tri�ngulo Mineiro.

Cen�rio nebuloso

Vale destacar ainda que o artigo produzido na UFSCar levou em conta dados que v�o at� o in�cio de 2020.

Ainda n�o � poss�vel, portanto, entender o impacto que a pandemia de covid-19 teve no cen�rio da anemia em nosso pa�s.

Mas alguns fatores trazem preocupa��o aos especialistas.

O primeiro deles � a piora geral da condi��o socioecon�mica da popula��o brasileira, com aumento da pobreza, da fome e do desemprego nesses meses, que limitam o poder financeiro e dificultam o acesso a alimentos ricos em ferro, principalmente a carne vermelha.

Esse item, ali�s, foi um dos que mais sofreu com o aumento da infla��o nos �ltimos meses. De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria LCA, divulgada pelo Estad�o , o pre�o da carne bovina j� havia subido 16,2% em 2020 e sofrer� um novo aumento de 17,6% no acumulado deste ano.

Subida do preço da carne diminuiu o acesso ao alimento, uma das principais fontes de ferro
Subida do pre�o da carne diminuiu o acesso ao alimento, uma das principais fontes de ferro (foto: Getty Images)

Mais especificamente sobre a sa�de do p�blico infantil, ainda n�o � poss�vel notar uma modifica��o dr�stica em indicadores de nutri��o e seguran�a alimentar nos �ltimos meses.

Os dados do Observat�rio da Crian�a e do Adolescente, da Funda��o Abrinq , indicam uma estabiliza��o na porcentagem de casos de desnutri��o cr�nica (que se mantiveram em 13% entre 2019 e 2020), e um ligeiro aumento na obesidade (que subiu de 6,95% para 7,39% nos dois �ltimos anos).

Embora esses n�meros n�o estejam diretamente relacionados com a anemia, eles sinalizam por outras vias como est� a qualidade da alimenta��o dos menores de idade no pa�s.

Para C�ntia da Cunha, l�der de programas e projetos de sa�de da Funda��o Abrinq, o impacto da pandemia ainda � muito recente.

"Nos �ltimos meses, percebemos um aumento na taxa de mortalidade materna, mas precisamos acompanhar os indicadores por mais tempo e aguardar dados mais robustos antes de chegar num consenso e entender o que est� acontecendo", avalia.

Enquanto isso, na Pastoral da Crian�a, a nutricionista Caroline Dalabona diz que j� � poss�vel ver alguns efeitos da pandemia na sa�de das crian�as brasileiras.

"Entre 2020 e 2021 notamos um aumento nos extremos, com mais crian�as desnutridas ou obesas", diz.

Vale destacar aqui que a anemia pode aparecer tanto nos pequenos que est�o abaixo ou acima do peso os "extremos", como classifica Dalabona, costumam estar associados a uma dieta inadequada, com baixo consumo de nutrientes como o ferro, que est� em falta nessa doen�a.

"Mas � preciso dizer que nosso trabalho foi impactado pela pandemia, com queda no n�mero de volunt�rios e de crian�as acompanhadas. Como estamos focando justamente nos casos mais graves, � poss�vel que exista esse vi�s, em que damos maior aten��o para os extremos", pondera a nutricionista.

Um problema com m�ltiplas repercuss�es

Como explicamos no in�cio da reportagem, a anemia ferropriva � marcada pela falta de ferro no organismo.

Esse nutriente, encontrado no leite materno, na carne vermelha e em alguns vegetais, como as folhas verde-escuras, o feij�o e a soja, � essencial para o funcionamento do corpo.

Ele � indispens�vel, por exemplo, para a fabrica��o e o funcionamento das hem�cias, as c�lulas vermelhas do sangue respons�veis por transportar oxig�nio dos p�s � cabe�a.

O ferro tamb�m participa de processos do sistema imunol�gico e garante o bom funcionamento do c�rebro.

Quando n�o comemos uma quantidade suficiente dessa subst�ncia, portanto, toda a sa�de acaba prejudicada.

E o problema � ainda maior quando pensamos em alguns per�odos espec�ficos da vida, como a inf�ncia.

"As crian�as com defici�ncia de ferro sofrem altera��es no desenvolvimento do c�rebro que, mais pra frente, se manifestam com dificuldade de aprendizado, sonol�ncia e des�nimo", explica Weffort.

"E muitos desses problemas repercutem pela vida toda e s�o irrevers�veis", complementa a especialista.

O pré-natal adequado é uma das principais estratégias para prevenção da anemia durante a infância
O pr�-natal adequado � uma das principais estrat�gias para preven��o da anemia durante a inf�ncia (foto: Getty Images)

A culpa � de quem?

Mas como � poss�vel que uma doen�a com graves repercuss�es seja t�o frequente assim no Brasil, com 33% das crian�as acometidas?

"Tudo come�a durante a gesta��o. Para que o beb� se desenvolva, a m�e precisa passar uma boa quantidade de ferro para ele. Mas h� muitos casos em que a pr�pria gestante j� apresenta defici�ncia desse nutriente", diz Nogueira de Almeida.

� por esse e outros motivos que o pr�-natal � t�o importante. Nas consultas regulares, a mulher � acompanhada e recebe orienta��es sobre a necessidade de fazer uma suplementa��o de ferro durante os nove meses a medida, inclusive, faz parte dos protocolos do Minist�rio da Sa�de e � poss�vel retirar o rem�dio (chamado de sulfato ferroso) que previne a anemia na rede p�blica.

Na hora do parto, h� um outro detalhe que faz toda a diferen�a: o momento certo de fazer o clampeamento e o corte do cord�o umbilical.

"Mesmo ap�s o nascimento, a mulher continua por alguns minutos a passar sangue rico em ferro para o beb� pelo cord�o umbilical. Se o clampeamento � feito de forma precoce, isso afeta as reservas de ferro dele", explica o m�dico.

A orienta��o � que a m�e e o rec�m-nascido continuem conectados enquanto o cord�o estiver pulsando, o que costuma durar cerca de dois a tr�s minutos depois do parto.

Esperar alguns minutos para cortar o cordão umbilical pode fazer toda a diferença na saúde da criança
Esperar alguns minutos para cortar o cord�o umbilical pode fazer toda a diferen�a na sa�de da crian�a (foto: Getty Images)

Na sequ�ncia, n�o d� pra ignorar o poder do leite materno, rico em ferro, na preven��o da anemia.

"As crian�as que n�o mamam nunca devem tomar leite de vaca nesses primeiros meses de vida. Al�m de n�o ter boa quantidade de ferro, a bebida provoca pequenas hemorragias no intestino, que prejudicam ainda mais a absor��o desse nutriente", alerta o especialista.

No caso em que n�o � poss�vel realizar a amamenta��o, as diretrizes nacionais e internacionais indicam o uso de f�rmulas infantis espec�ficas para cada idade.

Conforme a crian�a cresce, surgem novos percal�os que ajudam a entender o tamanho do problema.

"Em linhas gerais, as pessoas comem muito mal. Quando pensamos em defici�ncia de ferro, isso pode ser explicado tamb�m pela falta da carne vermelha na dieta, que � uma das principais fontes dessa subst�ncia", observa Weffort.

"Uma parcela da popula��o n�o consome esse alimento em raz�o do pre�o, que fica cada vez mais alto e inacess�vel. Uma outra parte, que at� poderia comprar, n�o tem o h�bito, n�o gosta, � vegetariana ou vegana", descreve.

Para lidar com a situa��o, a Sociedade Brasileira de Pediatria preconiza que todas as crian�as de 6 meses a 2 anos tamb�m recebam a suplementa��o de ferro, independentemente de terem sido diagnosticadas ou n�o com anemia.

A exemplo do que ocorre nas gestantes, esse medicamento est� dispon�vel para essa faixa et�ria na rede p�blica de sa�de.

Apesar de todos os m�todos ajudarem a prevenir muitos casos, vale dizer que o diagn�stico da anemia n�o � nenhum bicho de sete cabe�as.

Ap�s uma avalia��o em consult�rio, que leva em conta fatores como os h�bitos alimentares e a disposi��o da crian�a, o m�dico pode pedir um exame de sangue que mede duas mol�culas: a ferritina, que sinaliza os n�veis de ferro no f�gado, e a hemoglobina, que estima os estoques da subst�ncia nas c�lulas vermelhas do sangue.

� poss�vel diminuir o impacto da doen�a?

Para Nogueira de Almeida, o problema da anemia s� ser� efetivamente resolvido com mudan�as estruturais.

"� preciso fortalecer v�rias pol�ticas p�blicas, com um pr�-natal adequado, a necessidade da suplementa��o de ferro, o incentivo ao clampeamento do cord�o umbilical no momento certo e o trabalho de educa��o em sa�de para toda a popula��o", lista o m�dico.

Weffort concorda e acrescenta a necessidade de refor�ar programas de transfer�ncia de renda para a popula��o mais pobre, que garantem o acesso a alimentos de melhor qualidade.

"Os programas de cidadania devem garantir a carne vermelha como produto da cesta b�sica. E nem precisa ser uma carne nobre: as de segunda s�o aquelas com a maior quantidade de ferro", pontua.

Tamb�m n�o podemos nos esquecer da import�ncia da amamenta��o para, entre outras coisas, garantir uma boa quantia de ferro ao rec�m-nascido.

O leite materno é rico em ferro e a amamentação está entre as principais estratégias para prevenir a anemia
O leite materno � rico em ferro e a amamenta��o est� entre as principais estrat�gias para prevenir a anemia (foto: Getty Images)

"O aleitamento materno exclusivo � recomendado at� os seis meses de vida", lembra Cunha, da Funda��o Abrinq.

Para aqueles que n�o comem carne por op��o, gosto pessoal ou filosofia de vida, os m�dicos e os nutricionistas podem avaliar caso a caso e indicar estrat�gias para substituir o alimento e garantir boas doses de ferro.

Embora a suplementa��o seja necess�ria na maioria desses casos, � poss�vel apelar, por exemplo, para outros ingredientes ricos em ferro, como verduras escuras (como a couve) e leguminosas (caso de feij�o e soja).

Uma estrat�gia inteligente � consumir esses alimentos de origem vegetal junto de fontes de vitamina C, como o suco de laranja e de lim�o, que aumentam a absor��o do ferro pelo organismo.

Mas num pa�s t�o diverso como o Brasil, Dalabona acredita que n�o � poss�vel pensar em f�rmulas prontas e recomenda��es gen�ricas de dieta para todos.

"Para garantir uma vida saud�vel e prevenir a anemia, n�s devemos sempre fazer adapta��es e pensar na realidade das pessoas", conta

"� preciso ver a alimenta��o do lugar e aproveitar as riquezas de cada regi�o. Isso n�o � s� mais efetivo, como tamb�m respeita e valoriza a cultura local", finaliza.


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