Nos �ltimos meses, Ricardo Palacios teve uma �rdua miss�o: testar uma vacina para uma doen�a nova, que matava (e continua a matar) milhares de pessoas no mundo inteiro todos os dias.
Como diretor de pesquisa cl�nica do Instituto Butantan, em S�o Paulo, o m�dico e cientista social colombiano foi respons�vel por conduzir uma equipe de cientistas que fez os testes cl�nicos da CoronaVac, um dos imunizantes aprovados contra a covid-19 em tempo recorde.
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O especialista tamb�m trabalhou com a ButanVac, que ainda est� em desenvolvimento, e se envolveu em projetos de outras candidatas a vacinas, como uma que protege contra a dengue.
Formado em medicina pela Universidade Nacional da Col�mbia e em ci�ncias sociais pela Universidade de S�o Paulo (USP), Palacios tamb�m � doutor em infectologia pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp). Ele acredita que a pandemia mostrou o quanto os cientistas estavam despreparados para se comunicar com o p�blico.
"Houve uma falha de comunica��o, que ainda n�o conseguiu ser superada. Precisamos ajustar a expectativa do p�blico sobre o que esperar das vacinas contra a covid-19", diz.
O pesquisador explica que os imunizantes utilizados atualmente foram desenvolvidos para diminuir o risco das formas graves da doen�a, que exigem hospitaliza��o e intuba��o e podem matar.
Por�m, de acordo com a an�lise que ele faz, isso n�o ficou t�o claro e as pessoas entendem que est�o completamente protegidas ap�s tomarem as duas doses.
O m�dico tamb�m entende que, com o avan�o das campanhas de vacina��o, ser� necess�rio ensinar a popula��o sobre o manejo de risco de se infectar com o coronav�rus e como proteger a camada da sociedade que est� mais propensa a complica��es.
"Voc� quer passar o Natal com familiares e amigos. Como planejar esse evento para que ele n�o acabe disseminando a covid-19 para pessoas vulner�veis, que v�o acabar internadas? A gente tem que come�ar a ensinar isso e acho que essa � uma outra falha que precisa ser corrigida", aponta.

Entre o final de julho e o in�cio de agosto, Palacios deixou a diretoria de pesquisas cl�nicas do Butantan, ap�s o instituto anunciar uma reestrutura��o. Durante a entrevista exclusiva para a BBC News Brasil, por�m, ele n�o quis comentar sobre o caso.
Confira os principais trechos a seguir.
BBC News Brasil - Como o senhor entrou para o universo da pesquisa e do desenvolvimento de vacinas?
Ricardo Palacios - Comecei a trabalhar com pesquisa cl�nica logo depois da minha forma��o em medicina, em 1996. Desde aquela �poca, foquei principalmente em doen�as infecciosas, no desenvolvimento de tratamentos e vacinas.
Sobre as vacinas, particularmente, tive a oportunidade de trabalhar como consultor da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em alguns projetos e conhecer a realidade em diversos continentes.
Ainda pude fazer meu doutorado no Brasil, na Universidade Federal de S�o Paulo, e trabalhei em projetos de pesquisa sob a coordena��o do professor Esper Kallas. Na sequ�ncia, fui convidado para colaborar em muitos projetos e trabalhei com o desenvolvimento de vacinas no Instituto Butantan, onde virei diretor da �rea de ensaios cl�nicos.
BBC News Brasil - Um detalhe que chama aten��o em seu curr�culo � o fato de, al�m da gradua��o em medicina, o senhor ter uma forma��o em ci�ncias sociais. � poss�vel encontrar um di�logo entre essas duas �reas do conhecimento?
Palacios - Quando passamos por momentos como o atual, fica muito evidente como essas duas �reas conversam claramente. Sabemos, por exemplo, que as doen�as est�o relacionadas a uma s�rie de marcadores sociais. E a pandemia � muito diferente entre as camadas da popula��o com mais ou menos acesso aos recursos.
Isso tamb�m fica claro quando pensamos na vacina��o. Existe uma desconfian�a muito grande sobre os imunizantes em pa�ses da Europa e nos Estados Unidos. Enquanto isso, n�o h� doses suficientes em outros lugares, mesmo com popula��es que desconfiam menos das vacinas.
N�s ainda sabemos que o controle da pandemia e a efetiva melhora da sa�de da popula��o tem a ver com a ado��o de pol�ticas p�blicas e de uma assist�ncia social. E o cen�rio pol�tico interfere diretamente nas iniciativas que podem prevenir as doen�as.
� poss�vel, portanto, encontrar uma enorme intera��o entre fatores sociais e de sa�de. A gradua��o em ci�ncias sociais permitiu complementar a minha forma��o para entender de forma mais abrangente o que realmente significam as interven��es em sa�de p�blica.
BBC News Brasil - E como era o desenvolvimento de vacinas antes da atual pandemia? Como esse processo se modificou nos �ltimos meses?
Palacios - A princ�pio, n�o houve uma mudan�a significativa. N�s continuamos a fazer aquilo que j� sab�amos antes da pandemia, principalmente na maneira como as pesquisas cl�nicas s�o realizadas.
O que de fato mudou foi a forma como esses dados s�o divulgados e, principalmente, a parte da colabora��o entre os pesquisadores e o fluxo de informa��es ao redor do mundo. Nos �ltimos meses, compartilhamos muita informa��o entre diferentes atores que trabalham com temas relacionados � pandemia. Isso envolve desde a ci�ncia b�sica at� os maiores fabricantes do mercado. Foi uma troca muito rica e uma experi�ncia valiosa. Essa foi, pra mim, a grande diferen�a.
Gostaria de chamar a aten��o para a intera��o que houve com as ag�ncias reguladoras, como a Anvisa. Nunca � suficiente destacar o esfor�o incans�vel dessas pessoas, que trabalharam muito para avaliar os dados e dar orienta��es aos produtores de vacinas.
Outro ponto que mudou com a pandemia � a no��o de que, quando a gente concentra uma grande quantia de recursos e elimina as fronteiras, � poss�vel desenvolver solu��es.
Por fim, vejo com bons olhos e dou as boas-vindas �s novas tecnologias, como as vacinas de vetor viral e de mRNA, que nos permitem enfrentar de maneira mais �gil algumas doen�as. Imagino que esse ser� um dos grandes legados dessa pandemia.

BBC News Brasil - E o senhor acredita que esses novos conhecimentos poder�o ser aplicados no desenvolvimento de imunizantes para outras doen�as, como aids, mal�ria e dengue?
Palacios - Com certeza. Eu acho que aprendemos muito com essas novas tecnologias e elas nos permitiram evoluir mais r�pido. A experi�ncia atual tamb�m fez com que aprend�ssemos muito sobre a produ��o de uma vacina e a seguran�a desses produtos, o que vai nos permitir explor�-las para outras doen�as que acometem a humanidade.
Talvez uma grande dificuldade, no caso das outras enfermidades, seja encontrar um alvo espec�fico, como detectamos a prote�na S, da esp�cula do coronav�rus. � preciso pensar nesse pedacinho, para o qual desenvolvemos um imunizante com poder de gerar uma boa resposta do sistema imunol�gico. Esse � um problema enorme quando falamos da mal�ria, por exemplo.
Talvez as novas plataformas de vacina nos ajudem e possam servir de solu��o para outras doen�as, mas n�o podemos dizer ainda que elas s�o f�rmulas m�gicas. Existem limita��es que precisar�o ser superadas. Mas, sem d�vida, a combina��o de tecnologias pode ajudar a confrontar esses outros agentes infecciosos que causam tanto problema para a humanidade.
BBC News Brasil - No primeiro semestre de 2020, quando as primeiras vacinas come�aram a ser desenvolvidas, o senhor achava que era poss�vel ter tantas op��es prontas, testadas e aprovadas em menos de um ano?
Palacios - Eu me lembro das entrevistas que dei naquele per�odo e a previs�o que fiz foi cumprida: � �poca, disse que estar�amos vacinando contra a covid-19 ainda no primeiro trimestre de 2021. De fato, era algo que sab�amos ser poss�vel.
Mas por que est�vamos t�o confiantes? � que as principais na��es j� estavam desenvolvendo tecnologias para essas vacinas. Elas s� precisaram modificar e adaptar projetos anteriores, que avaliaram imunizantes para as epidemias de S�ndrome Respirat�ria Aguda (Sars), no in�cio do s�culo 20, e da S�ndrome Respirat�ria do Oriente M�dio (Mers), em 2011.
Essas tecnologias, baseadas nesse conhecimento acumulado nos �ltimos anos, foram adaptadas para esse novo coronav�rus, o que nos permitiu fazer previs�es mais curtas.
Outro ponto que contribuiu foi determinar o resultado que a gente buscava. As vacinas foram pensadas para dar uma resposta imune capaz de proteger contra os quadros mais graves da infec��o, que levam a interna��es e �bitos. Se procur�ssemos uma prote��o contra a infec��o mais leve e inicial, a resposta imunol�gica teria que ser diferente e poderia demorar mais tempo para ficar pronta.
De certa maneira, a covid-19 nos oferece uma vantagem, que � o tempo de uma semana entre a invas�o do v�rus e a evolu��o para as formas mais graves. Esse intervalo � importante, porque a resposta imune gerada a partir da vacina��o pode ser ativada, de modo a trazer uma prote��o contra o agravamento da doen�a, que � o nosso objetivo principal.
BBC News Brasil - E como foi trabalhar diretamente no desenvolvimento da CoronaVac, na parceria entre a farmac�utica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan?
Palacios - Eu estava numa posi��o dentro de uma institui��o p�blica que, junto de toda a equipe, procurava meios de responder a esse anseio da humanidade [de ter vacinas no meio de uma pandemia]. Nesse sentido, h� um senso de responsabilidade, de entendermos o nosso papel e a relev�ncia de nosso trabalho.
N�s sempre prezamos muito pela integridade cient�fica e �tica. E nos valemos disso para que nosso trabalho fosse avaliado pelas ag�ncias regulat�rias por sua for�a e qualidade. De um lado, a gente tinha essa pressa. Do outro, n�o pod�amos deixar de lado o rigor cient�fico e nem simplificar os processos �ticos.
Baseado nisso, n�s come�amos a trabalhar e formamos uma equipe no Instituto Butantan que seguiu os protocolos e fez os testes cl�nicos.
Com isso, vale a pena destacar que, das seis vacinas aprovadas para uso emergencial pela OMS neste momento, a �nica que teve a lideran�a de um pa�s da Am�rica Latina no seu desenvolvimento final foi a CoronaVac.
Esse � um diferencial das outras vacinas, porque a Am�rica Latina at� foi um lugar onde aconteceram muitos testes, mas eles foram de protocolos e pesquisas desenvolvidas em outros pa�s e que aqui s� foram executados e operacionalizados.
No caso da CoronaVac, os testes cl�nicos foram desenhados completamente no Brasil e conseguimos ser uma dessas seis vacinas que chegou quase ao mesmo tempo no mercado.
Isso quando os outros imunizantes receberam uma s�rie de apoios e subs�dios de diferentes governos e institui��es. Realmente, n�o d� pra entender como conseguimos fazer tudo isso numa circunst�ncia t�o dif�cil, comparativamente com pouco apoio, e entregamos rapidamente o produto.
E vale lembrar que a CoronaVac foi, durante os primeiros meses, a principal vacina da Am�rica Latina e isso nos faz sentir muito orgulho. Conseguimos responder n�o s� a demanda do Brasil, mas de toda a regi�o.
BBC News Brasil - Em janeiro, quando foram anunciados os resultados de efic�cia da CoronaVac, o Instituto Butantan publicou um v�deo nas redes sociais em que o senhor anuncia os resultados para a equipe e parece estar bem emocionado. O que passou pela sua cabe�a naquele momento?
Palacios - Existia uma expectativa muito grande em saber aqueles n�meros. Isso acontecia dentro de nossa equipe, em toda a institui��o e, claro, no pa�s inteiro. Naquele momento, eu era o �nico que conhecia aquele resultado. Quando apareci no v�deo e divulguei a informa��o para os colegas do Instituto Butantan, eu finalmente pude dizer: n�s temos uma vacina.
� claro que esse foi um momento muito significativo, pois ali n�s j� t�nhamos um conjunto de dados que nos permitia afirmar que a CoronaVac n�o era mais uma candidata, mas podia ser encarada como uma vacina de verdade. Minha fala, claro, reflete a emo��o que estava sentindo.
Mas hoje eu acho que essa nem foi a grande emo��o que eu senti nesses �ltimos meses. Quando comecei a receber as imagens e os relatos de colegas sendo vacinados, dos ind�genas que tomaram suas doses, a� sim fiquei muito emocionado.
O relato mais recente que me marcou veio de um colega do Paran�. Ele me disse que havia internado uma pessoa de 83 anos por uma outra causa que n�o era covid-19. A covid-19 n�o foi o motivo principal da hospitaliza��o, e isso se deveu � vacina.
Um outro amigo, que atua em S�o Paulo, me disse que no hospital onde ele trabalha foi poss�vel devolver a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para o tratamento dos pacientes com c�ncer. Nos �ltimos meses, esse local havia sido usado apenas para leitos de covid-19. Gra�as �s vacinas, estamos conseguindo controlar melhor a pandemia.
Ent�o eu acho que isso � ainda mais emocionante para mim do que aquele momento espec�fico, em que anuncio a efic�cia. Talvez, naquele dia, ainda n�o tinha ca�do a minha ficha e eu precisava amadurecer o que est�vamos fazendo e os efeitos que isso teria. Quando a gente escuta os relatos e v� o sentimento das pessoas, isso realmente traz muita emo��o.

BBC News Brasil - O desenvolvimento das vacinas foi marcado por muita disputa pol�tica, especialmente no Brasil. Isso influenciou de alguma forma o trabalho que voc�s estavam fazendo?
Palacios - Tudo o que realizamos tinha que ser preservado da esfera pol�tica, especialmente das decis�es que eram tomadas. Mas n�o se pode afirmar exatamente que o trabalho que a gente fez n�o teve repercuss�es pol�ticas. E isso aconteceu, at� porque a gente viu e ainda v�, com muita tristeza, que a presid�ncia do Brasil ainda faz coment�rios que n�o condizem com a realidade, que s�o imprecisos em rela��o � CoronaVac. Isso foi uma constante durante todo o processo de desenvolvimento e continua at� agora.
Eu acho que essa identifica��o da vacina com uma vertente pol�tica � totalmente inapropriada. A pol�tica n�o deveria ser a favor ou contra uma vacina. A pol�tica deveria promover as vacinas. E nisso tamb�m vemos como o Governo Federal tem uma forma de agir que n�o tem sido suficientemente constante e firme em prol da vacina��o. E isso � algo que entristece.
Felizmente, o Programa Nacional de Imuniza��es tem sido forte em resistir a esse ataque �s vacinas. A aceita��o da popula��o � grande porque existem d�cadas de trabalho, e isso permite contrastar essa falta de interesse em rela��o �s campanhas de imuniza��o [do Governo Federal].
O que a gente percebe � que, no lugar de o Governo Federal promover a pesquisa e a dissemina��o da vacina��o, existem atores, inclusive l�deres, com posturas inapropriadas e que n�o condizem com um apoio irrestrito � vacina��o, como dever�amos esperar.
BBC News Brasil - Uma das cr�ticas mais comuns aos produtores de vacinas nesses �ltimos meses foi a forma como se deu a divulga��o dos dados de pesquisa. Muitos dos resultados foram apresentados em press releases e coletivas para a imprensa, com poucos dados publicados em artigos cient�ficos. Como o senhor encara essas cr�ticas?
Palacios - Desde o ponto de vista do desenvolvedor, e isso pode parecer at� um pouco curioso para meus colegas cientistas, a prioridade � entregar os dados para a ag�ncia regulat�ria. N�o � o artigo cient�fico que faz uma vacina chegar ao bra�o das pessoas. � a avalia��o rigorosa de uma ag�ncia regulat�ria que permite a aprova��o do produto.
Estou na contracorrente de meus colegas, e tenho recebido cr�ticas nesse sentido, mas essa foi a nossa prioridade: entregar o m�ximo de informa��es para as ag�ncias regulat�rias para que elas pudessem tomar uma decis�o. Porque, independentemente da publica��o, somente com o aval das ag�ncias � que seria permitida a administra��o destas vacinas. E isso destaca mais uma vez o papel da ag�ncia regulat�ria, a import�ncia da equipe cient�fica que trabalha l� e de sua independ�ncia pol�tica.
Nesse contexto, � muito dif�cil estabelecer estrat�gias de comunica��o apropriadas. E a gente viu, em v�rias vacinas, que precisamos aprender a nos comunicar melhor com a popula��o. Essa � uma situa��o que � muito nova para n�s. Antes, o nosso trabalho n�o era objeto dos holofotes da imprensa. Antes da pandemia, era dif�cil explicar o que eu fazia at� para a minha fam�lia. Agora todo mundo sabe, e com bastante detalhe.
Essas informa��es [sobre as vacinas] saem nos jornais, s�o objeto das conversas no �nibus, no sal�o de cabeleireiro e nas festas da fam�lia. Eu acho que n�s est�vamos mal preparados para fazer essa comunica��o para o p�blico. Isso est� sendo objeto de uma reflex�o no Brasil e no mundo.
E essa quest�o da divulga��o dos resultados j� existia antes da pandemia. � normal que as companhias divulguem seus resultados preliminares para a imprensa. Sempre houve, claro, um interesse comercial das farmac�uticas e dos governos nisso. Mas isso n�o era um problema antes porque n�o se tratava de um objeto de tanto escrut�nio p�blico.
Agora, essa quest�o virou um problema. N�s somos assunto constantemente e n�o est�vamos acostumados. E isso nos pegou mal preparados e espero que possamos aprender, enquanto coletivo de cientistas, a lidar melhor com essa situa��o.

BBC News Brasil - Deve ter sido um desafio enorme explicar o que � uma taxa de efic�cia, o que � efetividade, como os estudos foram feitos...
Palacios - Vale a pena ressaltar o jornalismo especializado em sa�de. Voc�s fizeram um excelente trabalho. A gente v� um esfor�o dos meios de comunica��o em transmitir a informa��o.
Mas existem quest�es de como se geram expectativas que s�o muito dif�ceis de lidar. Aqui novamente vemos como as ci�ncias sociais s�o importantes, pois existe uma representa��o social do que � uma vacina.
E essa representa��o social indica que, quando se est� vacinado, voc� evita por completo que algo aconte�a. Mas, do ponto de vista cient�fico, a gente j� sabia que existiam as vacinas imperfeitas. S�o aquelas que n�o evitam por completo uma doen�a, mas, pelo menos, diminuem o risco de desenvolver as formas mais graves dela. E n�s temos exemplos disso, como o imunizante que protege contra o influenza, o causador da gripe.
Houve uma falha de comunica��o, que ainda n�o conseguiu ser superada. Precisamos ajustar a expectativa do p�blico sobre o que esperar das vacinas contra a covid-19. E isso n�o � especificamente um problema que aconteceu s� com a CoronaVac, mas com muitas outras.
Talvez os resultados de efic�cia muito elevados das vacinas de mRNA contribu�ram para gerar essa distor��o na expectativa, que neste momento est� sendo ajustada. Porque o objetivo de todos que est�vamos desenvolvendo as vacinas era criar uma solu��o contra as formas graves de covid-19. A prote��o contra as apresenta��es mais leves da doen�a era um b�nus, algo a mais que esses produtos poderiam fazer.
Tem sido um trabalho ajustar a expectativa da popula��o sobre o que esperar de uma vacina. E isso � algo que ainda est� em curso e temos que seguir construindo coletivamente.
BBC News Brasil - Falando em trabalho cont�nuo, o mundo j� tem mais de cinco vacinas contra a covid-19 � disposi��o, mas existem v�rias outras ainda na etapa de testes e desenvolvimento. Faz sentido continuar com esses estudos? Ou os produtos que temos agora j� s�o suficientes?
Palacios - Quando vemos a distribui��o de vacinas no mundo, � poss�vel notar que h� um d�ficit enorme. E acho que essa deveria ser uma das grandes preocupa��es nossas, como humanidade. Voc� v� como � ir�nico: nos pa�ses desenvolvidos, muitas pessoas recusam a vacina e h� doses sobrando, enquanto nos pa�ses em desenvolvimento os indiv�duos est�o ansiosos para receber as vacinas, que n�o chegam.
Essa equa��o precisa ser resolvida. E uma das formas de resolv�-la � incluir mais atores a esse mercado de vacinas. Assim, eles conseguem trazer diferentes alternativas e aumentar a acessibilidade para todas as popula��es.
Essas outras vacinas tamb�m nos permitiriam evitar eventos adversos e confrontar a possibilidade de variantes que surgiram nos �ltimos meses. Outro benef�cio em ter mais op��es � aquilo que temos visto sobre a altern�ncia das doses entre diferentes produtores. Essa estrat�gia de intercambialidade tem se mostrado interessante, mas � algo que ainda est� sendo estudado.
H� um segundo grupo de vacinas que est� em desenvolvimento. Elas j� trabalham para diminuir a transmiss�o do v�rus. E por que elas s�o diferentes? A infec��o por covid-19 come�a principalmente pelo nariz e pelo aparelho respirat�rio superior. Ent�o o tipo de imunidade que a gente precisa para controlar infec��es nessa regi�o est� mediada por um anticorpo chamado IgA. E as vacinas injet�veis n�o s�o muito boas para gerar esse tipo de imunidade. Alguns grupos de pesquisa est�o trabalhando com produtos focados em gerar uma resposta imune mais espec�fica, que pode ajudar a controlar a transmiss�o do v�rus.
Essas novas gera��es de vacinas t�m outros objetivos, distintos daqueles que foram inicialmente planejados para a primeira gera��o. Por isso � interessante que as pesquisas continuem.
Nem todas as candidatas v�o sobreviver no mercado e h� uma diferen�a na rapidez nos resultados, na aprova��o e nas vantagens e desvantagens. Existe uma evolu��o natural desse conhecimento e seguramente, no decorrer dos pr�ximos quatro ou cinco anos, o mercado vai se reduzir a algumas poucas vacinas que permitir�o garantir um fluxo cont�nuo de produ��o para o estado p�s-pand�mico.
BBC News Brasil - No final de julho e no come�o de agosto, veio a not�cia de que o senhor e alguns colegas tinham sa�do do Instituto Butantan. O que motivou essa decis�o?
Palacios - Prefiro n�o comentar a minha sa�da ou a dos meus colegas que deixaram o instituto nesse per�odo, se voc� me permite.
BBC News Brasil - Do ponto de vista cient�fico, o senhor acha que � poss�vel tirar aprendizados sobre esse per�odo de um ano e meio desde o in�cio da pandemia?
Palacios - Talvez uma das coisas mais importantes foi estreitar o compartilhamento de informa��o com nossos pares e fortalecer os v�nculos de confian�a. Esse aspecto foi definitivo para chegar aonde chegamos, como coletivo de cientistas. Sem essa troca, n�o conseguir�amos ter uma quantidade de vacinas dispon�veis num prazo t�o curto. Tivemos esse aprendizado e uma vis�o mais aberta sobre compartilhar, escutar os colegas e dividir ideias e informa��es.
A outra quest�o � aprender a se comunicar. E, nesse sentido, h� uma janela de oportunidade que temos enquanto cientistas, de apresentar a import�ncia da ci�ncia para a sociedade. N�s precisamos tirar isso de li��o e seguir em frente. Devemos continuar a mostrar esse conceito da ci�ncia como atividade humana.
E aqui quero ressaltar que a ci�ncia � uma atividade humana t�o v�lida quanto qualquer outra. N�o somos melhores ou piores que o campon�s, que produz nossos alimentos, ou o motorista, que nos leva e nos traz nos �nibus. A ci�ncia � uma atividade humana como qualquer outra, mas ela fica mais invis�vel para a sociedade. As pessoas estavam menos familiarizadas com o que era um cientista e com o que fazemos.
Essa foi uma oportunidade de ouro de trabalhar nesse sentido. E n�s podemos dizer que h�, sim, ci�ncia sendo feita na Am�rica Latina e no Brasil e como isso � importante e decisivo. Dar esse valor social � ci�ncia ajuda, inclusive, na escolha or�ament�ria e nas pol�ticas p�blicas.
BBC News Brasil - D o ponto de vista da sociedade , q uais s�o os desafios que teremos pela frente?
Palacios - Estamos com um problema muito grande em comunicar a quest�o do risco. Precisamos come�ar a trabalhar e empoderar as pessoas sobre o manejo de risco.
Eu venho de uma gera��o que trabalhou muito com HIV [o v�rus causador da aids]. No in�cio, n�s t�nhamos um mantra que era: use camisinha, use camisinha e use camisinha. E estamos quase repetindo isso agora: use m�scara, use m�scara e use m�scara.
No caso do HIV, n�s desconhec�amos a realidade social e o fato de que as pessoas eventualmente n�o iam utilizar camisinha. Isso aconteceria em algum momento. A gente nunca ensinou como tomar essa decis�o de n�o usar camisinha. E estamos fazendo a mesma coisa agora.
N�o estamos ensinando �s pessoas qual o momento em que n�o precisa usar m�scara ou quando utilizar. Temos que mostrar os recursos e as informa��es que todos deveriam ter em mente para tomar uma decis�o de n�o usar m�scara num determinado ambiente.
Com isso, as pessoas tomam decis�es de forma totalmente desinformada, porque a gente n�o est� ensinando adequadamente.
E existem muitos recursos tecnol�gicos para isso. Mesmo no HIV, para o qual n�o temos vacina at� hoje, n�s possu�mos a profilaxia pr�-exposi��o, a Prep, e v�rias outras alternativas que permitiram �s pessoas equacionar o risco para cada situa��o. E n�s ensinamos como fazer isso.
Dever�amos fazer o mesmo com a covid-19. A vacina nos deu uma grande plataforma para diminuir o risco de forma geral. Particularmente na Am�rica Latina, a vacina��o tem uma boa aceita��o, e isso vai dar uma vantagem importante em compara��o a outros pa�ses onde existe uma hesita��o, como nos Estados Unidos e na Europa.
Mesmo assim, precisamos come�ar a explicar para as pessoas sobre o manejo de risco. Um exemplo: voc� quer passar o Natal com familiares e amigos. Como planejar esse evento para que ele n�o acabe disseminando a covid-19 para pessoas vulner�veis, que v�o acabar internadas? A gente tem que come�ar a ensinar isso e acho que essa � uma outra falha que precisa ser corrigida Ainda h� tempo.

Em que circunst�ncias � necess�rio usar m�scaras? Em quais situa��es � desej�vel vesti-las e quais s�o aqueles momentos em que o risco � t�o baixo que realmente n�o ser� preciso utiliz�-las? Podemos aprender com o HIV para fazer algo parecido com a covid-19.
E precisamos tamb�m explicar o risco que estamos dispostos a tomar. Essa � uma discuss�o que vamos ter que fazer enquanto sociedade. Esses debates j� ocorrem em outras latitudes. A Austr�lia e a Nova Zel�ndia, por exemplo, est�o abrindo m�o da pol�tica de infec��o zero. Na Fran�a e nos Estados Unidos, foram criadas pol�ticas para impulsionar a vacina��o. J� na Inglaterra, o passaporte de imunidade parece estar caindo por terra.
Essa discuss�o precisa acontecer. A sociedade precisa saber que pode ter covid-19 mesmo depois de vacinada. E esse pode n�o ser um problema para uma pessoa jovem. Mas como proteger aqueles indiv�duos mais vulner�veis? Como fazer a gest�o do pr�prio risco? Isso ser� fundamental nesta etapa que est� se aproximando.
N�o vemos esse debate evoluir no Brasil e na Am�rica Latina de forma mais aberta e clara. H� um custo muito grande do distanciamento social, particularmente para as crian�as e os adolescentes. N�s somos seres sociais, precisamos do conv�vio. Vamos ter que aprender a fazer isso de uma forma mais segura. E talvez esse seja o pr�ximo desafio, a pr�xima fronteira a ser vencida.
BBC News Brasil - E o senhor v� alguma luz no fim do t�nel? H� alguma perspectiva para o fim da pandemia de covid-19?
Palacios - Temos que entender o que significa efetivamente o fim da pandemia. Esse � um problema de conceito. Se voc� espera que a covid-19 seja erradicada, a resposta � n�o. � muito prov�vel que n�s vamos morrer sem ver o fim dela. S�o pouqu�ssimas as doen�as infecciosas que foram completamente eliminadas. Quando falamos de quadros infecciosos respirat�rios, isso � ainda mais dif�cil. Nessa perspectiva, portanto, a resposta � n�o.
Agora, a emerg�ncia pela situa��o pand�mica deve acabar quando avan�armos com a vacina��o e conseguirmos estabelecer as medidas para retomar o conv�vio social. Isso � algo que, sim, esperamos. Em parte, esse cen�rio depende da oferta de vacinas e da aceita��o da popula��o. Isso vai determinar a rapidez para controlar a pandemia.
O Brasil, por exemplo, que tem avan�ado bastante no programa de imuniza��o, precisaria entender que � um dever do pa�s ajudar os vizinhos, como Peru, Bol�via, e Venezuela, que est�o com mais problemas de acesso �s doses.
S� quando todos os pa�ses e todas as pessoas sa�rem da pandemia � que podemos dizer que controlamos o coronav�rus.
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