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Estado de Minas

Covid e aids: 6 semelhan�as entre como a humanidade lidou com as duas pandemias

O aparecimento dessas doen�as mudou o comportamento da sociedade, fez surgir novos estigmas e forneceu ferramentas valiosas para lidar com os demais problemas de sa�de.


03/10/2021 20:07 - atualizado 09/10/2021 17:39

Embalagem de camisinha com uma máscara dentro
Especialistas avaliam que estrat�gias preventivas que dependem unicamente do comportamento das pessoas, como camisinhas e m�scaras, precisam ser acompanhadas de outras recomenda��es (foto: Getty Images)

Aids e covid-19 t�m formas de transmiss�o, sintomas e tratamentos completamente diferentes. Mesmo assim, as doen�as que marcaram o fim do s�culo 20 e o in�cio do 21, respectivamente, trazem semelhan�as importantes, especialmente na forma como a sociedade e a ci�ncia reagiram a elas.

E esses processos tiveram os mais variados desdobramentos. Por um lado, as duas pandemias demandaram a cria��o de solu��es r�pidas, que resultaram em testes, rem�dios e vacinas modernos e disruptivos, que beneficiaram n�o apenas as duas condi��es, mas a medicina como um todo. Por outro, o surgimento de problemas novos refor�ou (e at� criou) preconceitos, estigmas e desigualdades que resistem at� hoje.

Os dois momentos hist�ricos tamb�m trazem aprendizados importantes sobre a preven��o, quais estrat�gias funcionam mais ou menos e o papel da comunica��o neste contexto.

Essa � a an�lise feita por especialistas em sa�de ouvidos pela BBC News Brasil. Eles avaliam que as duas crises sanit�rias apresentam muitos paralelos e entend�-los pode nos ajudar a lidar com as futuras pandemias que vir�o pela frente.

1. Estresse, medo e incertezas

Nos �ltimos dias de dezembro de 2019, ve�culos e ag�ncias de not�cias publicaram as primeiras informa��es sobre os casos de uma "pneumonia misteriosa" que come�ou a acometer algumas pessoas em Wuhan, na China.

No in�cio de janeiro, veio a confirma��o de que o quadro estava relacionado a um novo tipo de coronav�rus, que seria nomeado posteriormente de Sars-CoV-2.

Um processo parecido aconteceu com o HIV, o v�rus da imunodefici�ncia humana. Apesar de existirem evid�ncias de que ele j� circulava desde a d�cada de 1930, o problema come�ou a chamar a aten��o entre o final dos anos 1970 e o in�cio dos 1980.

Nessa �poca, os especialistas perceberam o aumento na frequ�ncia de sintomas do que viria a ser conhecida como a S�ndrome da Imunodefici�ncia Adquirida, ou aids. No per�odo, o quadro foi observado com mais intensidade em homens que fazem sexo com homens de algumas regi�es dos Estados Unidos.

Para o m�dico Ricardo Sobhie Diaz, professor de infectologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), as duas situa��es s�o marcadas pelo aumento do estresse generalizado diante das incertezas.

"Quando come�amos a ouvir sobre HIV e aids, havia muito medo, pois n�o se sabia o que poderia acontecer com as pessoas e qual seria o tamanho da cat�strofe que ir�amos enfrentar", lembra.

"E n�s vemos a mesma coisa agora com a covid-19. Todos nos sentimos um tanto incapazes de entender realmente o que acontece, especialmente nos primeiros meses da pandemia", completa.

Protesto nos EUA em 1983
Em 1983, homens erguem um cartaz com os dizeres: 'Aids: n�s precisamos de pesquisa, n�o de histeria' (foto: Getty Images)

2. Estigmas e preconceitos

Uma das consequ�ncias desse medo generalizado diante do desconhecido � o surgimento de teorias da conspira��o e movimentos que tentam encontrar algo (ou algu�m) para jogar a culpa.

"No in�cio, a aids era descrita pejorativamente como a doen�a dos cinco H's, pois acreditava-se que ela s� afetaria homossexuais, prostitutas ( hookers , em ingl�s), haitianos, hemof�licos e usu�rios de hero�na", diz a infectologista Karen Morejon, do Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina de Ribeir�o Preto da Universidade de S�o Paulo (USP), no interior paulista.

E esses estigmas e preconceitos eram refor�ados pela pr�pria imprensa. Na edi��o de 12 de junho de 1983 do jornal Not�cias Populares , por exemplo, � poss�vel ler uma manchete preconceituosa sobre a aids. Em letras garrafais, a capa anunciava: "A peste gay j� apavora S�o Paulo".

Com a covid-19, houve um cuidado extra das autoridades, especialmente da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), para que Wuhan, ou a China como um todo, n�o ficassem estigmatizados, ou virassem refer�ncia como o nome da doen�a ou do v�rus.

E h� exemplos claros de como evitar essa vincula��o geogr�fica de uma nova enfermidade � importante. Talvez o maior deles seja a gripe espanhola, que matou milh�es de pessoas entre 1918 e 1920.

Apesar da alcunha, a doen�a provavelmente surgiu em acampamentos militares dos Estados Unidos. Mas, como ocorria a Primeira Guerra Mundial e a maioria dos pa�ses envolvidos controlava a imprensa, quem noticiou sobre a chegada de uma infec��o desconhecida foram os ve�culos jornal�sticos da Espanha, que mantinha uma posi��o de neutralidade naquele momento.

Passado mais de um s�culo, o termo "gripe espanhola" continua a ser usado, apesar da imprecis�o hist�rica.

Mesmo com as precau��es em rela��o � pandemia atual, ainda existem muitas teorias da conspira��o infundadas que acusam a China de ter criado o coronav�rus e � comum ler o termo "peste chinesa" em muitos desses conte�dos falsos.

3. Riscos e vulnerabilidades

Um erro que ocorreu nas duas pandemias, de acordo com os especialistas, foi o foco excessivo nos chamados "grupos de risco"

Como mencionado anteriormente, existia uma ideia enviesada nos anos 1980 de que s� homossexuais, usu�rios de drogas injet�veis ou pacientes que precisam de transfus�o sangu�nea se infectavam com o HIV.

J� na covid-19, circulou muito a ideia errada de que a doen�a s� matava idosos e indiv�duos com comorbidades, como os portadores doen�as cardiovasculares ou pulmonares.

"E, em ambos os casos existe uma diferen�a enorme entre grupos de risco e indiv�duos com maior vulnerabilidade", diferencia Diaz.

Ou seja: estatisticamente e na compara��o com as outras faixas et�rias, pessoas acima de 60 anos s�o mais suscet�veis � infec��o pelo coronav�rus e desenvolvem com maior frequ�ncia as formas graves da enfermidade, que exigem interna��o e intuba��o. Mas isso n�o significa que os mais jovens est�o absolutamente livres da covid-19 ou de suas repercuss�es no organismo.

Duas idosas de máscara caminham pela rua
Idosos foram apontado como 'grupo de risco' da covid-19, quando o correto seria dizer que eles s�o mais vulner�veis � doen�a (foto: Getty Images)

O mesmo se repete quando pensamos nos primeiros anos da aids: a no��o distorcida de que homossexuais seriam os �nicos afetados fez com que indiv�duos com outras orienta��es sexuais relaxassem e pensassem que n�o corriam perigo, quando se sabe que a realidade � muito mais complexa.

"O foco nos grupos de risco fez com que houvesse uma sensa��o de tranquilidade daqueles que n�o apresentavam aquelas caracter�sticas, pois eles achavam que n�o adoeceriam", acrescenta Morejon, que tamb�m integra a Sociedade Paulista de Infectologia.

4. Desigualdade escancarada

A bi�loga americana Claudia Velasquez, diretora do Programa Conjunto das Na��es Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no Brasil, chama a aten��o para outro ponto em comum entre as duas pandemias.

"As desigualdades t�m um papel extremamente relevante [nos dois momentos hist�ricos] e, por isso mesmo, � preciso atuar de forma conjunta e simult�nea", analisa.

"A resposta ao HIV evidencia a lacuna entre ricos e pobres. Onde um bom progresso foi feito, as pessoas que vivem com HIV t�m uma vida longa e saud�vel. J� onde as desigualdades s�o grandes, foi alcan�ado um progresso limitado", compara.

Na covid-19, a diferen�a de acesso a insumos, testes, rem�dios e vacinas tamb�m � enorme de acordo com cada pa�s.

Essa disparidade fica escancarada no n�mero de imunizantes contra o coronav�rus aplicados at� o final de setembro: de acordo com informa��es disponibilizadas pela Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) , 61,4% dos cidad�os de pa�ses ricos haviam recebido ao menos a primeira dose. Nos lugares mais pobres do planeta, apenas 3,5% das pessoas foram contempladas nas campanhas de vacina��o.

Os mesmos n�meros podem ser lidos de outra maneira: enquanto 1 em cada 2 indiv�duos das na��es ricas est�o mais protegidos contra a covid-19, somente 1 em cada 28 que moram nos locais mais pobres tiveram essa mesma oportunidade.

5. Avan�os nos m�todos de preven��o

Esse talvez seja o ponto onde as semelhan�as mais impressionam. Tanto a aids quanto a covid-19 seguiram uma sequ�ncia similar de orienta��es preventivas.

Nos primeiros meses, quando as informa��es sobre as doen�as eram escassas, restava apelar �s medidas proibitivas: para evitar o HIV, n�o fa�a sexo; para fugir do coronav�rus, n�o saia de casa.

Com o passar do tempo, surgiram m�todos um pouco mais rebuscados, que servem de barreira contra a entrada dos v�rus. Falamos aqui das camisinhas e das m�scaras.

Na sequ�ncia, v�m as interven��es biom�dicas. No HIV, foram aprovados rem�dios para a PrEP (profilaxia pr�-exposi��o) e para a PEP (profilaxia p�s-exposi��o). Quando bem indicadas, essas estrat�gias ajudam a evitar a infec��o pelo v�rus.

J� na covid-19, as vacinas testadas e aprovadas em tempo recorde permitiram controlar o n�mero de casos mais graves, interna��es e mortes.

Durante os dois processos de evolu��o, os especialistas aprenderam que n�o costuma dar muito certo depender unicamente dos m�todos baseados no comportamento das pessoas, como a abstin�ncia sexual, o isolamento social, a camisinha ou a m�scara.

Camisinhas
Esperar que todo mundo use camisinha em todas as rela��es sexuais � quase uma utopia, entendem especialistas (foto: Getty Images)

Pela experi�ncia com as pandemias recentes, � justamente a combina��o e a adapta��o de diferentes estrat�gias que permite obter um bom resultado.

"� f�cil dizer para as pessoas usarem camisinha ou m�scara, como se todo mundo fosse respeitar essa recomenda��o 100% das vezes", comenta o infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador do Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo.

"Conforme aparecem as interven��es biom�dicas, como os rem�dios ou as vacinas, � que come�amos a ver uma queda da incid�ncia tanto das infec��es por HIV ou pelo coronav�rus", observa.

O cientista social Alexandre Grangeiro, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, concorda: "Recomenda��es muito normativas, que dizem aquilo que as pessoas precisam fazer e n�o consideram a autonomia de cada um, n�o funcionam", entende.

"Ou a gente adequa os m�todos de preven��o ao cotidiano ou eles v�o falhar", completa o especialista, que foi diretor do Programa Nacional de DST/Aids do Minist�rio da Sa�de entre 2003 e 2004.

J� Diaz destaca o papel da comunica��o nesse contexto e usa as orienta��es sobre o uso da camisinha como exemplo.

"N�s erramos feio ao dizer que fazer sexo com camisinha � igual em termos de prazer. Isso � mentira. A mensagem correta � que existe, sim, um preju�zo na sensibilidade, mas um ganho no aspecto preventivo", analisa.

"Nossa comunica��o foi sempre no sentido de que, ao se prevenir, voc� estar� fazendo um bem para todo mundo, para a coletividade. E me parece que essa mensagem de fazer as coisas pelos outros nunca funcionou direito", acrescenta.

6. Conquistas contra outras doen�as

Vale observar aqui que o trabalho dos cientistas para trazer solu��es �s pandemias de aids e covid-19 tamb�m permitiu pensar em sa�das para outros problemas de sa�de.

"O esfor�o cient�fico para entender a aids na d�cada de 1980 propiciou o desenvolvimento de rem�dios que impedem a replica��o de v�rus. Muitos deles comp�em o coquetel antirretroviral", exemplifica Diaz.

"E esses tratamentos beneficiaram n�o apenas os portadores de HIV, mas tamb�m serviram de base para a cria��o de terapias contra a hepatite C, o v�rus sincicial respirat�rio e talvez at� o coronav�rus", conta o infectologista.

J� no contexto atual, algumas das vacinas contra a covid-19 usam tecnologias absolutamente novas. � o caso dos produtos que se baseiam no vetor viral n�o replicante, como aqueles desenvolvidos por AstraZeneca/Universidade de Oxford e Janssen, ou os imunizantes de mRNA, criados por Pfizer/BioNTech e Moderna.

Doses de AstraZeneca e Pfizer
As tecnologias de algumas vacinas contra a covid-19 podem ser adaptadas para outras doen�as (foto: Getty Images)

Essas mesmas plataformas j� s�o testadas para obter imunizantes contra outras doen�as infecciosas e podem at� servir como solu��o para diversos problemas de sa�de, como o c�ncer.

"A pandemia de covid-19 mostrou que a ci�ncia pode avan�ar rapidamente, quando existe a vontade pol�tica e o envolvimento de todas as pessoas", resume Velasquez, da Unaids Brasil.

Morejon pondera que os avan�os e as conquistas contra as infec��es n�o foram frutos de uma iniciativa isolada de um especialista ou um grupo de pesquisadores, mas de um apoio constante � ci�ncia.

"S� tivemos uma vacina contra a covid-19 em menos de um ano porque j� existia toda uma pesquisa anterior, que buscava solu��es para outros tipos coronav�rus que surgiram em 2003 e 2011", aponta a m�dica.

"E, mesmo na aids, que come�ou a chamar a aten��o nos anos 1980, t�nhamos investiga��es e amostras de pacientes guardadas em laborat�rios desde os anos 1970", lembra.

"Quando h� investimento, a ci�ncia prepara o terreno e nos permite lidar com as crises de forma muito mais f�cil", completa.


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