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Estado de Minas

Como a alfabetiza��o sofreu na pandemia: 'crian�a que j� deveria saber ler ainda n�o domina o abc'

Faixa et�ria de 5 a 10 anos, que coincide com a do ensino fundamental 1, foi particularmente afetada pela exclus�o e pela evas�o escolar no per�odo de ensino remoto, apontam pesquisas; veja o que educadores t�m feito para combater o problema.


20/10/2021 14:44

Criança escrevendo em foto de arquivo de escola da zona Sul de SP
Das mais de 5 milh�es de crian�as sem acesso � educa��o na pandemia no Brasil, cerca de 40% tinham entre 6 e 10 anos ; acima, crian�a escrevendo em foto de arquivo de escola da zona Sul de SP (foto: MILTON MICHIDA/A2/GOV DE SP)

Na turma da professora Ana Carolina Guimar�es h�, hoje, desde crian�as que j� conseguem ler textos com facilidade at� os alunos que, aos 8 ou 9 anos de idade, ainda sequer criaram familiaridade com todas as letras do alfabeto.

O cen�rio da volta �s aulas preocupou a professora do 3� ano do ensino fundamental 1 na Escola Estadual S�o Bento, em Belo Horizonte (MG) - que por enquanto est� funcionando em modelo h�brido, em que as crian�as alternam entre uma semana na escola e uma semana no ensino remoto.

A preocupa��o da professora se deve ao fato de que, em condi��es normais, no 3� ano, as crian�as j� costumam estar na fase final do aprendizado b�sico de leitura e escrita.

"Todos os alunos teriam que estar lendo, e n�o � a realidade. Percebemos que h� uma car�ncia nesse retorno �s aulas e que a alfabetiza��o foi muito afetada pela pandemia", diz Guimar�es � BBC News Brasil.

Crian�as vulner�veis de 5 a 10 anos de idade - e, portanto, as que cursam o final da educa��o infantil e todo o ensino fundamental 1 - foram um grupo particularmente sens�vel �s dificuldades dos mais de 18 meses de ensino � dist�ncia na pandemia. � porque elas est�o em uma fase crucial de seu desenvolvimento escolar: a da alfabetiza��o e da consolida��o da leitura, da escrita e dos fundamentos matem�ticos.

E tamb�m porque, nessa idade, elas t�m pouca autonomia no ensino remoto, e portanto o contato pr�ximo aos professores fez muita falta.

Em abril, uma pesquisa divulgada pela Unicef (bra�o da ONU para a inf�ncia) e a organiza��o Cenpec Educa��o apontou que a faixa et�ria correspondente ao ensino fundamental 1 foi a mais afetada pela exclus�o escolar durante a pandemia.

Segundo a pesquisa, das mais de 5 milh�es de crian�as e adolescentes que estavam sem acesso � educa��o no Brasil em novembro de 2020, cerca de 40% tinham entre 6 e 10 anos de idade.

"Isso engloba desde crian�as que n�o estavam matriculadas nas escolas ou que, no �ltimo m�s (antes da pesquisa), n�o tinham tido nenhum tipo de contato com sua escola, nem por WhatsApp ou por acesso �s aulas online. E o v�nculo com a escola � important�ssimo", explica Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec.

Um ponto crucial � que, at� a ruptura causada pela pandemia, essa era uma faixa et�ria em que o ensino estava praticamente universalizado no Brasil, ou seja, quase todas as crian�as dessa idade estavam frequentando a escola.

Al�m disso, o ensino fundamental 1 p�blico vinha melhorando constantemente seus indicadores de ensino - e embora estivesse aqu�m do ideal, repetidamente superava as metas oficiais de desempenho na grande maioria dos Estados brasileiros. Segundo os dados mais recentes, de 2019, o Brasil tinha em m�dia 57% dos alunos do 5� ano do fundamental 1 com conhecimentos adequados em l�ngua portuguesa, aumento de 7 pontos percentuais em rela��o a 2015.

Crianças escrevendo, em foto de arquivo
Faixa et�ria de 5 a 10 anos, que coincide com a do ensino fundamental 1, foi particularmente afetada pela exclus�o e pela evas�o escolar no per�odo de ensino remoto (foto: BBC)

Agora, a pandemia reverteu, pelo menos temporariamente, essa universaliza��o e corre o risco de trazer retrocessos em conquistas obtidas ao longo de d�cadas, aponta o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social e especialista em mensura��o de desigualdades.

Neri identificou que a taxa de evas�o escolar (ou seja, de crian�as fora da escola) nas idades de 5 a 9 anos era de apenas 1,39% em 2019, mas subiu para 5,5% no final de 2020 - o maior aumento percentual entre todas as faixas et�rias.

"Era a faixa et�ria onde a gente havia tido grandes avan�os n�o apenas na universaliza��o, a partir dos anos 1990, mas tamb�m na aprendizagem", diz Neri � BBC News Brasil.

O economista explica que, para al�m do fato de muitas crian�as dessa idade estarem na delicada fase de alfabetiza��o, elas tamb�m s�o desproporcionalmente mais afetadas pela desconectividade e pela pobreza no Brasil.

"A crian�a de 5 a 9 anos tem menos intimidade com a internet que um adolescente e ela �, em geral, mais pobre - o �pice da pobreza no Brasil � nessa faixa et�ria", particularmente em fam�lias mais numerosas e sem renda suficiente ou ainda sem aposentadoria, pontua.

N�o � toa a evas�o observada por Neri foi mais aguda nas regi�es mais remotas e carentes do pa�s (principalmente na regi�o Norte), e entre a popula��o negra, tamb�m desproporcionalmente afetada pela desigualdade social e de renda.

Desafio urgente

Agora, uma preocupa��o de especialistas e educadores � que as lacunas na alfabetiza��o durante a pandemia, caso n�o sejam enfrentadas, virem uma bola de neve que prejudique o desempenho das crian�as nas etapas seguintes de ensino.

"A urg�ncia � que essa fase do aprendizado � fundamental: as compet�ncias de leitura e escrita que a crian�a desenvolve ali s�o cruciais para seguir com a aprendizagem", diz Anna Helena Altenfelder.

"E para aprender a ler e escrever elas precisam de experi�ncias pedag�gicas intencionais e de intera��es (com adultos e entre si) que n�o aconteceram na quantidade necess�ria durante a pandemia."

Mas isso n�o significa que essas crian�as estejam "fadadas a arrastar esse fracasso" ao longo de sua vida, prossegue a educadora, sobretudo porque elas ainda t�m bastante tempo de anos escolares pela frente.

Professora com alunos
Compet�ncias de leitura e escrita aprendidas nas primeiras s�ries s�o essenciais para dar sequ�ncia � aprendizagem (foto: Getty Images)

"Um trabalho consistente certamente � capaz de resgatar essas compet�ncias de leitura e escrita. (...) � algo poss�vel e que sabemos fazer no Brasil - temos experi�ncia com classes de acelera��o de aprendizagem e corre��o de fluxo escolar (ou seja, de adequar a idade da crian�a � s�rie que ela deve cursar). Mas as escolas n�o far�o isso sozinhas, os professores v�o precisar de apoio."

Falar com cada fam�lia

Na turma da professora Ana Carolina Guimar�es, em Belo Horizonte, citada no in�cio desta reportagem, a combina��o de pobreza e desconex�o marcou a trajet�ria escolar de muitos alunos durante os meses de escola fechada.

"Trabalhamos com crian�as carentes. Algumas n�o tinham nem condi��es de ir buscar na escola a cesta b�sica que foi oferecida. Imagina ent�o ter internet para fazer aula online", explica.

Agora, ela est� avaliando as crian�as uma a uma, e "conversando de fam�lia em fam�lia, para identificar quais s�o as maiores dificuldades. Quando os pais n�o s�o alfabetizados, por exemplo, a gente tem que ficar muito mais pr�ximo aos alunos".

Uma vez por m�s, Guimar�es tem ligado para cada aluno para ouvi-lo ler um texto para ela e, assim, medir sua capacidade de leitura. "E cada vez que eles evoluem, me mandam um �udio (de WhatsApp), comemorando", conta.

Os alunos tamb�m s�o convidados a fazer um podcast explicando as atividades para os colegas que tenham mais dificuldades, prossegue a professora.

Guimar�es e suas colegas professoras da Escola Estadual S�o Bento transformaram esse desafio pedag�gico em um projeto de trabalho no curso de p�s-gradua��o de Aprendizagem Criativa, que cursam na PUC Minas em parceira com o Instituto iungo e o governo mineiro.

O objetivo � que o projeto, focado na recupera��o da alfabetiza��o das crian�as, possa ajudar n�o apenas as turmas individuais de cada professora envolvida, mas toda a escola.

"Isso porque a demanda n�o � s� minha: se aluno n�o se alfabetizar at� o terceiro ano, isso vai virar um problema para o professor do quarto ano", aponta.

Agora que os alunos come�am a voltar a frequentar a escola com mais regularidade, desafios como o enfrentado por Guimar�es est�o frequentes na p�s de Aprendizagem Criativa, explica Paulo Emilio Andrade, diretor do Instituto iungo.

"Mas os professores est�o vendo que, em vez de empurrar o problema para a frente, conseguem construir solu��es para seus alunos avan�arem", diz Andrade. No curso, a ideia �, a partir dos problemas identificados em sala de aula, seja poss�vel elaborar atividades e estrat�gias que ajudem a engajar as fam�lias e as crian�as na recupera��o da aprendizagem.

Para Anna Helena Altenfelder, do Cenpec, de fato ser� necess�rio agir de modo amplo para evitar que as defasagens de alfabetiza��o escalonem em diversas partes do Brasil.

"As redes e secretarias de ensino v�o ter que se organizar de forma diferente. E seria necess�rio haver a coordena��o t�cnica e financeira do Minist�rio da Educa��o em projetos de apoio aos munic�pios (que concentram a maior parte das escolas de fundamental 1 no pa�s)", diz ela - criticando o que v� como ina��o federal nas a��es de enfrentamento � pandemia e a �nfase da pasta em projetos pol�micos e de baixo alcance, como o de ensino domiciliar e o de escolas c�vico-militares.

Menino estudando pelo computador
Diferen�as sociais em conectividade, tempo de estudo e acesso a atividades foram marcantes durante a pandemia no Brasil (foto: Getty Images)

O minist�rio, por sua vez, diz � reportagem que fez destina��o emergencial de recursos por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); criou uma plataforma para apoiar professores e trabalhadores da educa��o no planejamento e execu��o de atividades e planos de aula para alunos que est�o aprendendo a ler e escrever; e tem oferecido, para fam�lias, um aplicativo gratuito e o programa de conta��o de hist�rias Conta pra Mim de forma a apoiar o letramento dentro de casa.

E afirmou � reportagem que seus cursos online rec�m-lan�ados sobre pr�ticas de alfabetiza��o est�o entre os mais frequentados (e bem avaliados) pelos professores.

"Ciente da gravidades dos impactos desse evento (pandemia) sobre a educa��o, a Secretaria de Alfabetiza��o do MEC estive ativa em elaborar a��es e projetos para dirimir (o problema), n�o apenas voltados �s crian�as, mas tamb�m aos profissionais da educa��o", diz a pasta, por e-mail.

Acolhimento

Segundo Altenfelder, agora ser� necess�rio buscar ativamente os estudantes desvinculados da escola neste per�odo pand�mico, olhar individualmente para a realidade de cada escola e criar uma esp�cie de "acolhimento em cascata", que responda �s dificuldades emocionais e de aprendizado vividas na pandemia - com a ajuda dos setores de assist�ncia social e sa�de.

"Os alunos v�o precisar de acolhimento por parte dos professores, que precisar�o ser acolhidos por seus diretores de escola, e estes, pelos seus secret�rios e assim por diante", diz.

Esse olhar individualizado, seguido de interven��es concretas, diz ela, pode ajudar a amenizar os enormes abismos que ficaram latentes durante a pandemia.

Um exemplo desse abismo, explica o economista Marcelo Neri, � exposto na quantidade de horas-aula que crian�as de diferentes extratos sociais tiveram. Ele calcula que, em m�dia, alunos de 6 a 15 anos das classes A e B tiveram, na pr�tica, mais de 50% de tempo a mais de aulas online em compara��o com os alunos da classe E durante a pandemia.

Esses alunos pobres tamb�m tiveram menos acesso a atividades escolares e, quando as receberam, dedicaram menos tempo a elas.

Particularmente na faixa et�ria das crian�as em fase de alfabetiza��o, o risco � o Brasil "regredir duas d�cadas no acesso e meninos e meninas � educa��o", na vis�o do Unicef.

"Crian�as de 6 a 10 anos sem acesso � educa��o eram exce��o no Brasil, antes da pandemia. Essa mudan�a observada em 2020 pode ter impactos em toda uma gera��o", afirmou, em abril, Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil.

"� essencial agir agora para reverter a exclus�o, indo atr�s de cada crian�a e cada adolescente que est� com seu direito � educa��o negado, e tomando todas as medidas para que possam estar na escola, aprendendo."


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