Metade dos alunos matriculados em escolas p�blicas do pa�s continuam sem ter um computador com conex�o � internet para poder estudar, passado cerca de um ano e meio desde o in�cio da pandemia.
O dado foi revelado por uma pesquisa do instituto Datafolha, encomendada por Funda��o Lemann, Ita� Social e Banco Interamericano de Desenvolvimento, � qual a BBC News Brasil teve acesso. O estudo investiga como as fam�lias avaliam a educa��o n�o presencial durante a pandemia.
O acesso aos computadores com acesso � internet vem aumentando aos poucos desde o in�cio da pandemia: na primeira das sete pesquisas conduzidas pela Funda��o Lemann e Ita� Social, realizada em maio de 2020, eram 42% dos alunos, �ndice que chegou a 49% no levantamento mais recente, com base em entrevistas feitas entre agosto e setembro.
Mas 51% das fam�lias entrevistadas disseram que ainda enfrentam esse problema.
Mesmo com a ligeira melhora, esse patamar ainda � considerado insuficiente e um problema "urgente", diante do aumento na desigualdade educacional do pa�s e do fato de que as escolas continuam aumentando sua depend�ncia dos recursos digitais, mesmo com a volta gradual �s aulas presenciais.
O celular foi o equipamento mais utilizado (85%) pelos alunos das fam�lias entrevistadas para acessar aulas e atividades, o que � considerado um limitante ao aprendizado at� porque mais de um ter�o desses alunos tinham de dividir o aparelho com outros membros da fam�lia.
A pesquisa reflete a realidade observada pelo professor Marcelo Martins, que d� aula nas redes p�blica e privada e coordena um cursinho preparat�rio na comunidade carente de Vila Cruzeiro, na zona Norte do Rio de Janeiro.
"Nunca teve conectividade aqui", diz ele � BBC News Brasil. "� prec�rio, desanimador."
Dos atuais 33 alunos do cursinho Estudando Para Vencer, a grande maioria (cerca de 20, nas contas de Martins) contou apenas com o celular para acompanhar as aulas desde o in�cio da pandemia, mas tampouco tinham o aparelho s� para si.
"Temos alunos que dividiam um celular com dois irm�os", diz.
"Uns outros dez alunos tinham computadores, mas obsoletos, sem mem�ria suficiente ou inadequados para eles assistirem � aula online. Tr�s dos nossos alunos n�o tinham acesso nenhum (a aparelhos), nada. E todos tiveram problemas de conex�o com a internet."

Isso n�o mudou desde ent�o a falta de conectividade continua.
"Um acesso � internet com computador decente minimizaria o impacto" da ruptura nas aulas, que ainda est�o voltando ao presencial na cidade, prossegue Martins.
"Os alunos j� n�o tinham um ambiente favor�vel dentro de casa para estudar, com pouco espa�o, mas pelo menos teriam conseguido acessar as aulas. Mas isso n�o aconteceu."
Em S�o Paulo, apesar de os estudantes da rede estadual terem recebido chips de internet para estudar, "para a maioria dos jovens por aqui, o chip n�o funcionava em partes da casa deles, porque n�o dava �rea (de cobertura pelas antenas das operadoras)", conta V�nia Rocha, que mora na comunidade do Jardim S�o Lu�s, no extremo Sul da capital paulista.
Seus filhos, agora com 15 e 8 anos, passaram a maior parte do tempo de pandemia com acesso prec�rio �s aulas, usando apenas o celular dela. "Parcelei (o pagamento) de um tablet usado para dar � minha filha, e o meu filho ganhou um celular antigo do pai. Mas isso foi em mar�o deste ano. Antes disso, quase n�o teve como estudar. E eu diria que essa � a situa��o de 100% dos jovens daqui."
'Mundo digital � direito de todos'
Depois de tanto tempo de pandemia, a dificuldade de acesso de alunos e das pr�prias escolas � tecnologia � grave, diz � BBC News Brasil Angela Dannemann, superintendente do Ita� Social.
"A tecnologia chegou para ficar na educa��o. Esse debate estava atrasado, mas isso foi atropelado na pandemia", opina ela, ressaltando que o ensino h�brido ou seja, parcialmente na escola e parcialmente em casa ser� uma das principais estrat�gias para recuperar os atrasos de aprendizagem que ficaram do per�odo de escolas fechadas.
"E tamb�m temos escolas que n�o t�m equipamentos dispon�veis, nem internet com boa velocidade", completa.
H� evid�ncias de que alunos conseguem passar mais tempo de aula diante de computadores do que diante de celulares, segundo um guia de pr�ticas escolares elaborado durante a pandemia pela Ofsted, a ag�ncia governamental brit�nica que supervisiona as escolas do Reino Unido.

"N�o podemos aceitar que um quarto das escolas n�o tenham acesso � internet e que a maioria dos alunos n�o tenha computador para estudar. (...) Quando olhamos as classes mais baixas, os n�meros s�o ainda piores. O Brasil precisa investir urgentemente em conectar suas escolas e equipar seus alunos para que estar no mundo digital seja um direito de todos", afirmou, em comunicado, Cristieni Castilhos, gerente de conectividade da Funda��o Lemann.
Abismo entre p�blico e particular
Como professor tanto de escolas p�blicas quanto de uma particular, Marcelo Martins tamb�m observou as desigualdades digitais agravarem o abismo educacional durante o per�odo de ensino remoto.
"Na escola particular, eu tinha 90% dos alunos entrando nas minhas aulas online. Na rede municipal, passava �s vezes a aula inteira sem nenhum aluno sequer conseguir entrar. Alguns passavam a semana inteira sem entrar na plataforma de aula, porque a m�e levava para o trabalho o celular da fam�lia", conta.
Para tentar recuperar o conte�do, o cursinho comunit�rio que ele coordena agora tem uma turma mista, com alunos de mais de uma s�rie escolar.
"Mas, neste ano, como no anterior, estamos sem expectativas de aprova��o muito elevada (no Enem e em vestibulares). Estamos trabalhando o psicol�gico dos alunos para que n�o desistam, porque a culpa n�o � deles", conta.
O impacto da desconex�o
Pesquisas pr�vias j� mostravam que a falta de conectividade de escolas e alunos vinha deixando marcas, principalmente no primeiro ano de pandemia.
Em janeiro deste ano, o Departamento de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de S�o Paulo (USP) e o Centro de Aprendizagem em Avalia��o e Resultados da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) avaliaram a efici�ncia dos planos de educa��o remota de Estados e capitais e criaram um �ndice de Educa��o � Dist�ncia.
Foram analisados os meios usados para as aulas (como TV ou internet), seu alcance e qualidade e os materiais e tecnologias oferecidos aos alunos, entre mar�o e outubro de 2020, ou seja, sob o primeiro ano da pandemia.
Os resultados foram considerados desanimadores: a nota m�dia dada pelos pesquisadores aos planos estaduais foi de 2,38 (de 0 a 10) e de 1,6 para os das capitais.
Um dos pontos levantados foi de que a maioria das redes n�o havia conseguido garantir que seus alunos tivessem meios de acessar as aulas online.

"A quase totalidade dos Estados decidiu pela transmiss�o via internet, (mas) apenas cerca de 15% deles distribu�ram dispositivos e menos de 10% subsidiaram o acesso � internet" ao longo de 2020, escreveram os pesquisadores Lorena Barberia, Luiz Cantarelli e Pedro Schmalz.
A nova pesquisa do Datafolha sinaliza no entanto que, mesmo com todas as dificuldades, 87% dos 1,3 mil pais entrevistados em todas as regi�es do Brasil acreditam que o uso da tecnologia foi positivo para a aprendizagem dos filhos; e um ter�o afirmou que a possibilidade de estudar remotamente, em qualquer lugar, deve ser mantida no futuro.
Para Angela Dannemann, essa aparente contradi��o entre valorizar a tecnologia mesmo sem ter tido acesso a ela ainda precisa ser melhor estudada, mas � um indicativo de como a pandemia mudou alguns aspectos da rela��o entre as escolas e as fam�lias.
Para os pais que puderam presenciar as aulas online dos filhos, "pela primeira vez, eles viram a escola acontecendo e viram o valor do professor", diz ela.
O professor, ao mesmo tempo, "baixou a guarda (em sua resist�ncia �) tecnologia, mas � necess�rio que a pol�tica p�blica o apoie. Tem que haver forma��o continuada para o uso da tecnologia e manter os equipamentos atualizados, sen�o ficam obsoletos. N�o � uma tarefa simples."
Uma fonte de recursos para isso pode vir do leil�o do 5G, a internet m�vel de quinta gera��o. Cerca de R$ 3,1 bilh�es arrecadados na venda de um dos lotes ter�o de, segundo as normas do edital, ser investidos em projetos de conectividade nas escolas p�blicas, ainda a serem definidos pelo Minist�rio da Educa��o.
A Ag�ncia Nacional de Telecomunica��es (Anatel) afirmou que a quantia obtida no leil�o do 5G embora muito abaixo do montante estipulado inicialmente (R$ 7,6 bilh�es) ser� suficiente para garantir a cobertura 5G para as escolas de educa��o b�sica do pa�s, informa a Ag�ncia Brasil.
At� agora, o tema da conectividade vinha provocando uma esp�cie de queda de bra�o entre o governo federal e o Congresso, que aprovou uma lei demandando que a Uni�o transferisse a Estados um montante de R$ 3,5 bilh�es que custeassem o acesso � internet a professores e alunos das redes p�blicas.
O projeto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), veto este que foi revertido ap�s nova vota��o no Legislativo, at� que o caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal.
Em agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo federal estaria cometendo crime de responsabilidade fiscal se fizesse o repasse diante do desequil�brio das contas p�blicas.
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