
Segundo o �rg�o, em documento de 11 de janeiro de 2022, foram identificados no primeiro m�s deste ano dois casos de infec��o pelo fungo envolvendo um paciente de 67 anos e outra de 70 anos que estavam internados num hospital da rede p�blica do Recife. N�o foram divulgadas informa��es atualizadas sobre o estado de sa�de deles.
Ao longo da pandemia de covid-19, a Anvisa confirmou 18 casos da infec��o em tr�s surtos diferentes. O primeiro caso confirmado foi identificado em uma amostra da ponta de um cateter de paciente internado em UTI de Salvador, local dos dois primeiros surtos: um em dezembro de 2020 (com 15 casos e dois mortos em um hospital da rede privada) e outro em dezembro de 2021 (com um caso em um hospital da rede p�blica).
Mas pode chamar de surto com essa quantidade relativamente pequena de casos? Segundo a Anvisa, "pode-se considerar que h� um surto de Candida auris porque a defini��o epidemiol�gica de surto abrange n�o apenas uma grande quantidade de casos de doen�as contagiosas ou de ordem sanit�ria, mas tamb�m o surgimento de um microrganismo novo na epidemiologia de um pa�s ou at� de um servi�o de sa�de - mesmo se for apenas um caso.%u202F"
A infec��o por C. auris � resistente a medicamentos e pode ser fatal. Em todo o mundo, estima-se que infec��es f�ngicas invasivas de C. auris tenham levado � morte de entre 30% e 60% dos pacientes. Mas esses n�meros costumam variar bastante a depender das vari�veis envolvidas, a exemplo da gravidade da doen�a que levou o paciente ao hospital (como a covid-19) e da capacidade do fungo de resistir ou n�o aos medicamentos.
Segundo a Anvisa, essa esp�cie de fungo produz "biofilmes tolerantes a antif�ngicos apresentando resist�ncia aos medicamentos comumente utilizados para tratar infec��es por Candida" e at� 90% das amostras de Candida auris analisadas apontam resist�ncia ao fluconazol, anfotericina B ou equinocandinas.
Em seu alerta, a Anvisa afirma que tem analisado casos suspeitos do fungo desde 2017, mas os primeiros s� foram confirmados durante a pandemia de covid-19. E o Brasil n�o foi o �nico a registrar infec��es desse tipo nesse per�odo ligados ao novo coronav�rus.
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) registrou 1.156 casos cl�nicos de Candida auris entre 1º de setembro de 2020 e 31 de agosto de 2021. N�o h� informa��es sobre o n�mero de mortos. At� 2016, o fungo havia sido detectado em apenas 4 Estados americanos. O n�mero saltaria para 19 Estados em 2020.
No M�xico, um surto de Candida auris come�ou com um paciente que n�o estava infectado com coronav�rus em maio de 2020, momento que o hospital San Jos� Tec-Salud, no norte do pa�s, era transformado em uma unidade de sa�de exclusiva para pacientes com covid-19.
Tr�s meses depois, o fungo Candida auris foi detectado em tr�s UTIs e atingiu 12 pacientes e tr�s �reas hospitalares. Dez eram homens, 9 eram obesos e todos eles respiravam com aux�lio de respiradores mec�nicos, tinham cateter urin�rio e venoso e estavam internados de 20 a 70 dias ali. Dos 12 pacientes, 8 morreram.
Os pesquisadores que analisaram os casos listam diversos fatores de risco para o surgimento de infec��es por fungos. Entre eles, diabetes, uso de m�ltiplos antibi�ticos, fal�ncia renal, uso de cateter venoso central e, no caso espec�fico de covid-19, o uso excessivo de corticosteroides (que tem efeito imunossupressor em neutr�filos e macr�fagos, c�lulas do sistema de defesa do corpo humano).

Na �ndia, o surto de candidemia atingiu 15 pacientes com coronav�rus em uma UTI em Nova D�li entre abril e julho de 2020. Do total, 10 estavam infectados por Candida auris e 6 deles morreram.
No caso do Brasil, um grupo de dez pesquisadores brasileiros e holandeses investigou o primeiro surto em Salvador, em dezembro de 2020, e a rela��o dos casos com a covid-19. Segundo artigo publicado em mar�o de 2021 no Journal of Fungi, todos os pacientes atingidos eram oriundos do pr�prio Estado (Bahia), n�o tinham hist�rico de viagem para o exterior e estavam internados na mesma UTI por causa do coronav�rus. "As restri��es de viagem durante a pandemia de covid-19 e a aus�ncia de hist�rico de viagem entre os pacientes colonizados por fungos levaram � hip�tese de a esp�cie ter sido introduzida meses antes de o primeiro caso ser identificado e/ou de ter emergido localmente na regi�o de Salvador."
Outra hip�tese levantada pelos pesquisadores aponta que os pacientes j� estavam infectados com a Candida auris antes de ficarem gravemente doentes com a covid-19. Ao serem internados em UTI, "foram intensamente expostos a antibi�ticos e procedimentos m�dicos invasivos, e desenvolveram superinfec��es". A pandemia de covid-19, portanto, "pode estar acelerando a introdu��o e/ou espalhando a Candida auris em ambientes hospitalares que estava livres do fungo".
E concluem: "Num futuro pr�ximo, a superlota��o e a escassez de recursos para pr�ticas de controle de infec��es, como o uso prolongado de equipamentos de prote��o pessoal por falta de disponibilidade, ser�o um terreno f�rtil para que C. auris se espalhe, colonize dispositivo invasivos (como um cateter) e deflagre infec��es associadas ao tratamento de sa�de".
Segundo a Anvisa, o Candida auris "pode permanecer vi�vel por longos per�odos no ambiente (semanas ou meses) e apresenta resist�ncia a diversos desinfetantes, entre os quais, os que s�o � base de quatern�rio de am�nio".
Dif�cil controle e preven��o
Na maioria das vezes, as leveduras do g�nero Candida residem em nossa pele, boca e genitais sem causar problemas, mas podem causar infec��es quando estamos com a imunidade baixa ou quando se provocam infec��es invasivas, como na corrente sangu�nea ou nos pulm�es. No caso do C. auris, ele costuma causar infec��es na corrente sangu�nea, mas tamb�m pode infectar o sistema respirat�rio, o sistema nervoso central e �rg�os internos, assim como a pele.
Esse fungo, que cresce como levedura, foi identificado pela primeira vez em 2009 no canal auditivo de uma paciente no Jap�o. Desde ent�o, houve mais de 5.000 casos identificados em 47 pa�ses, entre eles �ndia, �frica do Sul, Venezuela, Col�mbia, Estados Unidos, Israel, Chile, Canad�, It�lia, Holanda, Venezuela, Paquist�o, Qu�nia, Kuwait, M�xico, Reino Unido, Brasil e Espanha.
A taxa de mortalidade m�dia � estimada em 39%, segundo c�lculos em estudo de sete pesquisadores chineses publicado na revista cient�fica BMC Infectious Diseases em novembro de 2020.
Segundo o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, professor da Unifesp e especialista em contamina��o com fungos, � poss�vel ser colonizado de forma passageira pelo C. auris na pele ou na mucosa sem ter problemas. O fungo apresenta risco real se contaminar a corrente sangu�nea.
Para a pessoa ser infectada, explicou ele � BBC News Brasil em 2019, � preciso que tenha sofrido procedimentos invasivos (como cirurgias, uso de cateter venoso central) ou tenha o sistema imunol�gico comprometido. Pacientes internados em unidades de terapia intensiva por longos per�odos e com uso pr�vio de antibi�ticos ou antif�ngicos tamb�m s�o considerados grupo de risco para a contamina��o.
Em 2016, a Opas, bra�o da Organiza��o Mundial da Sa�de para a Am�rica Latina e o Caribe, publicou um alerta recomendando a ado��o de medidas de preven��o e controle por causa de surtos relacionados ao fungo na regi�o. O primeiro surto da regi�o ocorreu na Venezuela, entre 2012 e 2013, atingindo 18 pacientes.

Al�m disso, o C. auris costuma ser confundido com outras infec��es, levando a tratamentos inadequados.
"O C. auris sobrevive em ambientes hospitalares e, portanto, a limpeza � fundamental para o controle. A descoberta (do fungo) pode ser uma quest�o s�ria tanto para os pacientes quanto para o hospital, j� que o controle pode ser dif�cil", explicou a m�dica Elaine Cloutman-Green, especialista em controle de infec��es e professora da University College London (UCL).
Nem todos os hospitais identificam o C. auris da mesma maneira. �s vezes, o fungo � confundido com outras infec��es f�ngicas, como a candid�ase comum.
Em 2017, uma pesquisa publicada por Alessandro Pasqualotto, da Santa Casa de Miseric�rdia de Porto Alegre, analisou 130 laborat�rios de centros m�dicos de refer�ncia na Am�rica Latina e descobriu que s� 10% deles t�m capacidade de detec��o de doen�as invasivas de fungos de acordo com padr�es europeus.
Segundo a Anvisa, o surto em 2016 em Cartagena, na Col�mbia, � um exemplo de como o micro-organismo � dif�cil de identificar. Cinco casos de infec��o foram identificados como tr�s fungos diferentes at� um m�todo mais moderno de an�lise diagnosticar o pat�geno corretamente como C. auris.
Tamb�m n�o � poss�vel elimin�-lo usando os detergentes e desinfetantes mais comuns. � importante, portanto, utilizar os produtos qu�micos de limpeza adequados dos hospitais, especialmente se houver um surto.
Em alerta emitido em 2017, a Anvisa explicou que n�o se sabe ao certo qual � o modo mais preciso de transmiss�o do fungo dentro de uma unidade de sa�de.
Estudos apontam que isso pode ocorrer por contato com superf�cie ou equipamentos contaminados e de pessoa para pessoa. O CDC tamb�m afirma que o fungo pode permanecer na pele de pacientes saud�veis sem causar infec��o e se espalhar para outras pessoas, por exemplo.
Em entrevista � BBC News Brasil em dezembro de 2020, Pasqualotto, tamb�m professor da Universidade Federal de Ci�ncias da Sa�de de Porto Alegre (UFCSPA), afirmou que casos de Candida auris s�o como "um evento adverso do progresso da humanidade".
"� medida que a gente progride, produz mais antibi�ticos, que as pessoas s�o mais invadidas por procedimentos m�dicos e sobrevivem mais, passam a surgir novos pat�genos que antes n�o causavam doen�as. E, devido � press�o dos rem�dios, eles surgem resistentes", disse ele.
"Ent�o, a Candida auris � s� a bola da vez. Assim como j� foi o Staphylococcus aureus, que desenvolveu resist�ncia � penicilina ap�s a Segunda Guerra Mundial; depois o Enterococo resistente � vancomicina e tantos, tantos outros. Cada vez a gente tem menos antibi�ticos para usar e cada vez mais pat�genos resistentes."
A resist�ncia microbiana, que envolve fungos e tamb�m bact�rias, � considerada uma das maiores amea�as � sa�de global pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). Ela acontece pois os microrganismos t�m evolu�do e se tornado mais fortes e h�beis em driblar medicamentos como antibi�ticos e antif�ngicos, fazendo com que v�rias doen�as j� tenham poucas ou nenhuma op��o de tratamento dispon�vel.
Resist�ncia a medicamentos
A resist�ncia aos antif�ngicos comuns, como o fluconazol, foi identificada na maioria das cepas de C. auris encontradas em pacientes.

Isso significa que essas drogas n�o funcionam para combater o C. auris. Por causa disso, medica��es fungicidas menos comuns t�m sido usadas para tratar essas infec��es, mas o C. auris tamb�m desenvolveu resist�ncia a elas.
"H� registro de resist�ncia � az�licos, equinocandinas e at� polienos, como a anfotericina B. Isso significa que o fungo pode ser resistente �s tr�s principais classes de drogas dispon�veis para tratar infec��es f�ngicas sist�micas", explicou o epidemiologista e microbiologista Alison Chaves, no Twitter, logo ap�s a descoberta do primeiro surto em Salvador no fim de 2020.
Estima-se que mais de 90% das infec��es causadas pelo C. auris s�o resistentes ao menos a um medicamento, enquanto 30% s�o resistentes a dois ou mais rem�dios.
An�lises de DNA indicam tamb�m que genes de resist�ncia antif�ngica presentes no C. auris t�m passado para outras esp�cies de fungo, como a Candida albicans (C. albicans), um dos principais causadores da candid�ase (doen�a comum que pode afetar a pele, as unhas e �rg�os genitais, e � relativamente f�cil de tratar).
*Com informa��es adicionais de Mariana Alvim e Let�cia Mori, da BBC News Brasil em S�o Paulo.
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