Um tu�te da cantora Anitta prometendo fazer doa��es a Angola devido � crise da pandemia de covid-19 viralizou no pa�s e desencadeou manifesta��es virtuais de jovens angolanos que protestam contra o governo local.
Anitta se apresentou em Angola em maio de 2019. Na semana passada, ela escreveu no Twitter: "Ontem estava comentando com algumas pessoas sobre o show que fiz em Angola e me veio na cabe�a uma coisa. Como est� Angola em rela��o � pandemia? Alguma forma que posso ajudar? Doa��es ou algo? Gostaria de retribuir todo o amor que recebi quando fui. Entrem em contato quero ajudar".
Ontem estava comentando com algumas pessoas sobre o show que fiz em Angola e me veio na cabe�a uma coisa. Como est� Angola em rela��o � pandemia? Alguma forma que posso ajudar? Doa��es ou algo?Gostaria de retribuir todo o amor que recebi quando fui. Entrem em contato quero ajudar
— Anitta (@Anitta) January 12, 2022
O tu�te viralizou em Angola e foi compartilhado por jovens como Baptista Miranda, um dos maiores youtubers angolanos, com mais de 400 mil inscritos na plataforma. Muitos de seus seguidores s�o brasileiros.
"Obrigado por demonstrar preocupa��o pelo nosso pa�s. A situa��o da pandemia aqui aumentou o desemprego, esse governo atual n�o tem feito nada a favor da popula��o e tem sido cada vez mais complicado para as pessoas que vivem em situa��o de rua", escreveu Miranda.
"Se voc� conseguir ajudar, fale com as pessoas certas porque certamente ir�o aparecer muitos aproveitadores e as ajudas podem n�o chegar para as pessoas que realmente precisam."
Obrigado por demonstrar preocupa��o pelo nosso pa�s. A situa��o da pandemia aqui aumentou o desemprego, esse governo atual n�o tem feito nada a favor da popula��o e tem sido cada vez mais complicado para as pessoas que vivem em situa��o de rua. https://t.co/dVww4USjpa
— Baptista miranda (@Baptistamiran) January 12, 2022
Ao longo dos �ltimos anos, jovens t�m se engajado politicamente contra o governo, sem uma organiza��o centralizada, em plataformas como Facebook, YouTube e mais recentemente no Twitter. Alguns internautas responderam a Anitta com cr�ticas ao governo: "se quiser ajudar, � s� denunciar publicamente o partido no poder em Angola" ou "esse governo atual n�o tem feito nada a favor da popula��o".
Se quiser ajudar, � s� denunciar publicamente o partido no poder em Angola o MPLA, essa seria a maior ajuda. Denunciar a falta de democracia, o regime corrupto porque dinheiro para lutar contra covid tamb�m est�o a roubar. Essa ajuda seria maior do que enviar comida.
— Mwana Mukongo (@KenMwanaMukongo) January 12, 2022
O tu�te de Anitta recebeu destaque na imprensa local, especialmente nos portais de informa��o mais populares de Angola. O X� Agora Aguenta descreveu como um "belo gesto" a inten��o da cantora brasileira, acrescentando que a postagem teve muita repercuss�o no pa�s.
Mas em muitos coment�rios dos f�s angolanos de Anitta era comum a preocupa��o de que os eventuais fundos doados pela cantora fossem desviados por autoridades angolanas.
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Anitta respondeu a uma dessas mensagens: "J� estou fazendo diferente, querida. Agora mandarei os materiais j� comprados".
N�o � muito comum no pa�s grandes figuras da m�sica se posicionarem sobre a situa��o pol�tica ou criticarem abertamente o regime de Angola. Muitos temem sofrer algum tipo de repres�lia por parte do governo.
Em 2012 o relat�rio anual da Human Right Watch dizia que em Angola "as classes urbanas educadas costumavam usar a internet e as redes sociais como canais para criticar o governo devido �s restri��es da m�dia tradicional".

E muitos cr�ticos do regime angolano insistem que a situa��o hoje continua a mesma, apesar do atual presidente, Jo�o Louren�o, afirmar constantemente que a liberdade de express�o e imprensa s�o pilares importantes do seu governo que come�ou em 2017.
"Tendo em conta a dimens�o internacional da Anitta, os angolanos viram nela um canal para expressar a sua insatisfa��o com o governo em Angola", diz Edmilson �ngelo, analista angolano, do Instituto de Estudos de Desenvolvimento do Reino Unido.
Anitta teria contatado a ONG Atos Angola, uma organiza��o n�o-governamental brasileira que opera no pa�s desde 2011, para fazer chegar as doa��es.
https://www.instagram.com/tv/CYrgX2WJVWE/?utm_medium=copy_link
O que est� acontecendo em Angola?
Angola, um pa�s independente de Portugal desde 1975, vive hoje graves problemas pol�ticos, econ�micos e sociais.
Com uma popula��o estimada em 33 milh�es de habitantes, mais de 18 milh�es de pessoas, ou seja, cerca de 54,3% da popula��o, vivem em extrema pobreza - com menos de US$ 1,90 (R$ 10) por dia -, de acordo com dados do World Poverty Clock.
Mas apesar dos n�meros alarmantes, o pa�s africano, rico em recursos naturais, abriga uma elite de milion�rios africanos, entre eles Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola Jos� Eduardo dos Santos, que j� foi considerada a mulher mais rica da �frica pela revista Forbes, com uma riqueza estimada US$ 3,5 bilh�es (R$ 19 bilh�es).

"Estamos falando de um pa�s que j� teve uma economia considerada a segunda maior do continente, mas este crescimento abismal da economia n�o resultou num desenvolvimento social de Angola", diz �ngelo.
"O desenvolvimento econ�mico em Angola s� serviu para a cria��o de uma pequena elite que acabou por ser o maior benefici�rio desse crescimento hist�rico, para a tristeza da maioria da popula��o", ele acrescenta.
Angola � um dos maiores produtores de petr�leo de �frica, perdendo s� para a Nig�ria. O petr�leo � a principal fonte de receitas do pa�s. S� em 2019, Angola produziu mais de 1.4 milh�es de barris de petr�leo por dia.
Mas os recursos provenientes da explora��o petrol�fera n�o se refletem na vida de grande parte da popula��o. Cr�ticos do governo costumam apontar a m� gest�o e a corrup��o como elementos que fomentam a desigualdade social no pa�s.
Com uma popula��o jovem de 47%, um dos grandes desafios de Angola hoje � o desemprego juvenil. O pa�s tem altas taxas de desemprego, estimando-se que mais de 52% dos jovens angolanos se encontram desempregados.
Isso tem desencadeado protestos de jovens contra o governo do presidente angolano, Jo�o Louren�o, que na sua campanha eleitoral em 2017 prometeu gerar mais 500 mil empregos para os jovens.
Segundo um relat�rio do Unicef de 2017, Angola integra a lista de pa�ses com maior taxa de mortalidade infantil at� aos 5 anos. Segundo os dados do documento, em 2016 morreram 83 crian�as por cada mil nascimentos, enquanto que no Brasil registaram-se 15 mortes por cada mil nascimentos.
A principal causa de morte em Angola � a mal�ria, uma doen�a que j� foi erradicada na Europa. Mas os desafios da sa�de em Angola v�o para al�m das doen�as, e estendem-se � falta de condi��es sanit�rias, servi�os hospitalares deficientes e pouco investimento p�blico no setor da sa�de.
Em dezembro de 2021, os m�dicos angolanos entraram em greve por quase duas semanas para exigirem melhores condi��es de trabalho e melhores sal�rios. Um m�dico em Angola pode ganhar menos de US$ 520 (cerca de R$ 3 mil).
Al�m disso o pa�s enfrenta problemas cr�nicos devido � fome. Em setembro de 2021, o Programa Mundial de Alimenta��o da ONU estimou que mais de 1,3 milh�es de pessoas no sul de Angola enfrentaram "fome severa, pois a pior seca em 40 anos deixou campos est�reis, pastagens secas e reservas de alimentos esgotadas".
Em um discurso recente que viralizou nas redes sociais, o presidente Jo�o Louren�o disse que "a fome em Angola � relativa", gerando rep�dio de organiza��es da sociedade angolana.
Protestos
Nos �ltimos quatro anos, Angola tem registado uma grande onda de manifesta��es antigoverno. S�o na sua maioria jovens que se re�nem em v�rias pra�as da cidade, sobretudo em Luanda, a capital do pa�s, para reivindicarem promessas eleitorais n�o cumpridas e exigirem melhores condi��es de vida.
"A popula��o est� muito mais ativa do que no passado e quer fazer sentir a sua voz para a resolu��o dos seus maiores problemas", alega Edmilson.
"Estamos perante um contexto de uma juventude que j� n�o teme a guerra civil que se viveu em Angola e quer que as promessas eleitorais sejam cumpridas", ele acrescenta.
A maioria dos protestos acabam com repress�o policial, e em alguns casos com mortos e feridos. Algumas vezes, s�o os manifestantes que usam viol�ncia para para fazer passar a sua mensagem de descontentamento com o partido MPLA (Movimento Popular de Liberta��o de Angola), que governa Angola desde 1975.
Foi o que aconteceu na semana passada durante uma greve dos taxistas em Luanda, em que um grupo de manifestantes botou fogo em um edif�cio do MPLA e arrancou bandeiras do partido espalhadas pela cidade. As autoridades policiais detiveram 33 pessoas na sequ�ncia dos atos.
O presidente angolano condenou na quarta-feira os protestos e disse que eles s�o parte de um plano para se criar instabilidade em Angola.
Elei��es de 2022
Angola realiza elei��es de cinco em cinco anos. As �ltimas elei��es, em agosto de 2017, elegeram como presidente Jo�o Louren�o, um ex-ministro da Defesa do governo de Jos� Eduardo dos Santos, que foi indicado a posi��o pelo seu antecessor que governou Angola durante 36 anos.
Jo�o Louren�o, que v� hoje a sua popularidade em Angola questionada por causa dos problemas que o pa�s enfrenta, pretende concorrer para um segundo mandato nas elei��es marcadas para agosto.
Adalberto da Costa J�nior, l�der da UNITA (Uni�o Nacional para a Independ�ncia Total de Angola), o maior partido da oposi��o, dever� ser o seu principal advers�rio.
Na vis�o de Edmilson �ngelo, os �ltimos protestos em Angola devem servir de alerta para aquele que ser� o processo eleitoral em Angola.
"Muitos populares olham para 2022 como um ano de mudan�a, onde v�o fazer sentir a sua voz e vontade pol�tica. H� uma possibilidade dos protestos radicais continuarem e estes �ltimos protestos podem ser um sinal daquilo que teremos durante este ano."
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