Desde que os EUA come�aram a vacinar a faixa et�ria de 5 a 11 anos contra a covid-19, no in�cio de novembro, foram imunizadas com ao menos uma dose cerca de 8 milh�es de crian�as americanas.
� da imuniza��o desse grupo que sa�ram alguns dos estudos mais amplos sobre a vacina��o infantil at� agora, indicando a seguran�a e o baix�ssimo �ndice de efeitos colaterais (veja mais detalhes abaixo).
No entanto, a vacina��o plena, com duas doses, s� alcan�ou 19% das crian�as americanas nessa faixa et�ria. Segundo pesquisa da Funda��o Kaiser Family, com dados do Centro de Controle de Doen�as (CDC), a vacina��o infantil nos EUA teve um pico em novembro, ent�o caiu e depois estacionou em patamares considerados baixos.
Para efeitos comparativos, o Brasil, que come�ou a vacinar o p�blico de 5 a 11 h� apenas algumas semanas, com Pfizer e CoronaVac, j� imunizou cerca de 3 milh�es de crian�as com a primeira dose, ou 15% dessa popula��o, segundo o cons�rcio de ve�culos de imprensa com base em informa��es das secretarias estaduais.
Em uma tentativa de usar dados cient�ficos para contrapor a hesita��o � vacina��o que abarca parcela importante da popula��o americana, a Universidade Johns Hopkins criou um curso online gratuito que forma, em duas horas de aulas, "embaixadores da vacina��o" - que podem ser pais, educadores ou membros da comunidade - aptos a conversar sobre pontos b�sicos da imuniza��o infantil e a acolher "com empatia e respeito" as d�vidas dos pais "que ainda est�o hesitantes quanto a vacinar seus filhos".
Algumas dessas d�vidas ser�o respondidas ao longo desta reportagem, tamb�m com base em dados oferecidos pela Johns Hopkins ou outras institui��es cient�ficas.
No Brasil, uma pesquisa conduzida pela Fiocruz apontou que os principais motivos que levam os pais a hesitar quanto � imuniza��o dos filhos s�o medo de rea��es adversas e supostos efeitos de longo prazo, minimiza��o da gravidade da pandemia em crian�as e a falsa ideia de que quem teve covid-19 n�o precisa se vacinar, por ter "imunidade natural".
O curso da Johns Hopkins, por enquanto s� dispon�vel em ingl�s, formou at� 1� de fevereiro 3.522 "embaixadores da vacina", informa a universidade � BBC News Brasil.
"O objetivo do curso � empoderar mais pessoas a se comunicar com pais que tenham preocupa��es quanto a vacinar seus filhos, a despeito da disponibilidade de vacinas seguras, eficazes e gratuitas contra covid-19", diz a institui��o em comunicado.
"Nas �ltimas semanas, as hospitaliza��es de crian�as por covid-19 deram um salto para n�veis recordes (nos EUA), inclusive entre crian�as a partir dos 5 anos, j� eleg�veis para a vacina��o."
'Escuta ativa' e 'empatia'
A primeira li��o do curso � a import�ncia da "escuta ativa", com empatia e sem julgamento, de pais que estejam inseguros quanto � vacina��o, sem desmerecer seus argumentos ou suas preocupa��es.
"Voc� pode fazer uma grande diferen�a quando d� �s pessoas a chance de falar sobre suas preocupa��es e quando oferece informa��es calcadas na ci�ncia para ajudar a responder suas perguntas", come�a o treinamento, que foi criado por Rupali Limaye, diretora de ci�ncia comportamental no Centro Internacional de Acesso a Vacinas da Johns Hopkins.

Algumas das estrat�gias propostas pelo curso "que pesquisas apontam serem �teis em conversas sobre vacinas" s�o:
- "Normalizar" a vacina��o: os seres humanos n�o tomam decis�es com base s� em dados, mas tamb�m com base no que faz o c�rculo de pessoas ao seu redor. Compartilhar fotos de vacina��o ou relatar quantas crian�as da escola j� foram vacinadas, por exemplo, ajuda a tornar a vacina��o infantil uma "norma social" - algo que � considerado aceit�vel dentro de um determinado grupo.
- � contraproducente bater de frente contra argumentos baseados em fake news ou mitos. O melhor jeito � ouvir com sua aten��o plena, dizem os profissionais da Johns Hopkins, e tentar migrar a conversa para fatos reais, concretos e embasados na ci�ncia (veja mais dicas no fim deste texto).
- Demonstrar empatia por quem est� em d�vida, com perguntas como: "como voc� se sente a respeito disso? Como posso te ajudar a sanar essas d�vidas? O que te ajudaria a tomar uma decis�o?"
E, na segunda hora do curso, s�o oferecidas informa��es cient�ficas consistentes para ajudar o interlocutor a responder essas incertezas.
Eis algumas delas:
Vacinas foram produzidas 'muito rapidamente'?
Um dos grandes temores em rela��o � seguran�a da vacina��o se deve � percep��o de que as vacinas contra a covid-19 foram produzidas com muita rapidez, o que tornaria imposs�vel garantir sua seguran�a.
Na verdade, o curso esclarece que nenhuma etapa de testagem de seguran�a ou efic�cia foi pulada durante as pesquisas para as vacinas de covid-19, e todas essas fases foram supervisionadas por �rg�os regulat�rios, como a ag�ncia de medicamentos (FDA) dos EUA.
O que aconteceu, no caso das vacinas de covid-19, � que, gra�as � urg�ncia da pandemia, etapas que antes ocorriam uma de cada vez puderam ocorrer simultaneamente, economizando tempo.
Al�m disso, as vacinas contra covid-19 - que em �pocas normais teriam de aguardar numa fila de medicamentos at� chegar sua vez de serem analisadas pelos �rg�os regulat�rios - foram colocadas logo no come�o da fila.

Por fim, os cientistas ressaltam que a tecnologia por tr�s das vacinas n�o � nova - pelo contr�rio, existe h� d�cadas. A ci�ncia j� tinha ao menos 20 anos de conhecimento acumulado sobre coronav�rus pr�vios (da SARS e da MERS), ent�o n�o partiram da estaca zero com o Sars-CoV-2.
Especificamente sobre a tecnologia de mRNA, do imunizante da Pfizer, o curso explica que essa vacina ensina nossas c�lulas a produzir um peda�o da chamada prote�na spike do coronav�rus, para alertar nosso sistema imunol�gico a reagir caso se depare com o v�rus.
Mas essa vacina n�o tem nenhum efeito sobre o nosso DNA. E a vacina n�o permanece em nosso organismo por muito tempo: ela � processada e dissipada em quest�o de horas ou dias, diz o curso.
E quanto a "ingredientes t�xicos" presentes em vacinas?
De fato, explica a universidade, ingredientes como o alum�nio podem ser t�xicos, mas s� quando ingeridos em quantidades muito mais elevadas do que as presentes nas vacinas.
Na verdade, as vacinas t�m menos alum�nio do que aquele ao qual somos expostos em nosso cotidiano, diz o curso.
E os efeitos de longo prazo das vacinas?
A Johns Hopkins destaca que nenhuma vacina dos programas globais de imuniza��o tem rela��o com efeitos de longo prazo, nem mesmo com problemas de fertilidade ou reprodutivos.

No caso da vacina contra covid-19, uma preocupa��o dos pais tem sido com a miocardite, uma inflama��o do m�sculo card�aco. Vamos aos fatos:
Uma an�lise feita pelo CDC dos EUA diz que, ap�s aplicarem-se mais de 8,7 milh�es de doses infantis da Pfizer no pa�s, o sistema de vigil�ncia em imuniza��o recebeu 4,2 mil comunicados de efeitos adversos na faixa et�ria de 5 a 11 anos. Desse total, quase 98% n�o foram efeitos s�rios.
Dos efeitos considerados s�rios, houve 15 relatos preliminares de miocardite, desses quais 11 puderam ser verificados - sete crian�as se recuperaram e quatro estavam em recupera��o � �poca em que o relat�rio foi feito.
Aqui no Brasil, a Fiocruz afirmou que a maioria dos raros casos de miocardite foram em homens na casa dos 20 e 30 anos. Nas crian�as, quadros do tipo, al�m de muito raros, s�o em sua maioria leve e trat�veis.
"� importante ressaltar que devido � baixa frequ�ncia desse efeito adverso e a natureza benigna da apresenta��o cl�nica nos casos relatados, o benef�cio da vacina��o supera grandemente o pequeno risco dessa complica��o", diz um parecer t�cnico da Fiocruz.
Isso porque a covid-19 em si pode causar uma miocardite.
Veja a diferen�a: o risco de homens jovens desenvolverem problemas card�acos pela covid-19 � de cerca de 2,3%, segundo estudo citado pela Johns Hopkins.
J� o risco de miocardite p�s-vacina��o � de cerca de 0,000095%.
O mais comum, no caso da vacina��o, ainda s�o os efeitos colaterais leves, como dor e desconforto no bra�o, febre ou fadiga. "Esses efeitos s�o tempor�rios e significam que seu sistema imunol�gico est� ficando pronto para combater uma infec��o real de covid-19", explica a Johns Hopkins.
D� para apostar na 'imunidade natural'?

O material da Johns Hopkins ensina que nosso sistema imune � formado por muitas c�lulas diferentes, que nos protegem quando aprendem a identificar e combater pat�genos invasores.
Uma das formas mais eficazes de fazer esse combate � criando uma "mem�ria" sobre esse pat�geno. E quem j� teve covid-19 ou tomou vacina muito provavelmente criou essa mem�ria em seu sistema imunol�gico.
No entanto, essa mem�ria pode ser apenas tempor�ria, principalmente no caso de quem j� se contaminou. Estudos recentes t�m mostrado que a imunidade obtida pela vacina dura muito mais do que a imunidade por infec��o - na pr�tica, n�o vacinados t�m mais que o dobro de chances de serem reinfectados pelo coronav�rus do que as pessoas plenamente vacinadas.
E por que precisamos de tantas doses?
O curso explica que a vacina � como uma escola, em que a primeira dose � uma esp�cie de alfabetiza��o do nosso sistema imunol�gico, e a segunda dose e as de refor�o s�o as s�ries seguintes - dando um treinamento adicional ao corpo, principalmente diante de variantes virais �s quais somos mais vulner�veis.
Doses de refor�o d�o at� 75% a mais de prote��o contra infec��es sintom�ticas da �micron, aponta a universidade.
Por que vacinar crian�as, se casos infantis de covid-19 tendem a ser mais leves?
Um percentual pequeno de crian�as sofreu com interna��es ou casos graves de covid-19, em compara��o com adultos. Mas os n�meros absolutos mostram que o p�blico infantil tamb�m est� sob risco, principalmente diante de variantes mais agressivas ou contagiosas.
O Brasil contabiliza 1.449 mortes de crian�as de 0 a 11 anos desde o in�cio da pandemia, aponta uma nota t�cnica no Conass (Conselho Nacional de Secret�rios da Sa�de).
E mais de 23 mil crian�as foram diagnosticadas com a S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (SRAG), que � causada pela covid-19.
Houve tamb�m 1,4 mil casos confirmados e 85 mortes de crian�as de 0 a 19 anos por S�ndrome Inflamat�ria Multissist�mica Pedi�trica (SIM-P), uma rara mas perigosa s�ndrome associada � covid-19.

Por fim, existem os riscos de as crian�as desenvolverem a chamada covid longa: efeitos de longo prazo p�s-covid que ainda n�o foram plenamente compreendidos pelos m�dicos.
E o p�blico infantil est� sendo, neste est�gio da pandemia, proporcionalmente mais afetado pela covid-19, j� que a popula��o adulta teve a chance de se vacinar mais cedo.
Nos EUA, no in�cio de janeiro, uma m�dia de 672 crian�as de at� 17 anos foi hospitalizada por dia com covid-19, segundo o CDC.
Ou seja, os dados apontam que � uma fal�cia a ideia de que os riscos da vacina seriam maiores que os da covid-19 em crian�as.
E quando as pessoas argumentam usando fake news antivacina?
O curso da Johns Hopkins ensina tamb�m alguns sinais de alerta contra fake news relacionadas � vacina��o.
A desinforma��o costuma ganhar tra��o nas redes sociais porque apela a sentimentos fortes: nos causa medo, raiva ou revolta, aponta a universidade. Tamb�m costuma se basear em "falsos especialistas" - pessoas que n�o costumam ter de fato autoridade suficiente em infectologia ou que n�o contam com o respaldo de cientistas.
Momentos de incerteza e excesso de informa��o como o atual tamb�m s�o terreno f�rtil para teorias conspirat�rias, as quais trazem explica��es simples para eventos complexos e criam "inimigos" ou "bodes expiat�rios" para seu p�blico.
Para reagir a argumentos baseados em fake news, a universidade sugere:
- Ofere�a um fato concreto com dados cient�ficos
- Esclare�a a desinforma��o respeitosamente: "� um mito comum achar que."
- Reforce o fato original.
Isso tende a ser mais �til do que atacar as cren�as do interlocutor, ser condescendente, dizer simplesmente que ele est� errado ou desmerecer suas fontes de informa��o, diz a universidade.
O curso completo da Universidade Johns Hopkins est� dispon�vel na plataforma Coursera, gratuitamente, em ingl�s.
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