
A detec��o das novas variantes do coronav�rus acontece gra�as � vigil�ncia gen�mica, uma estrutura formada por laborat�rios, equipamentos e, claro, cientistas capazes de receber amostras de pacientes com covid-19, fazer o sequenciamento gen�tico desse material e determinar qual linhagem do v�rus est� circulando por uma determinada regi�o.
Foi esse trabalho, ali�s, que conseguiu identificar os primeiros casos de infec��o relacionados � BA.2 no Brasil, uma variante "prima-irm�" da �micron que parece ser ainda mais transmiss�vel e se tornou dominante em locais como Dinamarca e �ndia.
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Pelo que se sabe at� o momento, as primeiras amostras de brasileiros infectados com essa nova linhagem v�m de Rio de Janeiro e S�o Paulo, com dois casos em cada Estado, de acordo com as informa��es divulgadas recentemente pelo Minist�rio de Sa�de.
A virologista Paola Resende, pesquisadora do Laborat�rio de V�rus Respirat�rios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/FioCruz), � uma das cientistas que fazem parte da estrutura de vigil�ncia gen�mica do Brasil.Como o pr�prio nome adianta, o centro onde ela trabalha � refer�ncia na investiga��o de v�rus respirat�rios para o Minist�rio da Sa�de.
A especialista explica que, desde que a �micron foi detectada pela primeira vez na �frica do Sul e em Botsuana em novembro de 2021, algumas linhagens derivadas dela foram descobertas em outras partes do mundo.
"A �micron 'cl�ssica' � conhecida por B.1.1.529. Dentro desse grupo, temos algumas outras linhagens, como a BA.1, a BA.1.1, a BA.2 e a BA.3", explica.
O surgimento de novas vers�es virais � algo esperado: conforme o v�rus "pula" de uma pessoa para outra e se replica dentro das nossas c�lulas, ele sofre muta��es aleat�rias no c�digo gen�tico. Algumas dessas modifica��es n�o d�o em nada. Outras, por�m, podem aprimorar a capacidade de transmiss�o, de escape imunol�gico ou at� de agressividade do pat�geno.
Ainda segundo a virologista, embora a BA.2 tenha ganhado os holofotes nas �ltimas semanas, ela ainda est� presente numa minoria das amostras analisadas.
"A BA.1 e a BA.1.1 s�o as que apresentam maior dissemina��o global e uma r�pida dispers�o. A BA.2 come�ou a se destacar em alguns pa�ses, como a Dinamarca, onde ela est� em cerca de 35% dos genomas sequenciados", calcula.
"Mas, quando olhamos o cen�rio global, ela � detectada em cerca de 2% das amostras", compara Resende.
O geneticista David Schlesinger, CEO da Mendelics, um laborat�rio privado que tamb�m integra a rede de vigil�ncia gen�mica de S�o Paulo, explica que a �micron BA.1 j� era um dos v�rus mais infecciosos que surgiram nos �ltimos 100 anos.
"E a BA.2 � mais transmiss�vel ainda", aponta.
"Ela poderia ter sido catastr�fica caso n�o tiv�ssemos um contingente de pessoas com um bom n�vel de imunidade pela vacina��o e pelos casos pr�vios, que seguem protegendo contra quadros mais graves na maioria das vezes", avalia.
Um estudo dinamarqu�s divulgado no final de janeiro mostrou que a BA.2 � 33% mais infecciosa que a BA.1 — que, por sua vez, j� tinha uma capacidade de espalhamento bem superior �s variantes alfa, beta, gama e delta.
E � justamente essa maior transmissibilidade que ajudaria a explicar como essa nova vers�o viral se tornou dominante na Dinamarca, superando a �micron "original".
No entanto, Resende pondera que o comportamento de uma variante num determinado local nem sempre se repete em outras partes do mundo.
"Basta analisarmos o que ocorreu com as variantes anteriores. A alfa dominou no Reino Unido, mas teve uma a��o limitada por aqui. J� a gama, que foi respons�vel pela onda que acometeu o Brasil no primeiro semestre de 2021, n�o foi bem-sucedida fora da Am�rica Latina", ensina.
A pr�pria delta, que teve uma a��o r�pida e devastadora em lugares como �ndia e Estados Unidos, demorou quase tr�s meses para se alastrar e virar dominante no Brasil.
"Isso depende muito da din�mica local, de quantas pessoas vulner�veis existem ali, quais s�o as outras linhagens que dominam", lista.
Essas experi�ncias pr�vias, portanto, sinalizam que n�o d� muito pra saber como a BA.2 vai se comportar em cada cen�rio — o que s� refor�a o trabalho constante das equipes de vigil�ncia gen�mica.

Um Brasil mais vigilante
Schlesinger conta que, todas as semanas, a Mendelics seleciona de forma aleat�ria e an�nima cerca de 90 amostras de pacientes com covid e faz o sequenciamento gen�tico delas. A ideia � ter uma ideia de como est� a distribui��o das variantes do coronav�rus.
"Entre o fim de janeiro e o in�cio de fevereiro, detectamos um caso de BA.2", diz.
Na semana seguinte, por volta do dia 7/2, uma nova rodada de sequenciamentos n�o encontrou nenhum caso provocado por essa linhagem espec�fica.
No caso da BA.1, o laborat�rio acompanhou um crescimento exponencial. "Na primeira semana de janeiro, ela estava em 15% das amostras. Na segunda, subiu para 80%. Na terceira, para 94%. No in�cio de fevereiro, ela foi detectada em 100% dos sequenciamentos", compara.
A BA.2 vai seguir a mesma trajet�ria por aqui? Ainda � cedo para dizer, avaliam os especialistas. "Precisamos acompanhar e ver se ela vai seguir o mesmo padr�o da BA.1 ou n�o", responde Schlesinger.
Resende explica que o sistema de vigil�ncia gen�mico brasileiro evoluiu bastante nos �ltimos meses e est� bem mais estruturado do que no come�o da pandemia, o que permite identificar a BA.2 ou outras variantes com mais rapidez.
"A hist�ria mudou. Quem diz que o Brasil n�o tem uma boa vigil�ncia gen�mica desconhece todos os avan�os que tivemos recentemente", defende.
O n�mero de sequenciamentos de amostras, de fato, aumentou bastante. De acordo com o site da Rede Gen�mica FioCruz, em outubro de 2020, o Brasil colocou pouco mais de 500 sequenciamentos no Gisaid, plataforma online onde cientistas do mundo todo compartilham informa��es dos genomas do coronav�rus.
J� em setembro de 2021, o pa�s fez quase 12 mil sequenciamentos, um crescimento de 24 vezes na frequ�ncia mensal de exames do tipo.
No final do ano passado, essa taxa voltou a cair um pouco. Mas isso tem a ver com a queda nos casos de covid por aqui, justifica a virologista — em janeiro, com o avan�o da �micron, os sequenciamentos voltaram a subir novamente.

Em compara��o com a vigil�ncia gen�mica de outras partes do mundo, ainda ficamos bem para tr�s. Desde o in�cio da pandemia, pesquisadores brasileiros compartilharam no Gisaid 110 mil sequenciamentos, o que representa 0,41% do total de casos diagnosticados no pa�s. A porcentagem � pr�xima ao que � feito em pa�ses como Rom�nia, Peru, Egito e Filipinas.
Os campe�es nessa rela��o entre sequenciamentos e casos de covid s�o Nova Zel�ndia (37% dos casos s�o sequenciados), Dinamarca (16%), Isl�ndia (11%) e Reino Unido (10%).
Por outro lado, � poss�vel notar um avan�o quando analisamos os n�meros absolutos de sequenciamentos feitos na atual onda da �micron: o Brasil � o 13º pa�s que mais depositou informa��es na plataforma Gisaid mais recentemente.
Resende esclarece que n�o h� necessidade de sequenciar todos os pacientes com covid. "Para a vigil�ncia, precisamos selecionar uma amostragem significativa para entender a din�mica das variantes e ter um panorama geral da situa��o."
Capacidade ampliada
A virologista da FioCruz conta que os 26 Estados e o Distrito Federal possuem os Laborat�rios Centrais, tamb�m conhecidos pela sigla Lacen.
"Os Lacens de cada unidade federativa detectam as amostras positivas para coronav�rus e determinam uma amostragem representativa, ou quantas delas ser�o sequenciadas", diz.
Essa amostragem representativa varia de acordo com a popula��o de cada lugar e tamb�m com o momento da pandemia — se o n�mero de casos de covid est� alto, pode ser necess�rio ampliar a quantidade de an�lises, por exemplo.
"Na sequ�ncia, as amostras selecionadas de forma aleat�ria s�o enviadas para a rede de vigil�ncia gen�mica, da qual fazem parte a FioCruz e diversas outras institui��es", complementa.
A especialista tamb�m informa que os pr�prios Lacens ampliaram a estrutura e pretendem eles pr�prios come�ar a fazer em breve a an�lise gen�tica das amostras dos pacientes. Os laborat�rios centrais de S�o Paulo, Minas Gerais e Bahia, inclusive, j� possuem essa tecnologia em uso atualmente.
"E isso certamente vai ficar como um legado para as futuras epidemias que a gente vai enfrentar", antev�.
"Podemos utilizar essa mesma estrutura para analisar geneticamente os casos de influenza, zika, chikungunya, dengue…", exemplifica.
Mas, afinal, o que vai acontecer com a BA.2?
Enquanto a vigil�ncia gen�mica faz o monitoramento e n�o h� muitas defini��es se a BA.2 vai se espalhar ou n�o pelo pa�s, Schlesinger especula o que pode ocorrer caso ela realmente se torne dominante por aqui.
"A BA.2 pode causar um prolongamento da onda em que estamos agora. Com isso, o n�mero de casos demoraria um pouco mais para cair", avalia.
"E h� a probabilidade de essa variante passar por algo parecido ao que vimos com a delta no Brasil, que substituiu lentamente a gama, mas n�o chegou a causar uma onda propriamente dita", completa.
Num cen�rio onde ainda temos algumas incertezas, ao menos uma coisa permanece igual: os m�todos preventivos continuam a barrar o coronav�rus, independentemente da variante do momento.
"As medidas n�o farmacol�gicas s�o essenciais e continuam a valer, especialmente o uso de m�scaras de boa qualidade em locais fechados ou em aglomera��es", resume Resende.

Manter um distanciamento f�sico sempre que poss�vel, cuidar da circula��o do ar pelos ambientes e fazer a higiene das m�os com regularidade s�o outras atitudes que seguem indicadas pelas autoridades.
E, claro, n�o d� pra se esquecer da campanha de imuniza��o contra a covid. "A medida mais importante � vacinar todo mundo o mais r�pido poss�vel", acrescenta Schlesinger.
"N�o existe outro avan�o na hist�ria da humanidade que teve um impacto t�o grande na sa�de coletiva quanto vacinar as pessoas", finaliza o geneticista.
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