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Estado de Minas BBC

A hist�ria por tr�s da justificativa de Putin para invas�o da Ucr�nia

Como um controverso ucraniano se tornou s�mbolo de acusa��es falsas de nazismo do l�der russo contra presidente ucraniano judeu


25/02/2022 20:36 - atualizado 25/02/2022 20:37

Vladimir Putin
Vladimir Putin afirmou querer "desnazificar" a Ucr�nia (foto: EPA)
Ao anunciar que iniciaria uma "opera��o militar especial" contra a Ucr�nia, durante a madrugada desta quinta-feira, 24/2, o l�der russo Vladimir Putin justificou sua a��o pela necessidade de "desnazificar e desmilitarizar a Ucr�nia".

 

"Tomei a decis�o de realizar uma opera��o militar especial. Seu objetivo ser� defender as pessoas que h� oito anos sofrem persegui��o e genoc�dio pelo regime de Kiev. Para isso, visaremos a desmilitariza��o e desnazifica��o da Ucr�nia", afirmou Putin em um discurso televisionado, ao mesmo tempo em que m�sseis e for�as armadas russas iniciavam uma incurs�o que a autoridade ucraniana afirma ter atingido todas as regi�es do pa�s em ao menos 70 pontos diferentes, como aeroportos e portos, e j� ter matado mais de 130 pessoas.

O movimento russo � um desfecho dram�tico para uma crise geopol�tica internacional que se desenrolou nos �ltimos 4 meses, quando Putin come�ou a instalar suas for�as militares na regi�o da fronteira com a Ucr�nia.

 

Inicialmente, o presidente russo se dizia preocupado com a seguran�a nacional do pa�s dada a expans�o da alian�a militar da Otan (Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte) no leste europeu. Putin queria garantias de que a Ucr�nia n�o seria admitida na alian�a - o que, em tese, permitiria aos EUA instalar bases militares na regi�o vizinha ao territ�rio russo.

 

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Contudo, ao acusar o atual governo ucraniano, comandado pelo presidente judeu Volodymyr Zelensky, de ser nazista - sem qualquer prova disso -, Putin extrapola preocupa��es atuais e pr�ticas com a seguran�a do pa�s e mobiliza uma s�rie de conceitos e eventos hist�ricos na regi�o e que, de acordo com os especialistas, o ajudaria a justificar para o mundo e especialmente para o povo russo as a��es militares contra um povo igualmente eslavo.

 

Putin evoca as mem�rias coletivas dos ataques de Adolf Hitler na Europa, especialmente da invas�o dos nazistas contra a ent�o Uni�o Sovi�tica, e a no��o de genoc�dio e limpeza �tnica contra um povo - nesse caso, contra os separatistas russos na Ucr�nia - e tenta caracterizar seus atos n�o como agress�o a um outro pa�s, como o acusam Ucr�nia, EUA e Europa Ocidental, mas como uma tentativa de defesa.

 

 

  

 

"A Segunda Guerra Mundial � ainda hoje uma parte importante da cultura e da pol�tica russa, e a falsa afirma��o de que o governo ucraniano hoje � como o governo aliado nazista da Ucr�nia na Segunda Guerra Mundial ou o Ex�rcito de Liberta��o Ucraniano (o grupo que lutou ao lado dos nazistas) � uma tentativa de moldar a opini�o russa em rela��o ao atual governo ucraniano", afirmou � BBC News Brasil Adam Casey, cientista pol�tico especialista em R�ssia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

 

De onde vem a no��o de que o atual governo ucraniano � nazista?

 

� imposs�vel entender as refer�ncias feitas por Putin sem voltar algumas d�cadas na Hist�ria. Se, por um lado, o modo como o Ex�rcito Vermelho, da Uni�o Sovi�tica, combateu e derrotou as tropas nazistas alem�s na Segunda Guerra Mundial ainda mobiliza o imagin�rio dos russos e seu orgulho nacional, de outro lado, a rea��o de ao menos parte dos seus vizinhos ucranianos em rela��o a Hitler segue sendo motivo de hostilidade entre russos e ucranianos.

 

Quando o ex�rcito nazista adentrou as �reas ucranianas, em 1941, uma parte da popula��o optou por colaborar com os alem�es, enquanto boa parte do pa�s foi varrida por sofrimento e destrui��o. Mais de 5 milh�es de ucranianos morreram combatendo os nazistas, que mataram a maior parte dos 1,5 milh�o de judeus ucranianos.

 

A ocupa��o alem� durou at� 1944, e os ucranianos que se engajaram na coopera��o com os alem�es nazistas atuaram na administra��o local, se tornaram parte da pol�cia nazista ou viraram guardas em campos de concentra��o. O governo civil alem�o nazista foi batizado de Reichskommissariat Ukraine, ou RKU, e compreendia o que hoje se divide entre o territ�rio da Ucr�nia, Belarus e Pol�nia.


Manifestação de ucranianos de extrema direita em Kiev, em 2015, com a bandeira de Stepan Bandera
Manifesta��o de ucranianos de extrema direita em Kiev, em 2015, com a bandeira de nacionalista ucraniano Stepan Bandera, que colaborou com nazistas (foto: EPA)

 

Uma das figuras mais proeminentes - e controversas - desse nacionalismo colaboracionista ucraniano foi Stepan Bandera, que primeiro atuou para facilitar o dom�nio dos nazistas na regi�o e depois se voltou contra eles, quando percebeu que seu plano de independ�ncia da Ucr�nia n�o se concluiria. Bandera passou anos em um campo de concentra��o nazista e acabaria assassinado por um agente da KGB em 1959.

 

Por tr�s da colabora��o com os nazistas, estava um desejo de independ�ncia de parte dos ucranianos e a cren�a de que os alem�es poderiam ser o caminho para se livrar do l�der sovi�tico Joseph St�lin.

 

Esse sentimento foi catapultado por outro evento hist�rico que rec�m completou 90 anos: o Holodomor, ou Fome-Terror ou ainda Grande Fome, um per�odo em que, de acordo com a estimativa do historiador Timothy Snyder, da Yale University, cerca de 3,3 milh�es de pessoas morreram de fome. H�, no entanto, quem diga que esse n�mero foi at� 3 vezes maior que a estimativa de Snyder.

 

Embora a fome tenha atingido a Uni�o Sovi�tica como um todo nesse per�odo, especialmente por pol�ticas econ�micas do regime de St�lin, os ucranianos - e outros 15 pa�ses - consideram Holodomor um genoc�dio. Isso porque, de acordo com alguns historiadores, a fome na Ucr�nia teria sido muito pior do que a no restante da regi�o por uma decis�o deliberada de St�lin de remeter menos recursos � regi�o e proibir o deslocamento das pessoas em busca de alimentos.

 

O l�der sovi�tico teria tomado a decis�o de punir e pressionar o campesinato ucraniano, que resistia a ceder suas f�rteis propriedades agr�colas ao controle do Estado, como ordenava o regime sovi�tico.


Tropas nazistas invadem uma casa na ucraniana Sebastopol, em 1942
Tropas nazistas invadem uma casa na ucraniana Sebastopol, em 1942, durante a ocupa��o alem�o, quando cerca de 5 milh�es de ucranianos morreram (foto: Getty Images)

 

O Holodomor virou um trauma coletivo que ainda assombra a Ucr�nia, mesmo 90 anos ap�s os acontecimentos, e que serviu de combust�vel para o sentimento antissovi�tico que Bandera encarnou nos anos 1930 e 1940.

Mas por que a hist�ria de Bandera importa agora, quase um s�culo depois?

A resposta est� nos acontecimentos detonados em 2013, quando o ent�o presidente ucraniano Viktor Yanukovych, que comandava um governo pr�-R�ssia, cedeu � press�o de Putin e se recusou a assinar um pacto de aproxima��o do pa�s com a Uni�o Europeia, algo que a maioria dos ucranianos desejava.

 

A decis�o do presidente fez irromper protestos populares pelo pa�s. Em um deles, na Pra�a Maidan, na capital ucraniana Kyev, estima-se que 100 mil pessoas se manifestaram. Ap�s meses de tens�o, em 2014, Yanukovych fugiu para a R�ssia e acabou deposto.

 

"Essa refer�ncia a nazistas e neonazistas se tornou muito proeminente na m�dia russa por volta de dezembro de 2013, porque, na �poca dos protestos da Pra�a Maidan, alguns dos manifestantes faziam coisas como hastear uma bandeira de (Stepan) Bandera, um nacionalista ucraniano que, temporariamente, durante a Segunda Guerra Mundial, cooperou com os nazistas para tentar buscar a independ�ncia ucraniana. H� um segmento da popula��o ucraniana que relembra aquelas tentativas de alcan�ar a independ�ncia ucraniana sob (Joseph) Stalin, aliando-se a Hitler, n�o como uma colabora��o com o nazi-fascismo, mas como a atua��o de patriotas ucranianos e her�is nacionais", explicou � BBC News Brasil Brian Taylor, professor de Ci�ncia Pol�tica da Syracuse University e autor de The Code of Putinism (O C�digo do Putinismo, em tradu��o livre).

 

A R�ssia retaliou a derrubada de Yanukovych tomando a Crimeia e desencadeando uma rebeli�o no leste ucraniano liderada por separatistas apoiados pela R�ssia — o confronto contra as for�as ucranianas j� custou 14 mil vidas. Nesse per�odo, algumas mil�cias de extrema-direita passaram a atuar para repelir os separatistas russos. S�o grupos como o Pravy Sektor e o Azov Battalion, que costumam empunhar bandeiras de Bandera, a quem Putin chama de "c�mplice de Hitler" e que hoje det�m status de "her�i nacional ucraniano". Nenhum desses grupos extremistas, no entanto, jamais conseguiu eleger parlamentares para o Congresso Nacional ucraniano nem tem representantes no Executivo.

 

"A Ucr�nia n�o � controlada por nazistas ou fascistas, apesar do crescimento de grupos ultra nacionalistas e fascistas nos �ltimos anos - um problema global n�o espec�fico da Ucr�nia. Na verdade, o governo democraticamente eleito da Ucr�nia � comandado por um presidente judeu, Volodymyr Zelensky, cujos tios-av�s e outros membros da fam�lia foram assassinados durante o Holocausto", afirmou � BBC News Brasil a historiadora Amy Randall, da Santa Clara University, na Calif�rnia, especialista em R�ssia.

 

Na noite desta quarta-feira (23/2), depois de tentar se comunicar com Putin e ser ignorado repetidamente, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi � TV e se dirigiu em russo � popula��o da R�ssia, a quem apelou para que impedissem o Kremlin de prosseguir com um ataque. Em seu discurso emocionado, Zelensky abordou as acusa��es de que seu governo � nazista, o que viria a ser repetido por Putin horas mais tarde, no momento do an�ncio da opera��o militar.


Volodymyr Zelensky
O presidente ucraniano judeu, Volodymyr Zelensky, questionou argumento de Putin: "como posso ser nazista?" (foto: Reuters)

 

"Dizem a voc�s (russos) que somos nazistas. Mas pode um povo que deu mais de oito milh�es de vidas pela vit�ria sobre o nazismo apoiar os nazistas? Como posso ser nazista? Explique isso ao meu av�, que passou por toda a guerra na infantaria do ex�rcito sovi�tico e morreu como coronel na Ucr�nia independente", afirmou Zelensky.

 

Os especialistas em R�ssia, no entanto, apontam que a utiliza��o por Putin desse tipo de argumento junto � popula��o tende a acessar o emocional da popula��o russa e faz parte de um movimento maior do l�der de mobiliza��o de apoio popular.

 

"Esta ret�rica de desnazifica��o � poderosa porque evoca a mem�ria do imenso sofrimento e vit�ria final do povo sovi�tico durante a Segunda Guerra Mundial.

 

Nos �ltimos anos, Putin intensificou deliberadamente a comemora��o da "Grande Guerra Patri�tica", como a Segunda Guerra Mundial � conhecida na R�ssia, promovendo o Dia da Vit�ria como o feriado mais importante e usando a guerra para aumentar o orgulho nacionalista entre os russos", afirma Randall.

 

Do mesmo modo, alertam os especialistas, o uso do termo genoc�dio por Putin, para caracterizar uma falsa situa��o de aniquilamento da popula��o russa na Ucr�nia apela ao mesmo tipo de sentimento. De acordo com Brian Taylor, o recurso ao termo "genoc�dio" para justificar incurs�es militares russas em �reas vizinhas n�o � novidade na pol�tica internacional de Putin. "Em 2008, ele fez o mesmo com a Ge�rgia e, em 2014, na Crimeia", afirma Taylor.

 

De fato, existe um conflito nas �reas separatistas de Donetsk e Lugansk desde 2014, em que separatistas russos financiados pelo governo russo enfrentam for�as do Ex�rcito ucraniano, e que j� resultou na morte de 14 mil pessoas.

 

Mas h� tamb�m uma guerra de desinforma��o em curso na �rea. Em 2015, uma equipe da BBC mostrou como, na regi�o de Donetsk, onde apenas emissoras de televis�o russas transmitiam programas desde 2014, a hist�ria da morte de uma garota russa, de 10 anos, em um bombardeio ucraniano foi inteiramente inventada. Jornalistas da m�dia russa, respons�veis por reportar a hist�ria, admitiram � BBC que a menina jamais existiu. "N�s tivemos que transmitir isso", afirmaram os profissionais russos � BBC.

 

"O genoc�dio � uma grave acusa��o - e que a comunidade internacional leva a s�rio. Neste caso, � claro, nenhum genoc�dio est� ocorrendo. Mas a pretens�o de ser o protetor do mundo russo, por assim dizer, � uma justificativa comum para a pol�tica externa de Putin, e essa acusa��o infundada de genoc�dio refor�a sua afirma��o para o p�blico dom�stico de que ele � o protetor dos russos �tnicos em toda a antiga Uni�o Sovi�tica", afirma Casey.

 

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